terça-feira, 17 de dezembro de 2013

A insustentável dureza do ser

Sobrevivi a mais uma sessao na faculdade, preciso sobreviver a mais três, ou seja, até o fim do próximo ano. Estudar absorve todas as minhas energias, tira-me todo o tempo de viver, de cuidar de mim, de cuidar da casa.
Eu sou a minha pior inimiga, exijo de mim a perfeiçao, quero provar que posso tudo, quero que meu filho me veja como exemplo de luta em todos os sentidos, quero ser forte, ninguém me vê chorando, mas eu choro muito no chuveiro, choro por causa do cansaço físico e mental, choro de saudades, choro sem motivo algum.
Quero fazer o melhor para mostrar ao governo que o investimento na bolsa de estudo que recebo é merecido, que nao estou usando o dinheiro de impostos dos cidadaos em vao. No país onde morava é humilhante receber bolsa de qualquer coisa, como se você fosse um "vagabundo" sustentado, como se você nao precisasse de uma vara emprestada para pescar até conseguir comprar a sua própria vara. Ainda bem que aqui é diferente, você pode escolher estudar com bolsa em tempo integral, no Brasil eu tive que trabalhar 8h por dia e estudar à noite, durante 4 anos, de segunda a sábado, era bem pior. É um absurdo trabalhar e estudar ao mesmo tempo, é quase ser super-homem, mas se no Brasil criarem uma bolsa de estudos como a daqui, com certeza seria o fim do mundo porque a "classe média sofre" nao aceitaria arcar com as contas de estudantes, mesmo sabendo que após a formatura eles iriam retribuir com serviços e com impostos, por isso a desigualdade social está longe de acabar por lá.
Por causa desse pensamento preconceituoso que eu trouxe na bagagem, quero acabar meus estudos logo e começar a contribuir com a sociedade que me acolheu, nao quero ser vista como parasita (mesmo sabendo que eles nao me veem assim, tá na minha cabeça), afinal estou dando um duro danado.
Por causa dos estudos, sinto-me culpada de sentar na frente da tv enquanto como, sinto-me culpada em pegar um livro que nao seja didático. Fazer as unhas como antes? Agora só faço nas mini férias entre uma sessao e outra e além de nao pintá-las mais com tanta frequência, comecei a roê-las por causa da ansiedade monstra.
Minhas sobrancelhas perderam o formato, está in natura, meu cabelo deve ter uns 3 tons de tintas, sem falar na quantidade de fios brancos que surgiram. Assim vou levando a vida, entre trancos e barrancos, eu sempre soube que nao seria fácil e eu ainda tenho a capacidade de dificultar ainda mais o que já é difícil. Eu poderia estar trabalhando numa loja, numa livraria, ganhando meu dinheiro para fazer umas viagens locais ou para decorar o apartamento, visto que aqui qualquer serviço é bem remunerado e você pode ter tudo o que você quiser, sem que isso seja luxo, mas sim uma questao de dignidade. Poderia ligar a TV sem preocupaçao alguma e curtir o besteirol, mas nao, vou a fundo, afinal a vida é cheia de som e de fúria, é hardcore, quero ver até quando a pilha aguenta. Talvez eu nao seja uma pessoa feliz, talvez eu seja uma pessoa curiosa, talvez para mim o sofrer seja prazeroso, como explica bem o texto do Rubem Alves a seguir:

"Se fôssemos completos, Beethoven nunca teria feito a Nona Sinfonia. Ele a fez porque tinha um buraco dentro dele que doía muito. E o jeito que encontrou de curar a dor dentro do corpo foi compondo a Nona Sinfonia.

Ostra feliz não faz pérola. Ostra que faz pérola é uma ostra que sofre. É preciso que tenha um grão de areia dentro dela que a incomode. E ela faz a pérola para quê? Para não doer mais, para não ser cortada. Isso é verdadeiro para todo mundo.

Você sabe que as pessoas felizes nunca deram contribuição alguma para a humanidade. E fizeram muito bem, tinham que gozar a sua felicidade. Mas existe uma dor chamada curiosidade. Mais precisamente é uma coceira, é um bicho-de-pé no pensamento. Isso faz sofrer. Porque você é curioso, você inventa, você descobre, você abre a fechadura."



4 comentários:

  1. e la vamos nos, nessa ardua tarefa de fazer a pérola ...
    para a minha, so faltam 6 meses de estagio ... courage!!!!

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  2. ô, Ana, vc me comoveu muito com este post tão "razão & sensibilidade"...
    Aliás, eu sempre me identifico com seus pontos de vista, seus desabafos e suas teorias expostas aqui no seu Blog. Ouso dizer que sou muito parecida com você e entendo seu "sofrimento".
    Ultimamente ando refletindo muito sobre minha vida futura aí em Ville de Québec e penso em cair no mercado de trabalho de cara (digo qquer trampo), mas tenho uma veia teórico-acadêmica que me instiga horrores a cair no mundo dos estudos québecois... Dúvidas e mais dúvidas!
    Boa sorte no seu despertar!!
    Bjo grande
    Nilian

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  3. Esse trecho que você postou no final é maravilhoso, resume tudo. Eu também estou passando pelas mesmas coisas e já me convenci de que c'est ma vie. Eu sou assim, vivo querendo "passar o carro na frente dos bois", dá nisso.

    Falando em viajar, você bem que podia dar um pulinho aqui em Montréal, né? Temos um sofá-cama na sala, não cabe muita gente, mas daí até aqui dá até para faire le puce! ;)

    Abraço,
    Lidia.

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  4. Ana:
    EQUILÍBRIO é a palavra-chave pra amenizar seu sofrimento, suas cobranças e culpas.
    Pense que ao concluir seus estudos, você poderá dar o retorno que tanto deseja colocar em prática.
    Portanto, enquanto isso não acontece, faça como recomendou Rubem Alves = "abra a fechadura...."
    Bjs.:
    Sil

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