quarta-feira, 30 de maio de 2012

Time to say goodbye

Há tempo para todos os propósitos debaixo do céus, apregoa o livro poético de Eclesiastes. Este é o tempo de dizer adeus, afastar-me de tudo o que mais amo, só quando estou vulnerável, longe das coisas e pessoas que tenho apreço, fora da minha zona de conforto e da rotina é que consigo conhecer a mim mesma e a valorizar o que tenho, é o momento de fazer o voo de renovação da águia. Para eu "ser" tenho que me abster do "ter". Eu só me acho quando perco tudo. O "ter" me distrai, distraída não sei quem sou.
na curva entre Canadá e Brasil, enterrei meu coração
Nenhum homem deve passar pela vida sem experimentar uma vez a saudável, ainda que entediante, solidão no ermo, dependendo exclusivamente de si mesmo e, assim, descobrindo a sua força oculta e verdadeira. Jack Kerouac

Dizer adeus é deixar para trás meus pais aposentados, minha irmã grávida e meu sobrinho de 2 anos, desfazer dos meus pertences, principalmente dos meus livros, filmes e discos. Deixar meus amigos e demais parentes, o emprego público estável e bem remunerado (comparado com a realidade brasileira). Deixar minha pátria, com uma cultura rica, comidas maravilhosas, pessoas agradáveis, lugares paradisíacos. Preciso ir para sentir falta disso tudo, para criar minha própria canção do exílio, para sentir na pele o que significa saudade, uma palavra que existe só na língua portuguesa e não significa só sentir falta, mas também, sofrer com a perda.
No Brasil tem calor humano, no Canadá tem segurança, qualidade de vida e igualdade social, meu corpo vai e minha alma fica. Aqui eu tenho raízes, lá eu tenho asas.
"A estrada não está preparada para nos receber, é preciso que sejam os nossos pés a marcar o destino, objetivo ou que quer que seja.Os caminhos nao estão feitos, é andando que cada um de nós faz o seu próprio caminho". José Saramago
Li o livro "Sêneca: Sobre os enganos do mundo",  é uma coleção de cartas de Sêneca para Lucílio, na época em que as pessoas tinham amigos e uns aconselhavam-se com os outros, dedicavam o tempo para refletir sobre o problema de cada um, escrevendo cartas de encorajamento. Hoje, infelizmente não se tem mais com quem contar, as pessoas estão muito ocupadas, não conseguem nem desejar um bom dia e sorrir, impossibilitadas de terem amigos, valorizam o que não precisam e desprezam pessoas interessantes. Apropriei-me do conselho dado a Lucílio, identifiquei-me com ele, era inquieto e achava que o problema era o lugar, então o sábio conselheiro levantou questões que passei a meditar com mais afinco e o tema da carta transformei em pergunta para mim mesma: Faço viagens como cura para o descontentamento? Será que o problema sou eu ou é o lugar? Faço errado em ir? Todas essas dúvidas veio acompanhada de respostas brilhantes:
leiam o trecho da carta, clique na imagem para ampliar
"Deves mudar a alma e não o lugar"
"Tu corres de um lado para o outro para livrar-te do peso que te aflige. Essa própria agitação torna-o pior"
"No entanto, quando tiveres te livrado do mal, qualquer viagem será agradável. Poderás ser exilado para os confins da terra, e em qualquer canto perdido dos países bárbaros aonde terão te levado haverá sempre para ti um lugar acolhedor"
"Não nascemos encurralados, minha pátria é todo este mundo."
Percebi que nenhum lugar será bom se eu não tiver em paz comigo mesma, porque a paz de espírito, a tranquilidade e o bem-estar, não está no ambiente exterior, está na alma, dentro de mim. Como diz Rosa de Luxemburgo:
 "Quem não se movimenta, não sente as correntes que o prendem"
Eu preciso sentir o peso das minhas correntes, adotar o mundo como pátria e voltar quando for necessário, é sempre bom ter para onde voltar, como exclama Gonçalves Dias:
Não permita Deus que eu morra,
Sem que eu volte para lá;
Porque preciso do colo de mainha, da comida com "sustança", das risadas das amigas, de pular 7 ondas e me energizar, voltar com a bagagem cheia, não de coisas supérfluas ou de bens materiais, mas com experiências, com conhecimento de novas culturas e novos idiomas, com o coração cheio de amor para com os meus, para chegar e dizer o quanto são importantes e quanta falta fazem e depois prosseguir com a andança
Já me fiz a guerra
Por não saber
Que esta terra encerra
Meu bem-querer
E jamais termina
Meu caminhar
Só o amor me ensina
Onde vou chegar
[Andança - Beth Carvalho]
Todo esse blá blá bá para tentar me despedir, eu não sei fazer isso, dizer tchau parece simples, mas não é. É como dizer para a pessoa, estivemos todo esse tempo perto, mas quase não tínhamos tempo um para o outro e agora muito menos, em seguida vem as promessas de visitas, mas isso raramente vai acontecer porque temos vidas atribuladas e estamos, como já disse no começo, distraídos com as coisas que a gente tem e assistindo as pessoas interessantes só passarem por nós, sem vínculos, sem assuntos consistentes como os de Sêneca e Lucílio, só rola papo de elevador, tudo descartável. Todos que foram se despedir, que me abraçaram, daqui a alguns anos lembrarão de mim vagamente. Uns, mesmo longe estarão perto e outros, mesmo perto estarão sempre longe, aparecerão outras pessoas, outras distrações. Assim a vida segue até nos tornarmos pó.
Continua....

5 comentários:

  1. Até que enfim sua espera terminou!!!
    Amei seu post!
    Eu amo esse país, mas amo mais ainda minha segurança, o repeito, as experiências, a possibilidade de estar mais satisfeita comigo e com o lugar que habito.
    Muito boa sorte!!!

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  2. UaU! Depois de tantos suspiros poéticos e avassaladores, resta-me desejar um BOM DIA! com um baita sorriso no rosto para acolher seus mais sinceros sentimentos.
    Rezo pro meu Processo Federal voar, mas temo o Adeus que virá de brinde. Inevitável!
    BOM DIA :D

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  3. Ana!! Esse mundo virtual que muitas vezes nos aproxima e isola, agora terá um papel ainda mais importante, e espero sinceramente que agente possa manter a conexão, a troca de ideias, os desabafos, as piadas, críticas, os anseios, os sonhos!! BOA SORTE ANA!!!! FELICIDADES!!!

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  4. Ana, conheci o teu blog através do Google - busca por filmes, e o acompanho desde então. Só quero dizer que fiquei realmente feliz com a sua conquista.

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  5. Querida Ana: até breve. Me espere que eu vou te visitar. Grande beijo.

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