terça-feira, 26 de abril de 2016

Leitura: As cartas mais bonitas de mulheres


Terminei a leitura do livro "Les plus belles lettres de femmes" (traduçao livre: As cartas mais bonitas de mulheres), dos autores Laurie Adler e Stefan Bollmann, os mesmos de "As mulheres que leem sao perigosas".
O livro narra a historia da literatura epistolar feminina e é dividido em: cartas de amor, cartas de amizade, cartas de amor maternal e filial, cartas de mulheres de influência e cartas de mulheres viajantes.
Vou comentar sobre algumas cartas, infelizmente nao da pra falar de todas:

Cartas de amor

Elizabeth Barret e Robert Browning eram poetas, trocara 537 cartas, apaixonaram-se. Quando criança, ela sofreu um acidente ao cair do cavalo, ficou paralisada na cama e sem contato com o mundo externo.
Ela tinha medo de casar-se, primeiro por sua condiçao fisica, segundo porque tinha um pai tirânico e ela tinha medo que o marido fosse igual e por fim, achava-se velha, ja tinha 39 anos. Porém, Robert foi insistente e ela cedeu, a familia achou um absurdo, o pai deserdou-a, tirou-a do seu testamento e nunca respondeu nenhuma carta dela.
Casaram-se, passaram 6 meses em lua de mel na Italia, seu estado de saude melhorou e aos 43 anos tornou-se mae.
A historia deles virou filme, "The Barretts of Wimpole Street", de 1934, dirigido Sidney Franklin


Napoleao Bonaparte e Josephine. Pensa em um homem apaixonado? Era esse general nanico. Infelizmente tiveram que desfazer o casamento por razoes de interesse do Império.
"Recebe milhoes de beijos, mas nao me dê nenhum porque eles queimam o meu sangue.
Minha alma esta triste, meu coraçao é escravo, minha imaginaçao me assusta. Adeus mulher, tormento, alegria, esperança e alma da minha vida que amo, que temo e que me inspira sentimentos ternos".

George Sand (pseudônimo masculino adotado pela Aure Dupin para ser aceita no meio literario) foi uma mulher muito excêntrica no séc. XIX, costumava vestir-se com trajes masculinos, divorciou em 1836 (época em que divorcios eram raros), escreveu sobre erotismo e sexualidade, teve varios amantes e Alfred de Musset foi um deles, ela o traiu com o médico dele e conta em seu livro "Ela e ele" o que realmente aconteceu entre os dois.

Juliette Drouet e o escritor francês Victor Hugo trocaram 23.650 correspondências durante meio século.

Katherine Mansfield e seu marido John Middleton Murry eram vizinhos do J.H. Lawrence e da Frieda. Katherine contava ao seu amigo, por cartas, as brigas de J.H. que espancava a mulher até deixa-la desacordada e toda machucada. Esse cara caiu e muito no meu conceito.



Virginia era casada com Leonardo Woolf, Vita era lésbica casada com um diplomata gay e era mae. Naquela época era impensavel assumir a sexualidade, entao era comum casamento entre homossexuais para manter as aparências. As duas tiveram um caso. Em uma das cartas, Vita pergunta se Virginia nao quer ir com ela para Espanha e ficar no meio dos ciganos, mas Virginia era muito discreta, portanto recusou o convite, termina a relaçao, mas escreve o livro Orlando e pede autorizaçao para Vita se podia publica-lo, pois o livro é um biografia sobre ela. 

Frida Kahlo era apaixonada pelo fotografo hungaro, Nickolas Muray: 


"Mi niño, 
Eu te adoro, meu amor, como nunca antes amei ninguém, creia-me".

Anais Nin escreve para Henry Miller:

Anais Nin
"Te amo, te amo, te amo. Eu me tornei uma idiota. Veja so o efeito do amor sobre as mulheres inteligentes, elas nao sabem mais escrever cartas".

Simone de Beauvoir para Nelson Algren:
"Meu bem amado marido sem casamento, eu preciso de você assim como você precisa de mim. A vida é fria e curta, por isso é dificil desprezar um sentimento como o nosso, quente e intenso. Se as circunstâncias nao me impedissem, eu teria ficado ao seu lado. Significou muito para mim um amor como esse".

Cartas de amizade

Katherine Mansfield e Virginia Woolf competiam na literatura, uma queria escrever melhor que a outra, uma apontava os "erros" da outra, inclusive Katherine detestou o livro "Dia e noite" da Virginia e esta nao gostou do livro "Felicidade (Bliss)", da Katherine, achou muito sentimental e sexual. Porque amiga nao é so pra elogiar nao, as duas cresceram na literatura de tanto que uma criticava a outra.



