quinta-feira, 27 de agosto de 2015

BEDA dia 27 - Filme + livro: Fahrenheit 451


Fahrenheit 451 é um romance de ficçao cientifica distopica, escrito por Ray Bradbury e publicado em 1953, nos EUA. É mais profético que muito livro de profecia religiosa.
451ºF (232ºC) é a temperatura ideal para transformar um livro em cinzas. A brigada 451 dos bombeiros é encarregada de queimar livros, eles têm como missao entrar nos lares subversivos, dos amantes da literatura e destruir tudo.
Guy Montag é um desses bombeiros. Um dia ele encontra com sua vizinha adolescente, Clarisse, que sempre faz perguntas instigantes para ele, a ponto de ele refletir sobre seu trabalho, o porquê dos livros serem tao perigosos e a razao pela qual ele deveria queima-los todos.  
Caminharam ainda mais um pouco e a garota disse:
— É verdade que antigamente os bombeiros apagavam incêndios em lugar de começá-los?
— Não. As casas sempre foram à prova de fogo, pode acreditar no que eu digo.

Até entao ele fazia seu trabalho mecanicamente, sem jamais questionar.
"Não estou pensando. Apenas estou fazendo como me mandam, como sempre. Você disse “pegue o dinheiro” e eu peguei. Realmente não pensei nisso. Quando começo a fazer as coisas por mim mesmo"?

Sua esposa Mildred era viciada na programaçao da TV e em remédios narcotizantes. Eles quase nao conversam, parecem ter déficit de atençao e memoria curta, nao conseguem nem lembrar quando e onde se conheceram, nem sabem se amam um ao outro, sao conformados com aquela vidinha esquisita.

Beatty é comandante da brigada que conhece varios livros, mas com intuito de combatê-los, inclusive ele diz:
“O Diabo é capaz de citar as Escrituras para atingir seus fins”.
O comandante tinha todo um discurso para convencer as pessoas a nao lerem.

Bem, Montag, pode acreditar, no meu tempo eu tive de ler alguns, para saber do que se tratava, e lhe digo: os livros não dizem nada! Nada que se possa ensinar ou em que se possa acreditar. Quando é ficção, é sobre pessoas inexistentes, invenções da imaginação. Caso contrário, é pior: um professor chamando outro de idiota, um filósofo gritando mais alto que seu adversário. Todos eles correndo, apagando as estrelas e extinguindo o sol. Você fica perdido. 
Ela não queria saber como uma coisa era feita, mas por quê. Isso pode ser embaraçoso. Você pergunta o porquê de muitas coisas e, se insistir, acaba se tornando realmente muito infeliz.Se não quiser um homem politicamente infeliz, não lhe dê os dois lados de uma questão para resolver; dê-lhe apenas um. Melhor ainda, não lhe dê nenhum. Deixe que ele se esqueça de que há uma coisa como a guerra. Se o governo é ineficiente, despótico e ávido por impostos, melhor que ele seja tudo isso do que as pessoas se preocuparem com isso. 
Não as coloque em terreno movediço, como filosofia ou sociologia, com que comparar suas experiências. Aí reside a melancolia. Todo homem capaz de desmontar um telão de tevê e montá-lo novamente, e a maioria consegue, hoje em dia está mais feliz do que qualquer homem que tenta usar a régua de cálculo, medir e comparar o universo, que simplesmente não será medido ou comparado sem que o homem se sinta bestial e solitário. 
Não deixe a torrente de filosofia melancólica e desanimadora engolfar nosso mundo. Dependemos de você. Acho que você não percebe a importância que você tem, que nós temos, para que o nosso mundo continue feliz como ele é hoje.

Montag, de perseguidor passa a ser perseguido porque começou a ler. Conheceu Faber, um professor de inglês aposentado "que havia quarenta anos fora descartado para o mundo, quando a última faculdade de ciências humanas fora fechada por falta de alunos e patrocínio" e depois conheceu um grupo de pessoas, ex-professores ou leitores que decoravam os livros para nao esquecer e transmitia-os de forma oral aos outros.


Vamos à enxurrada de quotes proféticas:

Sobre a rapidez da informaçao no século 20.

