Li três livros de pessoas que foram exiladas e viveram como apátridas por um tempo, Elisa e Clarice Lispector que chegaram com a família no Brasil, em 1922. Joseph Brodsky, também russo que se exilou nos EUA em 1972 e ganhou o prêmio Nobel de Literatura em 1987.
Jornal A Noite, 21 de junho de 1948. Clique na imagem para ampliar |
No exílio é um romance autobiográfico da Elisa Lispector, narra a saga de sua família, judeus russos que estavam na Ucrânia, buscando exílio na América. Eles eram perseguidos pelo pogrom e pelos exércitos branco e vermelho que chegavam destruindo tudo e massacrando todos.
Lizza, a irmã mais velha, vivenciou os horrores que as irmãs mais novas não chegaram a compreender.
"maior que o mundo é a maldade dos homens".
Ao chegar no Brasil, a mãe estava muito doente e precisava de cuidados constantes, sobrou para ela ser a cuidadora da mãe, ser responsável pelas irmãs e pela casa quando ainda era uma criança, com 9 anos de idade.
“Porque ela compreende a extensão do sacrifício da sua infância, do desperdício de sua vida, do seu destino, pois tem a intuição de que as vidas tem um curso e não encontra o próprio caminho. Não sabe para que nasceu, nem espera nada para melhor”.
Após a morte da mãe, o pai viúvo tornou-se depressivo e solitário. Com a ascensão do nazismo na Alemanha, ele lia as notícias e ficava inconsolável, Lizza ouvia suas lamentações calada. Ele queria arrumar um marido para ela, mas ela não aceitou e nunca se casou.Que quer você vir a ser? —
"perguntara-lhe o pai. — Para que reserva sua vida? — E ela não soubera responder. Não ousara. Agora sentia o terreno fugir-lhe de sob os pés, como se estivesse brincando com fantasmas, meros fantasmas, seus sonhos loucos".
"Não adiantava fugir, se não podia libertar-se de si mesma e dos fantasmas que continuariam a rondar em torno dela".
Os pais só viveram horrores, a filha mais velha teve responsabilidade de adulta muito cedo, mas precisou superar os traumas, conseguiu estudar, passou em primeiro lugar em um concurso público e virou escritora. Tania Lispector Kaufmann também virou funcionária pública e a Clarice virou Clarice Lispector que dispensa apresentações.
“Em todas as suas manifestações, a vida se renova constantemente, milagrosamente. E tudo isso ocorre à margem das leis dos homens. Apesar da maldade dos homens.”
Espero que uma editora brasileira relance novas edições das obras da Elisa, é difícil encontrar os livros dela.
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Passaporte russo da familia Lispector, clique na imagem para ampliar |

Aproveitei para ler um livro da Clarice Lispector que ainda não tinha lido, Um Sopro de Vida, publicado em 1978. É dividido em 4 capitulos:
- Um Sopro de Vida
- O Sonho acordado é que é a realidade
- Como tornar tudo um sonho acordado?
- Livro de Ângela
Este é um livro sobre escrita, o autor conversando com a personagem que ele criou:
"Eu sou o autor de uma mulher que inventei e a quem dei o nome de Ângela Pralini".
"Eu vivo em carne viva, por isso procuro tanto dar pele grossa a meus personagens. Só que não aguento e faço-os chorar à toa".
"Cada novo livro é uma viagem. Só que é uma viagem de olhos vendados em mares nunca dantes revelados"
"ISTO NÃO É UM LAMENTO, é um grito de ave de rapina. Irisada e intranquila. O beijo no rosto morto".
"Eu escrevo como se fosse para salvar a vida de alguém. Provavelmente a minha própria vida. Viver é uma espécie de loucura que a morte faz. Vivam os mortos porque neles vivemos".
"Quero esquecer que existem leitores — e também leitores exigentes que esperam de mim não sei o quê".
"Este é um livro silencioso. E fala, fala baixo.
Este é um livro fresco - recém-saído do nada. Ele é tocado ao piano delicada e firmemente ao piano e todas as notas são límpidas e perfeitas, umas separadas das outras. Este livro é um pombo-correio. Eu escrevo para nada e para ninguém. Se alguém me ler será por conta própria e alto risco. Eu não faço literatura: eu apenas vivo ao correr do tempo".
"Refugiei-me na doideira, porque a razão não me bastava."
"Sou feliz na hora errada. Infeliz quando todos dançam".
"Será que, depois que a gente morre, de vez em quando acorda espantado?"
"Nunca vi uma coisa mais solitária do que ter uma ideia original e nova. Não se é apoiado por ninguém e mal se acredita em si mesmo. Quanto mais nova a sensação-idéia, mais perto se parece estar da solidão da loucura".
"Quando acabardes este livro chorai por mim um aleluia. Quando fechardes as últimas páginas deste malogrado e afoito e brincalhão livro de vida então esquecei-me. Que Deus vos abençoe então e este livro acaba bem. Para enfim eu ter repouso. Que a paz esteja entre nós, entre vós.e entre mim. Estou caindo no discurso? que me perdoem os fiéis do templo: eu escrevo e assim me livro de mim e posso então descansar""Eu ponhei cada coisa em seu lugar. É isso mesmo: ponhei. Porque “pus” parece de ferida feia e marrom na perna de mendigo e a gente se sente tão culpada por causa da ferida com pus do mendigo e o mendigo somos nós, os degredados"."Cada livro é sangue, é pus, é excremento, é coração retalhado, é nervos fragmentados, é choque elétrico, é sangue coagulado escorrendo como lava fervendo pela montanha abaixo".