Hannah Arendt e Mary McCarthy eram as inteligentonas, queria umas amigas assim, falavam das filosofias de Platao, Kent, Kierkegaard, Nietzsche, Socrates, citavam Brecht.


Elizabeth Charlotte, princesa palatina de Rhein, casou-se com o Duque Philippe, irmao do Rei Louis XIV, enviava cartas para seus parentes na Alemanha:
"Aquilo que a gente se cala na vida, a gente fala nas cartas.  
Melhor ser um conde do império e ter liberdade do que ter um filho, somos apenas escravas coroadas".

Cartas de amor filial e maternal

Calamity Jane
Calamity Jane vivia no Velho Oeste americano, para sobreviver vestia-se com roupas masculinas e atirava como ninguém, apos a morte do companheiro, ela nao podia ser mae solteira, entregou a filha para um casal, escrevia para ela sempre, mas nunca enviou, as cartas foram entregues à ela apos seu falecimento. É de cortar o coraçao!

Marina Tsevetaieva à sua filha Alia que estava em um campo de trabalhos forçados: "Seja forte e corajosa!". Esta mulher e sua familia tiveram uma vida de cao.

Camille Claudel
Camille Claudel enviava cartas para sua mae, esta jamais visitou a filha que estava internada em uma instituiçao psiquiatrica. Camille foi muito injustiçada na vida e estava muito sozinha, nao podia contar com ninguém.

Cartas de mulheres de influência

A rainha Vitoria, da Inglaterra, era contra a igualdade entre homens e mulheres, achava um absurdo as mulheres almejarem as mesmas posiçoes profissionais que os homens, dizia que o movimento das mulheres era perigoso, anticristao e antinatural. Conservadorismo, monarquia e religiao fodem com o mundo!

Edith Stein era judia convertida ao catolicismo, virou freira, era teologa e filosofa alema. Escreveu ao Papa para interceder pelos judeus durante o Nazismo. Ela foi morta na câmara de gas em Auschwitz. Claro que a Igreja nao se opôs a Hitler e como a hipocrisia é grande, canonizaram Edith so para se livrar da mea-culpa, assim como fizeram com a Joana D'Arc, mataram-na depois transformaram-na em santa.
Simone Weill
Simone Weill era filosofa e militante politica, lutava contra o facismo e nazismo na Europa, escrevia aos aliados contando os absurdos e pedindo ajuda.



Lise Meitner era especialista em Fisica Atômica e professora de Fisica na Universidade de Berlim, como era de origem judaica, teve que imigrar por causa do Nazismo, ela trabalhou quase 30 anos com Otto Hahn, pesquisavam sobre radiaçao e fusao nuclear. Apos sua partida, ele ganhou o prêmio Nobel de fisica e levou todos os louros sozinho. Ela enviou cartas demonstrando seu descontentamento.

Cartas de mulheres viajantes

Isabelle Eberhardt, filha de imigrantes russos, converteu-se ao islamismo e aos 20 anos tornou-se nômade, veste-se com roupas masculinas e vai para os paises do Maghreb, visita lugares santos, bares e bordeis, vive entre os beduinos. Morreu em 1904, aos 26 anos, no deserto do Sahara.

Gertrude Bell foi a primeira mulher a ter um diploma de historia na Universidade de Oxford, foi para o Teera, aprendeu arabe, persa e turco.

Alexandra David-Neel estudou filosofia em Londres e era cantora de opera, casa-se e em seguida parte para Asia deixando o marido para tras, uma viagem que duraria 18 meses, durou 14 anos. Conheceu o Tibet, o Himalaia, a China e foi a primeira mulher ocidental a entrar em Llasa.

Karen Blixen era de uma familia rica na Dinamarca. Ao se casar, vai morar no Quênia onde seu marido é colonizador e planta café. Um dos passatempos dela era caçar leoes e tinha mania de falar "meus negros", como se eles fossem propriedade dela. Olha, sororidade tem limites! Assim nao tem como te defender, dona Karen, colonizadora, caçadora... Tô fora!

Que judiaçao essas leoas abatidas!

