quarta-feira, 22 de junho de 2011

O pagador de promessas - Dias Gomes

Como notaram, estou super empolgada com o tema do Desafio Literário. Peças teatrais são textos curtos, por isso dá para ler bastante, tenho várias peças em casa, mas só lia Shakespeare e Samuel Beckett, estou 'desenterrando' as outras, além de Brecht, estou consumindo a dramaturgia brasileira: Nelson Rodrigues, Chico de Assis, Dias Gomes e na próxima semana, Plínio Marcos. O que falta para os brasileiros descobrir o Brasil? Incentivo, porque estes textos tem em qualquer livraria, estão lá empoeirados, mas não temos professores ou pais motivados que incentivam os alunos/ filhos a terem acesso a esta arte. Sempre digo, se alguns de nossos autores tivessem nascido na Europa, as obras seriam melhor difundidas. Por isso faço questão, se conseguir convencer poucas pessoas que leem este blog a levar a obra destes autores adiante, já fiz a minha parte.

O pagador de promessas é um espetáculo que virou filme, o primeiro filme brasileiro que concorreu ao Oscar e ganhou o prêmio no Festival de Cannes.
O pagador de promessas é, talvez a mais importante obra do saudoso Dias Gomes. Não é simplesmente o aspecto da intolerância religiosa que importa, nem tampouco o dogmatismo religioso. Num país como o nosso, onde o sincretismo das religiões convive cotidianamente em quase todas as atividades, a simbologia do Zé do Burro é um grito contra a engrenagem desumana que sufoca que sufoca e limita anseios de liberdade [José Renato - Diretor teatral]
Principais personagens:
Zé do Burro: o homem que faz uma promessa a Santa Bárbara, se ele alcançasse a graça, daria metade de sua propriedade aos pobres e levaria uma cruz até o altar da igreja de Santa Bárbara que fica a 42 km, trajeto que ele e sua esposa fizeram a pé. Ele além de ser religioso, é supersticioso, procura o santo que possa ajudá-lo, independente de ser fiel apenas ao catolicismo.
Rosa: Esposa do Zé do Burro, uma mulher bonita, sexy e que de uma certa forma sente-se enclausurada e sem perspectiva de ser feliz.
Bonitão: Um cafetão que vê o casal chegando de madrugada na porta da igreja e propõe a Rosa que vá descansar em um hotel, pois o Zé, obcecado pela promessa, não arreda o pé enquanto a igreja não abrir.
Padre: O padre é um homem bem austero, não aceita que o Zé entre na igreja para cumprir a promessa, primeiro que a promessa era para que seu burro fosse curado, ele não concordava com isso. Segundo, a promessa foi feita a Iansã, no Candomblé; mas Iansã e Santa Bárbara tem a mesma função, são a mesma pessoa. O padre proibe a entrada do Zé com a cruz na igreja, isso causou burburinho na cidade.
Repórter: Em busca de uma boa pauta para o jornal, ele conta a história do Zé de uma forma totalmente distorcida, Zé nem entende o que o repórter está dizendo, mas coopera e tira até fotos para a matéria do jornal.
Zé na sua ingenuidade falando com o padre sobre fazer uma promessa pelo burro:
Nicolau não é um burro como os outros. É um burro com alma de gente. E faz isso por amizade, por dedicação. Eu nunca monto nele, prefiro andar a pé ou a cavalo. Mas de um modo ou de outro ele vem atrás. Se eu entrar numa casa e demorar duas horas, duas horas ele espera por mim, plantado na porta. Um burro desses, seu padre, não vale uma promessa?
[Padre] A igreja é de Deus, candomblé é do diabo
Repórter com suas perguntas comprometedoras e capiciosas.
Repartir o sítio... diga-me, o senhor é a favor da reforma agrária?
[Zé] Reforma agrária? O que é isso?
[Repórter] É o que o senhor acaba de fazer em seu sítio. Redistribuição de terras entre aqueles que não as possuem..
É contra a exploração do homem pelo homem. O senhor pertence a algum partido político?
Notícia publicada na gazeta:
O novo Messias prega a revolução
Sete léguas carregando uma cruz, pela reforma agrária e contra a exploração do homem pelo homem. Para o vigário da paróquia de Santa Bárbara, é satanás disfarçado. Quem será afinal Zé do Burro? Um místico ou um agitador?
[Rosa] Não entendi muito bem o que botaram na gazeta, mas uma coisa me diz que isso não é bom.