Tudo se resume no Twitter e nos memes de internet
Imagine o quadro. O homem do século dezenove com seus cavalos, cachorros, carroças, câmera lenta. Depois, no século vinte, acelere sua câmera. Livros abreviados. Condensações. Resumos. Tabloides. Tudo subordinado às gags, ao final emocionante.— Clássicos reduzidos para se adaptarem a programas de rádio de quinze minutos, depois reduzidos novamente para uma coluna de livro de dois minutos de leitura, e, por fim, encerrando-se num dicionário, num verbete de dez a doze linhas. Estou exagerando, é claro. Os dicionários serviam apenas de referência.
Clique, Fotografe, Olhe, Observe, Filme, Aqui, Ali, Depressa, Passe, Suba, Desça, Entre, Saia, Por Quê, Como, Quem, O Quê, Onde,Hein? Ui! Bum! Tchan! Póin, Pim, Pam, Pum! Resumos de resumos, resumos de resumos de resumos. Política? Uma coluna, duas frases, uma manchete! Depois, no ar, tudo se dissolve! A mente humana entra em turbilhão sob as mãos dos editores, exploradores, locutores de rádio, tão depressa que a centrífuga joga fora todo pensamento desnecessário, desperdiçador de tempo!

Sobre a escolaridade

Faculdade de humanas esta indo pra esse nivel ai e ninguém se importa.
A escolaridade é abreviada, a disciplina relaxada, as filosofias, as histórias e as línguas são abolidas, gramática e ortografia pouco a pouco negligenciadas, e, por fim, quase totalmente ignoradas. A vida é imediata, o emprego é que conta, o prazer está por toda parte depois do trabalho. Por que aprender alguma coisa além de apertar botões, acionar interruptores, ajustar parafusos e porcas? 

Sobre eleiçoes

Desde quando era criança ouvia o papo de gente votar para presidente porque o cara era bonito. Lembro até hoje do Collor, que era um tipao esportista e ja com a Dilma foi o contrario, tinha gente que nao votaria nela porque ela era feia. Com tantos motivos para votar ou nao em uma pessoa, a beleza e a feiura que decide.
— Como todo mundo, eu votei na última eleição e assinei embaixo pelo presidente Noble, é claro. Acho que ele é um dos homens mais bonitos que já chegaram à Presidência.— Ah, mas também com o homem que a oposição lançou para disputar com ele!— Não era grande coisa, não é mesmo? Meio baixinho e feioso, não fazia direito a barba nem sabia se pentear muito bem.— O que deu na oposição para lançá-lo como candidato? Não se pode lançar um baixinho desses contra um homem alto.Além disso... ele resmungava. Metade do tempo eu não conseguia ouvir uma palavra do que ele dizia. E quando eu ouvia, não entendia!— E além disso era gordo, e nem disfarçava com as roupas. Não admira que a maioria esmagadora dos votos fosse para Winston Noble. Até os nomes ajudaram. Basta comparar Winston Noble com Hubert Hoag por uns dez segundos para adivinhar o resultado.

Sobre a televisao e as midias em geral

Tem gente que acredita piamente no que o Bonner diz
O televisor é “real”. É imediato, tem dimensão. Diz o que você deve pensar e o bombardeia com isso. Ele tem que ter razão. Ele parece ter muita razão. Ele o leva tão depressa às conclusões que sua cabeça não tem tempo para protestar: “Isso é bobagem!”.

Sociedade do espétaculo despreocupada com a leitura e com a realidade

“Os bombeiros raramente são necessários. O próprio público deixou de ler por decisão própria. Vocês, bombeiros, de vez em quando garantem um circo no qual multidões se juntam para ver a bela chama de prédios incendiados, mas, na verdade, é um espetáculo secundário, e dificilmente necessário para manter a ordem. São muito poucos os que ainda querem ser rebeldes”. 

Outros fragmentos

"Mais esporte para todos, espírito de grupo, diversão, e não se tem de pensar, não é? Organizar, tornar a organizar e superorganizar super-superesportes. Mais ilustrações nos livros. Mais figuras. A mente bebe cada vez menos. Impaciência. Rodovias cheias de multidões que vão pra cá, pra lá, a toda parte, a parte alguma. Os refugiados da gasolina. Cidades se tornam motéis, as populações em surtos nômades, de um lugar para o outro, acompanhando as fases da lua".
"Um livro é uma arma carregada na casa vizinha".
"Será porque estamos nos divertindo tanto em casa que nos esquecemos do mundo? Será porque somos tão ricos e o resto do mundo tão pobre e simplesmente não damos a mínima para sua pobreza? Tenho ouvido rumores; o mundo está passando fome, mas nós estamos bem alimentados. Será verdade que o mundo trabalha duro enquanto nós brincamos? Será por isso que somos tão odiados"? 