É um livro muito interessante, muitas mulheres sofreram injustiças, muitas eram corajosas, aventureiras, conquistaram espaços predominantemente masculinos, escreviam de forma brilhante, filosofavam, nao se calavam diante dos absurdos. Claro que tem outras que nao posso concordar com certas coisas, mas às vezes temos que separar a obra do artista/escritor, é muito dificil para mim, mas é o jeito porque senao a gente acaba odiando todo mundo.
Depois de ler Orlando, passei a perceber que para ser uma mulher livre nos séc. 18 e 19, elas tinham que se vestir de homem, adotar igualmente um nome masculino e isso nem sempre tinha a ver com a sexualidade delas, era apenas uma maneira de serem respeitadas. C'est la vie des femmes dans un monde macho!

domingo, 24 de abril de 2016

Mulheres na direçao: Catherine Corsini (França)

Catherine Corsini tem 56 anos, é atriz, produtora e diretora francesa, seus filmes variam entre drama e comédia, eu particularmente prefiro os dramas. Eis os que assisti até o momento:

La belle saison (A Bela Estaçao), 2015 - Drama

Este filme é o meu preferido desta diretora, é lindo, triste e outros turbilhoes de emoçoes ao mesmo tempo. O trailer e o cartaz dao a entender que é um filme de amor entre meninas bem bonitinho, mas esta longe disso. A historia se passa nos anos 70 onde acontecia a segunda onda do feminismo, as mulheres se reuniam para lutar por seus direitos. As protagonistas sao: Delphine, uma camponesa que vai para Paris trabalhar, é lésbica, mas sua familia é tradicional e ela tem que "viver no armario", sacrificar seus amores, guardar as dores para si mesma para ser aceita em casa. Ao ir às reunioes feministas, percebe como sua vida e a vida de sua mae era injusta no campo, pois trabalhavam dia e noite sem receber nenhum salario, todo dinheiro do roçado ia apenas para o pai, so os homens participavam das reunioes da cooperativa, etc. A outra é Carole, uma estudante parisiense engajada nos movimentos sociais, até entao hetero, convida Delphine para se engajar na causa feminista e acabam se apaixonando. 
Outro assunto abordado foi sobre o tratamento dado aos homossexuais que eram internados em clinicas psiquiatricas, medicados a ponto de ficarem vegetando na cama e babando.
Uma das cenas mais lindas, as mulheres cantando o hino do MLF (Movimento de Liberaçao das Mulheres, criado pela Simone de Beauvoir). Chorei! A letra é muito poderosa.


Nous, qui sommes sans passé les femmes,
nous qui n'avons pas d'histoire,
depuis la nuit des temps, les femmes,
nous sommes le continent noir.
refrain :
Levons nous, femmes esclaves
Et brisons nos entraves,
Debout! Debout !
Asservies, humiliées, les femmes
Achetées, vendues, violées ;
Dans toutes les maisons, les femmes,
Hors du monde reléguées
(refrain)
Seules dans notre malheur, les femmes
L'une de l'autre ignorée,
Ils nous ont divisées, les femmes,
Et de nos sœurs séparées.
(refrain)
Reconnaissons-nous, les femmes,
Parlons-nous, regardons-nous,
Ensemble on nous opprime, les femmes,
Ensemble révoltons-nous.
(refrain)
Le temps de la colère, les femmes
Notre temps est arrivé
Connaissons notre force, les femmes
Découvrons-nous des milliers
Trois mondes (Três mundos), 2012 - Drama

Al foi promovido a gerente da concessionaria do seu futuro sogro, saiu para comemorar com os colegas, atropela um homem e foge sem prestar socorro. Juliette esta gravida, vê o acidente pela janela de seu apartamento e passa a ser a ponte entre o Al e a esposa do atropelado, uma imigrante ilegal vinda da Moldavia.
Juliette tem empatia, coloca-se no lugar do outro, talvez porque esteja gravida e tenha que aprender a lidar com um ser humano, apesar dos pesares. Ela se compadece da situaçao do Al, pois vê que ele nao é uma pessoa má, nao é um monstro, foi uma fatalidade. Também fica tocada com a viuva que vive ilegal, nao tem dinheiro e é controlada pelos homens conterrâneos que querem tirar vantagem da situaçao.

Partir, 2009 - Drama

Suzanne, depois de abdicar sua vida pelo casamento e maternidade, cansada de ser bela, recatada e do lar, retoma sua carreira de fisioterapeuta e passa a ter um caso com um peao de obras, um cara nada confiavel, que ja tinha sido preso, mas mesmo assim a sede era tanta que ela se aventurou.

Les ambitieux, 2006 - Comédia

Judith é editora de livros e Julien é um escritor que quer ser publicado e vai fazer de tudo para amansar a fera e conquista-la. É muito engraçado!

La nouvelle Eve, 1999 - Comédia


Camille, uma professora de nataçao, na casa dos trinta anos, solteira, espera o grande amor de sua vida, enquanto isso aventura-se com alguns parceiros ocasionais. Encontra acidentalmente Alexis, um homem casado, médico, pai de duas filhas e responsavel local do Partido Socialista. Ela tenta de tudo para tê-lo como amante, entra como militante no partido, passa a frequentar a casa dele, entre outras artimanhas. Tipico da comédia francesa nada "politicamente correta".