Depois de um tempo, a polícia já estava no caso, por fim, o homem que só queria pagar uma promessa, já era acusado de ser líder comunista, terrorista, de ter ameçado o padre e querendo invadir a igreja. Fim de gente assim, morte em praça pública. Virou mártir
Assim termina a história de Zé, um zé-ninguém que virou ameaça para políticos e religiosos. Parece absurdo? Não, há muitos que sofrem injustiças, não são compreendidos, a imprensa deturpa as informações, o marketing político e religioso oprimem as mentes, mas estamos muito ocupados e cegos para dar conta de tudo isso.

segunda-feira, 20 de junho de 2011

A peça didática de Baden-Baden sobre o acordo - Brecht

"A peça didática de Baden-Baden sobre o acordo" é como uma continuidade do "Voo sobre o oceano", por isso recomendo, para quem não acompanha o blog e não leu, vai lá ler primeiro o "Voo"  e depois volta para cá.
Para quem já leu, continuemos então:
São três mecânicos e um aviador acidentados, eles estão contentes em saber que os aviões estão melhores, apesar dos acidentes que acontecem de vez em quando, eles não querem morrer, mas ninguém está preocupado com eles e sim com a continuação em criar máquinas ainda mais potentes e seguras.

INQUÉRITO PARA SABER SE O HOMEM AJUDA O HOMEM

Primeiro inquérito

O lider do coro se adianta - Um de nós atravessou o mar e descobriu um novo continente, mas muitos depois dele. Lá construíram grandes cidades com muito esforço e inteligência.
Coro retruca - Nem por isso o pão ficou mais barato.
O lider do coro - Muitos de nós meditaram sobre o movimento da Terra ao redor do Sol, sobre o mais íntimo do homem, as leis gerais, a composição do ar e sobre os peixes abissais. E descobriram grandes coisas.
Coro retruca - Nem por isso o pão ficou mais barato. Pelo contrário, a miséria aumentou em nossas cidades, e já há muito tempo ninguém sabe o que é um homem. Por exemplo: Enquanto vocês voavam, rastejava pelo chão algo semelhante a vocês, não como um homem!
O lider do coro dirigindo-se à multidão - Então o homem não ajuda o homem?
A multidão responde - Não!


A RECUSA DA AJUDA



Multidão lê para si mesmo - Certamente vocês já observaram a ajuda em mais de um lugar, sob diferentes formas, gerada por um estado de coisas que ainda não conseguimos dispensar: A violência. Contudo, nós aconselhamos a enfrentar a cruel realidade com uma crueldade ainda maior. E, abandonando o estado de coisas que gera a necessidade, abandone a necessidade. Portanto, não contem com ajuda: Recusar a ajuda supõe violência. Enquanto a violência impera, a ajuda poderá ser recusada. Quando não mais imperar a violância, a ajuda não será mais necessária. Por isso, em vez de reclamar ajuda, é preciso abolir a violência. Ajuda e violência constituem um todo, e é este todo que é preciso transformar.

O ACORDO
O coro dirigindo- se aos três mecânicos acidentados - Morram sua morte como têm realizado seu trabalho, revolucionando uma revolução. Morrendo, não se preocupe com a morte, mas recebam de nós a tarefa de reconstruir nosso avião. Comecem! A fim de voarem para nós, aonde precisarmos de vocês e no momento em que for necessário.
E lhe pedimos: Transformem o nosso motor e aperfeiçoem-no, façam aumentar a segurança e a velocidade.