O filme


O filme homônimo britânico, de 1966, foi dirigido pelo francês François Truffaut e olha... Perfeito! Gostei bastante dos livros citados no filme que sao diferentes dos citados no livro, me deu vontade de lê-los todos. Truffaut mudou um pouco a historia da Clarisse, também o nome da esposa de Montag e o final do filme que é um pouco diferente do livro, acho que ele foi mais otimista que o escritor, por isso sempre digo, o filme nao substitui a leitura.

Os atores Oskar Werner e Julie Christie
A atuaçao da Bee Duffell foi curta, mas foi sensacional, aplaudiria de pé essa mulher no cinema.
Azamigue que se encontram para verem tv juntas, parece umas pessoas que se encontram, mas cada uma fica olhando para tela do celular. Acho uma falta de respeito tao grande.

Conversa com Ray Breadbury

Tem como nao amar esse escritor, apos essa entrevista? (em inglês)


Agora estou pensando qual livro eu decoraria para leva-lo na mente, se um dia fosse necessario...

O livro e o filme fazem parte do meu projeto "Literatura na sétima arte"  12/100

quarta-feira, 26 de agosto de 2015

BEDA dia 26: Filme + Livro: A insustentavel leveza do ser


Terminei a leitura do livro "A insustentavel leveza do ser", do escritor tcheco, naturalizado francês, Milan Kundera, é meu primeiro contato com a obra dele.
Narra a historia do ponto de vista da burguesa tcheca, sobre a vida artistas e intelectuais na época da invasao do exército russo na entao Tchecoslovaquia (hoje sao dois paises: Republica Tcheca e Eslovaquia), época conhecida também como Primavera de Praga, em 1968.
A ideia de leveza e a dureza (ou fardo), vêm do poema intitulado "Sobre a Natureza e sua permanência", do filosofo grego Parmênides.

Foi a questão com que se debateu Parmênides, no século VI antes de Cristo. Para ele, o universo estava dividido em pares de contrários: luz-sombra; espesso-fino; quente-frio; ser-não ser. Considerava que um dos pólos da contradição era positivo (o claro, o quente, o fino, o ser) e o outro, negativo. Esta divisão em pólos positivos e negativos pode parecer de uma facilidade pueril. Exceto num caso: o que é positivo: o peso ou a leveza?
Parmênides respondia que o leve é positivo e o pesado, negativo. Tinha razão ou não? O problema é esse. Mas uma coisa é certa: a contradição pesado-leve é a mais misteriosa e ambígua de todas as contradições.
Portanto, o fardo mais pesado é também, ao mesmo tempo, a imagem do momento mais intenso de realização de uma vida. Quanto mais pesado for o fardo, mais próxima da terra se encontra a nossa vida e mais real e verdadeira é.
Em contrapartida, a ausência total de fardo faz com que o ser humano se torne mais leve do que o ar, fá-lo voar, afastar-se da terra, do ser terrestre, torna-o semi-real e os seus movimentos tão livres quanto insignificantes. Que escolher, então? O peso ou a leveza?
Sabina representa a leveza, é uma pintora, nao é apegada a nada e a ninguém, prefere ser amante de homens casados a ter uma relacionamento sério, nao esconde o que é, dança conforme a musica, pensa no seu proprio bem estar e nao nos problemas politicos, sociais ou nas esposas de seus amantes, ela foge dos problemas. Se fosse hoje, ela teria varios followers nas redes sociais:

Para Sabina, viver na verdade, não mentir nem a si próprio nem aos outros, só é possível se não houver público nenhum. A partir do momento em que os nossos atos têm uma testemunha, quer queiramos quer não, adaptamo-nos aos olhos que nos observam; e, a partir de então, nada do que fazemos é verdadeiro. Ter um público, pensar num público, é viver na mentira. Sabina despreza aquele tipo de literatura em que o autor revela não só toda a sua intimidade, como também a dos amigos. Quem perde a sua intimidade, perde tudo, pensa Sabina. E quem renuncia voluntariamente a ela é um monstro. Por isso, Sabina não se importa de ter uma relação clandestina. Bem pelo contrário, para ela, é a única maneira de viver na verdade. 
Até aqui, os momentos de traição exaltavam-na e ficava sempre cheia de alegria só à idéia do novo caminho que se abria e da aventura sempre nova da traição que a esperava no fim da viagem. Mas que aconteceria se a viagem acabasse? Pais, maridos, amores, pátrias podem trair-se, mas o que resta para trair quando já não houver pais, nem marido, nem amor, nem pátria?

A pobre da Tereza é a representaçao da dureza mesmo, era servente em um bar quando conheceu o médico Tomas, casa com ele e é conivente com suas traiçoes. Tinha vida simples, mas nao era burra, o que chamou atençao de Tomas ao vê-la, foi o fato de ela estar com o livro de Tostoi, Ana Karenina e depois de aprender com ela a gostar de Beethoven. Torna-se fotografa durante a revoluçao e passa suas fotos para a imprensa internacional. So que ela é fragil, insegura e carente, tenta ser verdadeira e fiel na maior parte do tempo e quando comete um deslize, se ferra.
Tomas é o personagem que menos me cativou, era um mulherengo incuravel, nao resistia a um rabo de saia, ha longas e cansativas descriçoes sobre cada um dos seus casos no livro. So que as mulheres significavam o medo dele, ou seja, estar com uma mulher, era vencer seus proprios temores.
"Só lhe ficara o medo das mulheres. Desejava-as, mas elas atemorizavam-no".

Apesar da minha descriçao rasa e rapida sobre os personagens, o livro nao é so sobre casos amorosos, é muito além, é sobre politica, filosofia, sobre exilio, sobre escolhas e suas consequencias, sobre a condiçao humana em situaçoes adversas, a vida deles serao mudadas e nada sera como foi anteriormente. Mostra que nao existe situaçao preta ou branca, ha todas as nuances de cinzas no meio e o que esta no meio é mais comum do que o que esta nas extremidades, nao ha uma verdade absoluta, um certo ou um errado, o bonito e o feio, tudo isso depende de um ponto de vista, o fardo pesado pode vir a ser leve, e a leveza por virar um fardo.
"Não há forma nenhuma de se verificar qual das decisões é melhor porque não há comparação possível. Tudo se vive imediatamente pela primeira vez sem preparação. Como se um ator entrasse em cena sem nunca ter ensaiado. Mas o que vale a vida se o primeiro ensaio da vida já é a própria vida? É o que faz com que a vida pareça sempre um esquisso. Mas nem mesmo ''esquisso'' é a palavra certa, porque um esquisso é sempre o esboço de alguma coisa, a preparação de um quadro, enquanto o esquisso que a nossa vida é, não é esquisso de nada, é um esboço sem quadro".

Outros fragmentos do livro:

Sobre viver fora
"Quem vive no estrangeiro deixa de ter por debaixo de si a rede de segurança que é; para todo o ser humano, o país natal, o país onde se tem a família, os colegas, os amigos e onde é fácil fazermo-nos entender na língua que conhecemos desde crianças".

Sobre o excesso de informaçao e o abandono dos arquivos
"Numa sociedade rica, as pessoas não têm necessidade de trabalhar com as mãos e podem consagrar-se a uma atividade intelectual. Há cada vez mais universidades e cada vez mais estudantes. Estes, para obterem os seus canudos, primeiro têm que fazer uma tese sobre um dado tema. E não é difícil arranjar um tema, porque basta glosar o que já foi dito. E como tudo pode ser glosado, há um número infinito de temas. E assim, cada vez há mais e mais resmas de papel enegrecido amontoadas em arquivos ainda mais tristes do que cemitérios, porque ninguém lá entra, nem mesmo no dia de Todos os Santos. A cultura está a desaparecer numa infinidade de produtos, numa avalanche de letras, na demência da quantidade. Acredita em mim: um único livro proibido no teu antigo país tem um significado infinitamente maior do que os milhões de palavras escarrados pelas nossas universidades".

