segunda-feira, 4 de setembro de 2017

Transexualidade no Irã

Vou começar definindo o que é transexualidade e homossexualidade segundo o dicionario. E ja corrigindo o  Michaelis que ainda usa a palavra transexualismo (antiga nomenclatura que classificava como doença, assim como também usavam a palavra homossexualismo).

tran·se·xu·a·lis·mo
Sentimento de profunda inadequação ao próprio sexo, acompanhado pelo desejo de adquirir as características físicas externas do sexo oposto, por meio de tratamento clínico e procedimento cirúrgico.

ho·mos·se·xu·a·li·da·de
Condição de homossexual

ho·mos·se·xu·al
1 Relativo a homossexualidade.
2 Diz-se de relacionamento sexual entre indivíduos do mesmo sexo.
Que ou aquele que tem atração sexual por indivíduos do mesmo sexo; entendido, gay, guei, invertido, uranista.

Resumindo: a pessoa trans nao se sente bem na pele em que habita e deseja mudar, pois se identifica melhor com as caracteristicas do sexo oposto. Ja o homossexual gosta de individuos do mesmo sexo.

Transexualidade no Irã


No inicio dos anos 80, os trangêneros foram oficialmente reconhecidos pelo governo e autoridades iranianas e autorizados a fazer cirurgia de mudança de sexo.
Em 1963, o aiatola Rouhollah Khomeini escreveu um livro dizendo que nao existe nenhuma restriçao religiosa que impeça a cirurgia corretiva. Hoje o Irã é o segundo pais em numeros de cirurgias de mudança de sexo, o primeiro é a Tailândia.
O Irã é uma republica islâmica, sob um regime fundamentalista, ou seja, o governo governa sob as leis da religiao, "deus" acima de tudo.
A homossexualidade é considerada crime e a condençao é a pena de morte. O que acontece é que os homossexuais, para nao serem mortos, sao obrigados a transicionar para serem "aceitos" na sociedade. Mera ilusao! Eles sao ainda mais excluidos. Se um homem transiciona em mulher, ele tem que portar a burka e andar nas normas impostas às mulheres. Como sabem, é melhor ser um animal que ser uma mulher neste lugar. A mulher so tem uma funçao: casar, procriar e passar a vida escondida atras de um véu. As trans nao podem procriar, logo nao casam. Os namorados homossexuais as abandonam porque eles também nao tem interesse pelo sexo oposto. O mesmo acontece para uma mulher que transiciona em homem. 30% desses trans acabam se suicidando apos a cirurgia, varios outros acabam na prostituiçao ou se jogam bem, fazem parte da seleçao feminina de futebol que é formado majoritamente por trans (WTF!!!).


Livro: If you could be mine, de Sara Farizan



A razao pela qual este assunto de transexualidade no Irã esta me incomodando é porque eu queria ler um livro de uma mulher que transicionou em homem para a maratona de leituras LGBTQ+ e pela descriçao que vi no Goodreads, este livro encaixava no que eu estava procurando. Porém, a personagem Sahar nao chega a transicionar, mas tem outros personagens que transitionaram e contam suas experiencias. 
É um YA e lê-se rapido, a escritora é americana de origem iraniana. Narra a historia de duas meninas de 17 anos, Sahar e Nasrin que estao apaixonadas uma pela outra, elas sempre foram amigas. Aos 6 anos de idade, Sahar disse à sua mae que iria se casar com Nasrin. A mae a repreendeu e disse que era pecado casar com pessoas do mesmo sexo.

Nasrin esta prestes a casar com um homem com quase o dobro da idade dela e Sahar esta desesperada em perder o amor da vida, entao inventa de transicionar, nao porque ela é trans, mas porque é o unico jeito de ficar com a Nasrin. Por crescer nesta cultura sufocante, ela acha errado sentir o que ela sente, por isso a unica soluçao é mudar de corpo e nao se assumir lésbica.


Ela estava determinada, sabe como é o primeiro amor, nao é? Você acha que deve sacrificar sua vida por ele.

Sahar vai a uma clinica e o médico começa a explicar os tipos de procedimentos da transiçao, o tratamento hormonal, etc. Ela até desmaia no final:

Sahar tinha um primo gay, o Ali que teve que fugir às pressas para a Turquia, pois tinha sido espancado.
Apesar de mostrar toda essa violência, é um livro bem bonito. Recomendo!

Documentario "Be Like Others" e reportagem da BBC


Resolvi pesquisar mais em outras fontes e fiquei chocada ao descobrir estes dois videos que mostram como é ser transexual. A maioria dos entrevistados sao homossexuais e nao queriam transicionar. Se você tiver estomago, assista (em inglês).