Como mencionado no comentário que fiz sobre a peça "Voo sobre o oceano", o homem não se preocupa com o homem, se os mecânicos estão acidentados, quem se importa? O importante é saber se o voo vai continuar com mais segurança. É muito visível nos dias de hoje, se um trem descarrilha, ninguém quer saber se tem pessoas feridas, começam a xingar porque o próximo trem não virá, a pessoa terá que procurar outro meio de transporte. A vida hoje não vale um tostão, o imediatismo está em se orgulhar do progresso, da rapidez, do valorizar as coisas e humilhar as pessoas. talvez Brecht quisesse que seus textos fossem um meio de reflexão e mudança, mas infelizmente tenho uma má notícia, não tenho esperança de ver a valorização da raça humana, pelo contrário, a cada dia as pessoas estão mais egoístas, intolerantes e solitárias. Já cantava Lulu Santos:
Assim caminha a humanidade
Com passos de formiga
E sem vontade...

sábado, 18 de junho de 2011

O voo sobre o oceano - Bertold Brecht

Escolhi mais uma peça de Brecht para o Desafio Literário, "Voo sobre o oceano" é uma peça radiofônica, baseada no voo de Lindbergh, um fascista que manteve estreitas relações com os nazistas e desempenhou um papel bastante ambíguo nos EUA. Brecht omitiu o nome de Lindbergh por: "Meu nome não interessa", pois ele queria mesmo mostrar o homem alcançando alturas, construindo máquinas potentes e esquecendo de olhar para o próximo que está rastejando.



IDEOLOGIA

Os aviadores

Muitos dizem que os tempos são velhos, mas eu sempre soube que vivemos num tempo novo. [...]
Corre a notícia: o imenso e temível oceano não passa de um pequeno lago.
Agora sou o primeiro a sobrevoar o Atlântico, mas estou convencido que amanhã mesmo vocês rirão do meu voo.

mas esta é uma batalha contra o que é primitivo e um esforço para melhorar o planeta, semelhante à economia dialética que transformará o mundo desde sua base. Portanto, lutemos contra a natureza até nos tornarmos naturais.

[...] Pois a humanidade se divide em duas: Exploração e Ignorância [...]

Mesmo nas cidades melhoradas ainda prevalece a desordem, que nasce da ignorância e se parece com Deus. Porém, as máquinas e os operários a combaterão. E vocês devem participar da luta contra o que é primitivo.

DURANTE O VOO OS JORNAIS AMERICANOS NÃO CESSAM DE FALAR SOBRE A SORTE DOS AVIADORES

Quando aquele que tem sorte sobrevoa o mar, as tempestades se retraem,
se as tempestades não se retraem, o motor aguenta,
se o motor não aguenta, o homem aguenta,
se o homem não aguenta, a sorte aguenta.
Por isso acreditamos que o homem de sorte chegará

Quem espera alguém?
E mesmo aquele que ninguém espera precisa chegar. A coragem não é nada, chegar é tudo.

RELATÓRIO SOBRE O QUE AINDA NÃO FOI ALCANÇADO

RÁDIO E AVIADORES - No tempo que a humanidade começava a se conhecer, nós construímos veículos com madeira, ferro e vidro, e atravessamos os ares voando. Por sinal, a uma velocidade superior em mais de um dobro de um furacão. E na verdade, os nossos motores eram mais fortes que cem cavalos, mas menores que cada um deles.
Durante mil anos, tudo caiu de cima para baixo, com exceção dos pássaros. Nem mesmo nas antigas pedras encontramos qualquer indício de algum homem tenha atravessado os ares voando, mas nós erguemos, próximo ao fim do 3º milênio de nossa era, ergue-se ingenuidade de aço, mostrando o que é possivel, sem nos deixar esquecer: O QUE AINDA NÃO FOI ALCANÇADO.  A isto dedico este relato.

PS: Depois do voo sobre o oceano, o homem já foi à lua, conquistou o universo, os voos estão mais longínquos e ainda estamos nos esquecemos do que precisa ser alcançado, a igualdade, a fraternidade, a tolerância, a igualdade social. A ciência evolui  a passos tão rápidos quanto a velocidade da luz, mas ainda o homem não entende o homem, o homem massacra o homem, o homem odeia o homem. Gasta-se milhões para descobrir o que há espaço sideral, milhões para financiar guerras, mas nunca tem dinheiro para matar a fome da criança, erradicar doenças curáveis, salvar o meio ambiente da destruição. Se o governo propõe ajuda financeira aos miseráveis, os pagadores de impostos não se conformam, quer mais que o miserável morra, investir em estradas, carros, trens, meios que transportam o homem mais rápido para onde ele nem sabe se quer ir, isso sim é levado em consideração.