Sobre o Exílio, de Joseph Brodsky, contém dois discursos: "A condição chamada exílio" e "Uma face incomum".
"Se tivéssemos de atribuir um gênero à vida do escritor exilado, haveria de ser a tragicomédia. Devido à sua encarnação anterior, ele é capaz de apreciar as vantagens sociais e materiais da democracia com uma intensidade muito maior do que os que nasceram nela. Mas, precisamente pela mesma razão (cujo principal efeito colateral é a barreira linguística), ele se vê totalmente incapaz de desempenhar qualquer papel significativo em sua nova sociedade. A democracia à qual ele chegou lhe oferece segurança física, mas torna-o socialmente insignificante. E a falta de significância é aquilo que nenhum escritor, exilado ou não, pode aceitar".
"se há algo de bom no exílio, é o fato de ensinar a humildade".
"O lugar-comum deste século são o desenraizamento e a inadequação".
"Como não há muita coisa que possa servir de base para nossas esperanças de um mundo melhor, como tudo o mais parece falhar de um modo ou de outro, precisamos sustentar de alguma maneira que a literatura é a única forma de segurança moral de uma sociedade, que ela é o antídoto permanente ao princípio do “homem como lobo do homem”, que ela oferece o melhor argumento contra qualquer tipo de solução coletiva que opere feito um trator – quando menos porque a diversidade humana é o que compõe a literatura e é sua raison d’être".
"é melhor fracassar na democracia que ser um mártir ou a cereja do bolo em uma tirania".
"Em um sentido antropológico, permita-me reiterar, o ser humano é uma criatura estética antes de ética. Sendo assim, não é que a arte, em específico a literatura, seja um subproduto da evolução da espécie, mas justamente o contrário. O que nos distingue de outros membros do reino animal é a fala, portanto a literatura – e a poesia em específico, como a mais alta forma de locução – é, colocando de forma direta, o objetivo de nossa espécie".
"Mas não tenho dúvida de que, se houvéssemos escolhido nossos líderes tomando como base suas experiências de leitura, e não seus programas políticos, haveria bem menos sofrimento no mundo".
Cinema
Assisti ao filme "Vá e Veja", 1985, 142 min, do diretor soviético, Elem Klimov. É sobre a invasão do exército nazista na Bielorussia, durante a Segunda Guerra, onde mais de 600 vilarejos foram queimados.
O título do filme no original foi extraído da bíblia, Apocalipse capitulo 6, versículos 7 e 8:
⁷ E, havendo aberto o quarto selo, ouvi a voz do quarto animal, que dizia: Vem, e vê.
⁸ E olhei, e eis um cavalo amarelo, e o que estava assentado sobre ele tinha por nome Morte; e o inferno o seguia; e foi-lhes dado poder para matar a quarta parte da terra, com espada, e com fome, e com mortandade, e com as feras da terra.
Os atores não são profissionais, são camponeses bielorussos. A atuação do Aleksei Kravchenko que fez o personagem Flyor está impecável, ele tinha apenas 14 anos e não tem como não se emocionar.
É um filme muito triste, mas precisamos estar atentos. Sera que conseguimos evitar isso no futuro?
Vou deixar uns fragmentos sobre guerra, do livro da Doris Lessing, Prisons We Choose to Live Inside:
Vivemos em uma época assustadora, onde é difícil considerar os seres humanos dotados de razão. Para onde quer que olhemos, vemos violência e estupidez em ação, a tal ponto que nada mais parece existir além desse retorno à barbárie.
Nossa sensibilidade ficou blindada – ficamos insensíveis. Ao assistir aos horrores acontecendo em todos os cantos do globo, todos os dias, todas as noites, ano após ano, nos tornamos como aqueles soldados que foram deliberadamente transformados em brutos. Ninguém decidiu explicitamente nos endurecer, mas estamos cada vez mais indiferentes.
Em tempos de guerra, como sabe qualquer um que tenha vivido uma, ou conversado com soldados, quando estes se permitem lembrar da verdade, e não dos sentimentalismos com os quais todos nos protegemos dos horrores dos quais somos capazes... em tempos de guerra, revertemos, como espécie, ao passado e nos é permitido sermos brutais e cruéis.
É por esta razão, e claro por outras, que muitas pessoas gostam da guerra. Mas este é um dos fatos sobre a guerra que não é frequentemente discutido.
Acho sentimental discutir o tema da guerra, ou da paz, sem reconhecer que muitas pessoas gostam da guerra — não apenas da ideia dela, mas da luta em si. Na minha vida, passei muitas e muitas horas ouvindo pessoas falando sobre a guerra, a prevenção da guerra, o horror da guerra, sem nunca mencionar que, para um grande número de pessoas, a ideia da guerra é emocionante e que, quando uma guerra termina, elas podem dizer que foi o melhor momento de suas vidas. Isso pode ser verdade até mesmo para pessoas cujas experiências de guerra foram terríveis e que arruinaram suas vidas. Quem já viveu uma guerra sabe que, à medida que ela se aproxima, uma euforia inicialmente secreta e não reconhecida se instala, como se um tambor quase inaudível estivesse batendo... uma excitação terrível, ilícita e violenta se espalha. Então, a euforia se torna forte demais para ser ignorada ou negligenciada: todos são possuídos por ela.
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