Psicologos, psiquiatras, psicanalistas e médicos a serviço do regime


Neste ultimo video, o reporter entrevista um profissional de saude mental que declara nao haver nenhum tipo de educaçao sexual, o acesso  à Internet é controlado, muitos sites sao censurados e nao existe lugar para buscar informaçao.
Esses profissionais nao trabalham de acordo com a Psicanalise ou Psicologia, mas com as leis do alcorao. Eles nao podem tratar os pacientes como deveriam, o unico tratamento sugerido ao paciente é abraçar a religiao, casar com alguém do sexo oposto para ser curado da doença e em casos mais graves, usam eletrochoques. Se o paciente nao reabilita, é morto.
Como estou lendo Hannah Arendt também, vejo os profissionais assim como vejo Eichmann. Que merda de "gente do bem"! Sem falar nesses médicos cirurgioes açougueiros que mutilam essas pessoas sem um pingo de ética e respeito com o ser humano.
So de ouvir que o Pastor Malafaia é psicologo chega me dar um frio na espinha, ele é perfeito para trabalhar na "cura gay" num regime fundamentalista.
A banalidade do mal é isso, é tanta merda no mundo que ninguém mais nem liga.

ONG no Canada


O Canada é um dos paises que acolhem os refugiados LGBTQs que sao perseguidos e ameaçados em seus respectivos paises. No documentario, o reporter entrevista o responsavel da ONG Iranian Railworld for Queer Refugees, localizada em Toronto. Quem mora aqui, entra no site, leia e se possivel contribua de vez em quando. Eles chegam aqui sem absolutamente nada e toda ajuda é bem-vinda. É o minimo que nos podemos fazer.

Filme Circunstancia


Ja falei aqui deste filme sobre homossexualidade feminina no Ira.



sábado, 2 de setembro de 2017

Hannah Arendt - Eichmann em Jerusalém - Parte 1

A Paula do blog Pipa nao saber voar, propôs uma leitura compartilhada de "Eichmann em Jerusalém", da Hannah Arendt e eu que ja tinha nos meus projetos o intuito de lê-la, inclusive ja tinha lido o livro de poesias dela, nao pensei duas vezes, mesmo estando no meio da Maratona de leituras LGBTQIA+

(Meu teclado nao tem alguns acentos do portugues).

Vou fazer varios posts de cada capitulo deste livro porque é muita informaçao e nao da para condensar tudo num post so. Nesta primeira parte vou comentar sobre o primeiro capitulo, intitulado "A corte", em que ela descreve tudo o que ela observava durante o julgamento.

Hannah Arendt propôs ao redator-chefe da revista semanal "The New Yorker", se ela poderia ir como correspondente cobrir o processo de Eichmann. Ele foi capturado na Argentina onde se exilou e levado para Israel para ser julgado pelos crimes cometidos durante o regime nazista na Alemanha.

Este livro gerou muita polêmica e ela foi severamente atacada até o fim de sua vida. O motivo da controversia era mais pela incompreensao e ma interpretaçao sobre o que ela escreveu. Tudo o que foi considerado polêmico, nem era o assunto principal do livro, eram fatos isolados e às vezes ela relatava o que alguém disse, nao era nem o que ela pensava. 
Por exemplo, ela citou e nao foi a unica, varios jornalistas e escritores falaram disso, pois era um fato e nao uma suposiçao, sobre a colaboraçao dos conselhos judaicos com os nazistas para a deportaçao de judeus. O que interpretaram é que ela estava querendo transformar as vitimas em culpadas, queria responsabiliza-las pelo proprio exterminio. Ela apenas citou o ocorrido sem tomar partido nenhum. Ai pegaram o texto fora do contexto e muitos que a atacaram nem sequer tinha lido o que ela escreveu. Quem cobrava explicaçao das vitimas nao era ela, era o procurador durante o processo o que ela fez foi relatar as ideias deste procurador, explicarei com mais detalhes adiante.

Outro babado foi ela usar o conceito "banalidade do mal", interpretaram que ela estava considerando o regime nazista algo banal, sem importancia, mas é totalmente o contrario. Ela disse que dentro de um regime autoritario, os crimes passam a ser banais, algo que ocorre no cotidiano e ninguém se importa com o que esta acontecendo. O que ela fez foi denunciar a alienaçao, a passividade e o medo que assola o povo em tempos sombrios.