domingo, 5 de junho de 2011

Desafio literário: Peça teatral - Missa Leiga - Chico de Assis

Escolhi essa peça porque admiro profundamente o Chico de Assis, sagitariano, rebelde, de esquerda, alguém que quando abre a boca, te hipnotiza, fiz aulas de dramaturgia com ele no Teatro Sérgio Cardoso, não tinha pretensão de escrever para teatro, mas adorava as aulas só para ouvir "os causos" do grande mestre. Para mim, ele é um grande gênio brasileiro que o Brasil não reconhece, pois não não valoriza o teatro, muito menos quem escreve para teatro.
Missa Leiga, nas palavras do Chico, é uma oração pelo destino do homem e do mundo. Entre conhecer o homem e Deus, temos mais oportunidade de conhecer a humanidade. Eu assisti à peça, mas não tinha lido o texto ainda. Segue abaixo alguns fragmentos que me deu preguiça de digitar, mas valeu a pena.

Cena 4: Despojamento 
Corifeu
É possivel que o homem fosse criado para ser abandonado?
É possivel que o criador deixasse o homem de lado por causa do pecado?
É possível que o sofrimento esteja nos planos de Deus?
É possivel que a angústia seja um mandado divino?
É possível que a violência seja um acordo entre Jeová, Senhor dos exércitos, e a humilde condição humana?
É possivel que a dor e a fome sejam um legado da onipotência?

Cena 5: O sacrifício
Ator 1: Quem está disposto a ser traído? Não por um estranho, mas pelo seu melhor amigo?

Cena 20: Encerramento

Corifeu
Sermão secular e leigo que procede o encerramento dessa missa. Nos acostumamos à morte e ao genocídio como adquirimos vícios gerais, como fumar e beber. Estamos resistentes e intoxicados a qualquer notícia. Esperamos, como num jogo, ser personagem da tragédia. Aí então, nos desesperamos e tomamos providências. Aí então, gritamos, mas ninguém nos ouve porque o ar está poluído de berros lancinantes. Aí então, tentamos explicar o mal do mundo, mas ninguém nos ouve, ninguém tem ouvido para essas coisas.
Somos vítimas sintomáticas do nosso desinteresse pela vida, pela nossa apropriação sôfrega das migalhas e farrapos da alegria, sobradas do contínuo festim da violência.
A solidariedade humana é uma doutrina de condenados à morte, imediatos. O amor é o privilégio dos que vivem sob o risco da vida, nos andaimes do mundo, sob a marca da fatalidade planejada, marginal, debaixo das ordem de guerra e destruição. Quem entende de perigos é o equilibrista.
Quem sabe da felicidade é o recem-afogado no mar. Certas facilidades de sobreviência egoístas e pessoais castram no homem sua sensibilidade geral. A notícia do mundo é tão tragicamente forte que a humanidade devia chorar e se afogar num antidilúvio de lágrimas ou então refletir em formas de tortura, repensar as várias modalidades de assassinato, mastigar a fome e engolí-la sem água. O homem está calmo e feliz à esperam que invadam a sua casa, atirem sobre seu filho e violentem sua mulher.
Isso já aconteceu, só falta perceber esta humanidade contraditória, esta procura por seres abandonados à sua própria sorte por entre pedaços de corpos. Vamos escolhendo veredas que nos levem a todos, ao encontro do melhor lugar, onde será feita a nossa seara de sangue. É preciso começar alguma coisa que liberte a vida, que não limite o conhecimento pelas grades dos sentidos: olhos, ouvidos, olfato, tato e sonho.
Só uma consciência em cacos entende um mundo despedaçado. Só um ser inacabado e abandonado tem terror do finito e do infinito. É preciso seres desiguais e concordantes ao invés de iguais e discordantes. E isso já basta para uma nova forma de amor.

Corifeu
Deixa que eu seja como a flor do mato, semeada pelo vento ao sabor do acaso, Senhor!
Deixa que eu seja como o riacho louco que desenha em curvas inúteis sua própria estrada, Senhor!
Deixa que eu seja como a ave que acaba de aprender a usar as asas, mas não sabe para onde voar, apenas voa, Senhor!
Deixa que eu viva em constante amor sem poder saber nunca o que é o amor.

GRUPO 1: Vamos afastar do altar divino
GRUPO 2: Com as mãos limpas e lavadas e no rosto uma aparência de paz!