Gente que inventa uma classificaçao de livros bem peculiar:
"Marie-Claude prosseguiu: Foi no hospital que comecei a classificar os livros em duas categorias: os diurnos e os noturnos. E é mesmo verdade! Há livros para ler de dia, e outros que só se podem ler à noite".

Fragmentos diversos:
"A maior parte das vezes, para escapar ao sofrimento refugiamo-nos no futuro. Julgamos que a pista do tempo tem uma linha marcada para lá da qual o sofrimento presente há-de cessar".
"As idéias também podem salvar a vida".
"Es muss sein"? (tem de ser?)
"Antes de nos esquecerem, hão-de transformar-nos em kitsch. O kitsch é a estação de correspondência entre o ser e o esquecimento".
"Sempre admirei as pessoas que acreditam em Deus. Achava que tinham o dom estranho de uma percepção para-sensorial que a mim me é negada".

O filme



O filme homônimo, foi dirigido pelo americano Philip Kaufman, com belissimas atuaçoes de Daniel Day-Lewis (Tomas), Juliette Binoche (Tereza) e Lena Olin (Sabina). O filme tem quase 3h de duraçao, mesmo assim nao conta toda a historia do livro, é focado mais na historia da Tereza e do Tomas, alguns personagens importantes como o Simao por exemplo, nem é citado no filme e nao é mostrada a historia do Franz até o final, ele simplesmente desaparece. Um filme nunca substitui o livro, é apenas uma adaptaçao. Porém o filme é muito bom! Vale a pena assisti-lo. Assisti nos anos 90 e agora novamente para comparar com o livro e ele nao deixou de me surpreender.

Sabina e Tereza



O livro e o filme fazem parte do meu projeto "Literatura na sétima arte"  11/100

sábado, 15 de agosto de 2015

BEDA 15: Livro + Filme: O vendedor de passados


Li "O vendedor de passados", do escritor angolano, José Eduardo Agualusa. E a primeira vez que tenho contato com a escrita dele e fiquei bem contente em descobri-la. 
A historia é narrada por uma lagartixa (osga), chamada Eulalio que vive na casa de Félix Ventura, um negro albino, falso genealogista que tem por missao criar um passado ficticio e interessante para pessoas que hoje sao influentes na Angola, mas que vieram do nada, nao têm um passado decente.
Tanto o livro quanto o filme joga com a realidade, a fantasia, a verdade, a mentira, o sonho, é como as redes sociais, a aparência, o marketing pessoal, a gana de se promover conta mais que a vida real sem graça. 
Cai na pegadinha da musica da cantora brasileira Dora, a cigarra, achei que fosse verdade, foi tao convincente o que ele disse que fui caçar a mulher na internet e nao achei nada sobre ela e nem sobre a musica.
Escolheu um disco de vinil e colocou-o no prato do velho gira-discos. “Acalanto para um Rio”, de Dora, a Cigarra, cantora brasileira que, suponho, conheceu alguma notoriedade nos anos setenta. Suponho isto a julgar pela capa do disco. É o desenho de uma mulher em biquíni, negra, bonita, com umas largas asas de borboleta presas às costas. “Dora, a Cigarra – Acalanto para um Rio – O Grande Sucesso do Momento”. A voz dela arde no ar. Nas últimas semanas tem sido esta a banda sonora do crepúsculo. Sei a letra de cor. 
Nada passa, nada expira
O passado é
um rio que dorme
e a memória uma mentira
multiforme.
Dormem do rio as águas
e em meu regaço dormem os dias
dormem
dormem as mágoas
as agonias,
dormem.
Nada passa, nada expira
O passado é
um rio adormecido
parece morto, mal respira
acorda-o e saltará
num alarido. 