Culparam-na de defender Eichmann, dizendo que ela mostrou mais compaixao por ele do que pelas vitimas (vou detalhar melhor no post do segundo capitulo). Porém, ela nao estava ali para defender ninguém, ela simplesmente relatou, sob seu ponto de vista, o que estava acontecendo em um mês que ela ficou em Israel fazendo a cobertura do processo. Por ser judia, esperavam que ela fizesse um texto sentimental, mostrasse emoçao, mas ele permaneceu neutra, manteve à distância para melhor refletir.

Capitulo 1: A Corte



Ela faz uma descriçao do local igual ao da foto, os três juizes, inumeros livros e mais de 1500 documentos na mesa, os magistrados, os tradutores, o acusado atras de um vidro e a defesa.
Logo na primeira pagina, ela fez uma critica de como o processo estava sendo conduzido. A lingua utilizada foi o hebraico, a traduçao em francês era excelente, em inglês aceitavel e em alemao, a unica lingua falada pelo acusado, era quase incompreensivel, quase cômico e nao era traduzido metade das coisas que o acusado falava. Ela comenta que com tantos judeus de origem alema que estavam la, a corte era incapaz de fornecer um tradutor adequado na unica lingua em que o acusado e a defesa poderiam compreender.

O advogado de defesa foi contratado por Israel. Ela também achou estranho a atitude do procurador geral (assunto que introduzi acima) que vinha o todo tempo com perguntas bestas e cruéis às vitimas: Como vocês deixaram isso acontecer? Por quê tanta passividade? Por quê vocês aceitaram morrer como ovelhas no matadouro? Como os judeus contribuiram, por intermediaçao de seus chefes, à anulaçao do seu proprio povo? Ele elogiava os judeus herois da resistência e menosprezava os submissos que aceitaram a condiçao. Ele insistia: Por quê vocês nao protestaram? Por quê vocês entraram no trem? Vocês eram quinze mil e os guardas apenas uma centena, por quê vocês nao se revoltaram? 

Arendt compara a corte a um espetaculo de teatro e os juizes como atores de uma tragédia em varios momentos. Questiona se Eichmann estava sendo realmente julgado pelos crimes que ele supostamente cometeu ou foi colocado la para pagar por todo crime nazista como se ele fosse o unico responsavel pelo sofrimento que o povo judeu passou. Ou seja, aquilo era justiça ou vingança? Estavam julgando o individuo pelos seus atos ou o regime nazista atraves da pessoa dele?

As testemunhas eram sobreviventes dos campos que começaram a narrar as barbaridades ocorridas nesses lugares. Mais uma vez: a corte estava induzindo o individuo a pagar pelas atrocidades do regime onde ele era apenas uma peça de toda a engrenagem?

Também comenta o papel do procurador durante as entrevistas e coletivas de imprensa na televisao. Nos EUA, o debate era sempre interrompido por publicidade imobiliaria. 

Processo de Nuremberg

Ela nao criticou apenas o processo de Eichmann, mas também o processo de Nuremberg (Tribunal militar internacional, criado pelos Aliados, localizado na cidade de Nuremberg, zona de ocupaçao americana), ocorrido em 1945-1946 que condenou 24 responsaveis pelo III Reich. O alto escalao realmente responsavel pelo regime ou tinha se suicidado ou exilado. So sobrou os paus-mandados, isso nao os isenta de julgamento, porque eles foram grandes criminosos sim, mas nao eram os peixes grandes como quiseram fazer o povo acreditar. Sao essas pequenas nuances que ela queria mostrar e foi atacada.

Resumindo em grosso modo: Apos a guerra o mundo nao sabia lidar com a situaçao, até entao nao existia um tribunal internacional, nao existiam leis contra crimes cometidos contra a humanidade, tudo foi criado meio às pressas. Hannah Arendt temia a transformaçao do tribunal em um espetaculo teatral e que os acusados fossem julgados pelos seus proprios crimes e nao pelo crime do Reich. Ela cobrava seriedade e neutralidade, a partir do momento em que a justiça vira vingança, os que eram antes injustiçados passam a agir como seus algozes. O problema do mundo em tempos dificeis é a incapacidade de refletir e a tomada de decisoes precipitadas.
Arendt colocou o assunto em pauta, nao querendo trazer uma soluçao, mas uma reflexao. Claro que os ânimos estavam alterados, pois ninguém é de ferro, tinha acontecido um genocidio. Porém, o perigo esta em revoltar-se ou submeter-se sem raciocinar ou medir as consequencias e isso é um assunto recorrente na obra da Hannah Arendt.

No Youtube tem o processo completo que durou um ano, você pode assistir como foi cada sessao e tirar suas proprias conclusoes. 



Proximo post é o capitulo sobre o acusado. Falarei da descriçao que ela faz de Eichmann.