Fragmentos grifados:

(na minha primeira morte eu não morri)
Um dia, na minha anterior forma humana, decidi matar-me. Queria morrer completamente. Tinha esperança de que a vida eterna, o paraíso e o inferno, Deus e o Diabo, a reencarnação, tudo isso, fossem apenas superstições urdidas demoradamente, ao longo de séculos e séculos, pelo vasto terror dos homens. Comprei um revólver numa armaria, apenas a dois passos da minha casa, mas onde nunca tinha entrado antes, e cujo proprietário não me conhecia. Depois comprei um livro policial e uma garrafa de genebra. Fui para um hotel na praia, bebi a genebra com desgosto, em largos goles (o álcool sempre me repugnou), e estendi-me na cama a ler o livro. Achava que a genebra, somada ao tédio de um enredo ingênuo, me daria a coragem necessária para encostar o revólver à nuca e apertar o gatilho. O livro, porém, não era mau – e eu li-o até ao fim. Quando cheguei à última página começou a chover. Era como se chovesse noite.
Explico melhor: era como se do céu caíssem grossos fragmentos desse oceano escuro e sonolento no qual navegam as estrelas. Fiquei à espera de as ver cair, quebrando-se depois, com grande brilho e clamor, de encontro às vidraças. Não caíram. Apaguei o candeeiro. Encostei o revólver à nuca, e adormeci.
 
"A coragem não é contagiosa; o medo, sim". 
"Já reparou que tudo o que é inanimado descolora ao sol – mas o que é vivo ganha cor?" 
"Entre a vida e os livros, meu filho, escolhe os livros". 
"Chorei, aliás, lágrimas mais autênticas pela morte de alguns personagens literários do que pelo desaparecimento de muitos amigos e parentes". 
"Dê-me licença para citar Montaigne – nada parece verdadeiro que não possa parecer falso. Existem dezenas de profissões nas quais saber mentir é uma virtude.
Indique-me agora uma profissão, uma única, que não se socorra nunca da mentira, e na qual um homem que apenas diga a verdade seja efectivamente apreciado?"
 
"Existem pessoas que revelam, desde muito cedo, um enorme talento para a desventura. A infelicidade atinge-os como uma pedrada, dia sim, dia não, e eles recebem-na com um suspiro conformado". 
"Só somos felizes, verdadeiramente felizes, quando é para sempre, mas só as crianças habitam esse tempo no qual todas as coisas duram para sempre" 

O filme


O filme homônimo é dirigido pelo Lula Buarque de Hollanda e a historia é um pouco diferente, o genealogista nao é um albino angolano, é um jovem negro carioca, além de limpar o nome da pessoa e dar um passado digno, também da um passado criminoso para sua cliente, a pedido da mesma.
A personagem Clara do filme é a Ângela Lúcia do livro.


- spoiler- se vc quer ler o livro, pule essa parte
O livro é dividido por capitulos, alguns deles sao intitulados como "sonho" e enumerados de 1 a 6. Isso induz o leitor a pensar que trata-se realmente de sonhos, mas Félix escreve em seu diario:
"Vem-me à memória a imagem a preto e branco de Martin Luther King discursando à multidão: eu tive um sonho. Ele deveria ter dito antes: eu fiz um sonho. Há alguma diferença, pensando bem, entre ter um sonho ou fazer um sonho.Eu fiz um sonho".
Os sonhos eram uma invençao da cabeça dele, nada é o que parece ser. Para mim, ficou bem claro no filme essa jogada de imaginaçao x realidade, talvez porque li o livro antes e ja sabia que isso iria acontecer, mas vi que quem so assistiu ao filme ficou meio perdido e nao soube entender isso muito bem.
- fim do spoiler -

 A nota do filme no Filmow esta bem baixa e os comentarios sao bem negativos, porém eu gostei, nao é nenhuma obra prima do cinema, nao é melhor que o livro, mas é um filme bem feito.

Fazia tempo que nao via um filme brasileiro e nem lia um autor africano.

O livro e o filme fazem parte do projeto "Literatura na sétima arte" 

sexta-feira, 14 de agosto de 2015

BEDA dia 14: Procura-se desesperadamente por Iribarren

Cadê os livros do Karmelo C. Iribarren nas livrarias ou nas bibliotecas? Cadê as traduçoes em português ou em francês? Minha alma tem sede de escritores boêmios desesperançosos. Preciso devorar todas as obras desse cara de uma vez, até morrer de overdose poética.



AL LÍMITE

Tienes veinte años,
tienes a la vida
por el cuello
a tu merced;
pero no es suficiente,
quieres más.

Conozco 
esa sensación.
te deseo mucha suerte,
la vas a necesitar.

MADRID, METRO, NOCHE

Gente
exhausta,
con la vista 
clavada
en el suelo,

preguntándose
por la vida,
la de verdad...

porque no puede ser
que sea
solo eso...

CONVIENE NO OLVIDARLO

No hay nada
gratis. Ni siquiera
lo que es gratis es gratis de verdad.
Siempre 
te lo descuentan
de algún sitio.

COMO TÚ

Mujeres como tú
son las que consiguen 
que se declaren 
las guerras
y que algún general
que otro
llegue incluso
a escuchar
el silbido
de las balas.



BEDA (blog post for every day in August), é um post para cada dia do mês de agosto.

sábado, 8 de agosto de 2015

BEDA DIA 8 - Filme + livro: Livre


Terminei a leitura do livro de memorias da Cheryl Strayed, "Livre", onde ela narra a razao pela qual aos 26 anos de idade, decidiu fazer a trilha "The Pacific Crest" (PCT) que tem 4240 km, atravessando os EUA pelo pacifico desde a fronteira do México até a fronteira do Canada, como podem constatar no mapa abaixo. Cheryl começou a trilha em Mojave e nao na fronteira do México.

Imagem via Warrior Hike
"Foi uma mulher quem primeiro imaginou a PCT. Era uma professora aposentada de Bellingham, em Washington, chamada Catherine Montgomery.
Em uma conversa com o escritor e montanhista Joseph T. Hazard, sugeriu que deveria haver uma “trilha alta contornando os picos de nossas montanhas ocidentais” de fronteira a fronteira. O ano era 1926."


Cheryl veio de uma familia desestabilizada, desde pequena ela e seus irmaos viram sua mae ser vitima de violência conjugal, ela casou muito jovem, embora seu marido fosse um cara bacana, nao estava preparada para levar um casamento à sério, involveu-se com heroina e acompanhou o sofrimento de sua mae vitima de câncer. Todos essas derrotas e perdas quotidianas fizeram com que ela tomasse a decisao de sumir, de se perder para se encontrar, numa caminhada solitaria, no meio da natureza selvagem, sem nunca ter feito uma triha na vida e sem preparaçao fisica e psicologica adequada.

Fiquei interessada em alguns livros que ela citou, vou deixar a listinha aqui para procura-los na biblioteca, gosto de livros que inspiram e mudam a vida de pessoas como ela.

O despertar, de Kate Chopin,
A filha do otimista, de Eudora Welty,
Enquanto agonizo, de William Faulkner,
O sonho de uma língua comum, de Adrienne Rich,
The Ten Thousand Things, de Maria Dermout.

O livro tem trilha sonora também, eis aqui algumas musicas citadas (parava a leitura para escuta-las):

CD Joshua tree, do U2
CD Colors of the Day, de Judy Collins
Musica Something About What Happens When We Talk, de Lucinda William
Musica Paper roses, de Donny & Marie Osmond
Musica Love Struck Baby, de Stevie Ray Vaughan
Musica Texas flood, de Stevie Ray Vaughan


Cheryl e sua mochila

O filme



O filme é dirigido pelo Québecois Jean-MarcVallée, o mesmo diretor Dallas Buyers Club e tem a Reese Witherspoon interpretando a Cheryl. Vi o filme antes de ler o livro e gostei bastante. A Reese esta cada vez melhor como atriz, amo-a desde Johnny e June. O livro é mais rico em detalhes, obviamente, mas o filme mostra as imagens dos locais onde ela passou, a fotografia do filme é linda e complementou o que apenas estava no imaginario de quem leu o livro primeiro e nao tinha ideia de com é a paisagem da trilha.

Consideraçoes finais

Eu nao teria coragem de fazer essa trilha sozinha, tenho pavor de urso, de cobra, de deserto, de neve, da solidao, passar dias sem ver um ser humano me assusta. Tiro meu chapéu pra ela.

Este livro faz parte do projeto #LeiaMulheres, do projeto "Literatura na sétima arte" e do projeto "Escritores peregrinos".
Este filme faz parte do projeto "Literatura na sétima arte" e do projeto "Diretores do Québec"

quarta-feira, 5 de agosto de 2015

BEDA dia 5 - Leminski-se



BEDA (blog post for every day in August), é um post para cada dia do mês de agosto.


Leminski.
quem é vivo
aparece sempre
no momento errado
para dizer presente
onde não foi chamado
__________________________
mesmo
na idade
de virar
eu mesmo
ainda
confundo
felicidade
com este
nervosismo
___________________________
eu
quando olho nos olhos
sei quando uma pessoa
está por dentro
ou está por fora
quem está por fora
não segura
um olhar que demora
de dentro do meu centro
este poema me olha
___________________________

bem no fundo
no fundo, no fundo,
bem lá no fundo,
a gente gostaria
de ver nossos problemas
resolvidos por decreto
a partir desta data,
aquela mágoa sem remédio
é considerada nula
e sobre ela — silêncio perpétuo
extinto por lei todo o remorso,
maldito seja quem olhar pra trás,
lá pra trás não há nada,
e nada mais
mas problemas não se resolvem,
problemas têm família grande,
e aos domingos saem todos passear
o problema, sua senhora
e outros pequenos probleminhas
______________________________

PERHAPPINESS

terça-feira, 4 de agosto de 2015

BEDA dia 4 - Colher o que planta

BEDA (blog post for every day in August), é um post para cada dia do mês de agosto.

Um ditado popular que me incomoda: "Você colhe o que você planta..." Reallyc'est du grand n'importe quoi.

  • As crianças escravas do Congo que plantam cacau comem chocolate suiço?
  • A peaozada que constroi os prédios em Sao Paulo algum dia tera a oportunidade de morar neles?
  • As costureiras chinesas usam Zara?

Tem gente que planta demais e colhe de menos, tem gente que nem planta e colhe demais. O que planta nao pode usufruir do fruto do seu trabalho e o que colhe nao é nem capaz de pegar numa enxada.

Esse ditado nao inclui os inconvenientes, tais como: o desperdicio, os fatores climaticos, os desastres naturais, a qualidade das sementes, as injustiças, as desigualdades, o trabalho semi-escravo ou escravo, a substituiçao do homem pelas maquinas agricolas, o agrobusiness, a exportaçao da melhor parte da produçao, a Monsanto. Ou seja, a lei da semeadura é dura.


Queria mesmo é plantar vento pra colher tempestade

Acho que plantei demais nessa vida. E o que eu ganho com isso? Vivo ligada no 220v, tensa, nao sei relaxar nunca, nao sei socializar, levo comigo toda cobrança do mundo nas minhas costas. Talvez seja muita prepotência da minha parte querer colher alguma coisa que eu acho que seria meu por direito so porque plantei. Vou ali no 4shared baixar minha bola.
Ha pessoas que aceitam de bom grado as migalhas que recebem da vida, ja eu quero ser mais exigente, queria ter um pouquinho de dignidade e amor-proprio, sabe? Se olhar por uma outra perspectiva, poderia ser pior, nem sou a criança chinesa escravizada. Talvez seja esse o segredo do conformismo, comparar com gente que ta na pior para se sentir melhor.
Talvez eu precise de uma religiao para entrar no mundo da fantasia, esquecer la vraie vie e usar como desculpa a frase mais conformista e derrotista que um ser humano pode usar: "Deus quis assim, nossa recompensa esta no céu..."
Se ao menos eu tivesse um tiquinho de fé pra entrar nessa, mas nem isso. #loser

domingo, 2 de agosto de 2015

BEDA dia 2 - Trouxa, quem sempre?

BEDA (blog post for every day in August), é um post todo dia no mês de agosto. O post de hoje é para vos informar que encontrei a trilha sonora da minha vida.


Para de dizer
Que vai dar tudo certo
Para de ser trouxa
E deixa eu te avisar
A vida é toda roxa
Cheia de hematoma
Cheia de cicatriz

Para de sair distribuindo abraços
Porque não há recompensa
E você não é desinteressado, eu sei

Se nao acredita no que foi dito, receba sua condecoraçao


Quando nasci, um anjo torto 
desses que vivem na sombra disse: 
Vai, Ana! ser trouxa na vida

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Le temps ne fait rien à l'affaire
Quand on est con, on est con
Qu'on ait vingt ans, qu'on soit grand-père
Quand on est con, on est con
Entre vous, plus de controverses
Cons caducs ou cons débutants
Petits cons d'la dernière averse
Vieux cons des neiges d'antan
(Quand on est con, on est con - George Brassens)