Minha lista "Mulheres na direçao" no Filmow (1738 filmes cadastrados e 170 assistidos até o momento).

Veja também:

sábado, 16 de abril de 2016

BEDA 16 - Mulheres que ganharam o Nobel de literatura

Para quem participa do #LeiaMulheres e de repente tem o interesse em ler as ganhadoras do Prêmio Nobel (1901 até hoje), eis aqui a lista:

1909 - Selma Lagerlöf, Suécia
1926 - Grazia Deledda, Italia
1928 - Sigrid Undset, Noruega
1938 - Pearl S. Buck, EUA
1945 - Gabriela Mistral, Chile
1966 - Nelly Sachs, Alemanha
1991 - Nadine Gordimer, Africa do Sul
1993 - Toni Morrison, EUA
1996 - Wislawa Szymborska, Polônia
2004 - Elfriede Jelinek, Alemanha
2007 - Doris Lessing, Inglaterra
2009 - Herta Müller, Alemanha
2013 - Alice Munro, Canada
2015 - Svetlana Alexievich, Ucrania

Dos 112 laureados, apenas 14 foram mulheres. Este ano a brasileira Lygia Fagundes Telles esta concorrendo, seria a primeira vez que as mulheres ganhariam em dois anos consecutivos. As mulheres da Alemanha foram as mais premiadas (3), enquanto os homens mais premiados foram os franceses (15).


BEDA (Blog everyday in April)

sexta-feira, 15 de abril de 2016

BEDA 15 - El miedo

Estou lendo três coisas de escritores da América Latina que viveram na ditadura e coincidentemente os três falam de medo.

Eduardo Galeano
Mario Benedetti

Alejandra Pizarnik
BEDA (Blog everyday in April)

quinta-feira, 14 de abril de 2016

Livro + filme: Orlando, de Virginia Woolf

Para meu projeto "Literatura na sétima arte", li o livro "Orlando, uma biografia" escrito por Virginia Woolf, em 1928.
Orlando é um personagem androgino e vive a mais de 300 anos na terra. Nasceu homem e depois tornou-se mulher.
Este livro é uma declaraçao de amor à Vita Sackville-West, uma mulher que Virginia se apaixou aos 40 anos, Vita tinha 30, era mae de duas crianças e se vestia com trajes masculinos de vez em quando. Orlando é Vita. Virginia soube tratar de forma brilhante varios assuntos que infelizmente sao meio tabus até hoje.
É uma obra interessante do ponto de vista historico, pois narra o que acontecia na Inglaterra nos periodos da colonizaçao até a industrializaçao, fala também da condiçao feminina, discute sobre gênero e sexualidade, sobre aventurar-se em outros paises e fala da condiçao de ser escritor(a) em um mundo frio que preza pelo progresso e nao pelas as letras. Eis as partes que grifei e comentei:

Orlando era amante da leitura e da escrita:

"Lia frequentemente seis horas noite adentro; e, quando vinham pedir ordens para matar o gado ou colher o trigo, afastava o livro e olhava como se não compreendesse o que estavam lhe dizendo".
"Que deixasse os livros para os paralíticos e os moribundos. Mas o pior estava por vir. Pois, uma vez que a doença da leitura se instale no organismo, enfraquece-o, tornando-o presa fácil desse outro flagelo que habita no tinteiro e apodrece na pena. O infeliz dedica-se a escrever. E, se isto é ruim para um pobre homem cuja única propriedade é uma cadeira, uma mesa, sob a goteira de um telhado — que não tem, afinal, muito a perder —, a situação de um homem rico que possui casas e gado, empregados, mulas e linhos e ainda assim escreve livros é extremamente lamentável". 

Ao tornar-se mulher, lembrou de como pensava sobre elas enquanto homem:
"Lembrava agora como, quando rapaz, insistira em que as mulheres deviam ser obedientes, castas, perfumadas e caprichosamente enfeitadas. “Agora tenho que pagar pessoalmente por esses desejos”, refletiu; “pois as mulheres não são (julgando pela minha própria curta experiência do sexo) obedientes, castas, perfumadas e caprichosamente enfeitadas por natureza. Elas só podem conseguir esses encantos — sem os quais não desfrutam de nenhum dos prazeres da vida — por meio da mais tediosa disciplina." (mulher real x mulher idealizada)

Quando ela sentiu pela primeira vez o machismo relacionado à vestimenta feminina, nunca tinha percebido que poderia ser assediada por mostrar o tornozelo sem querer:
"Aqui, sacudiu o pé impacientemente e mostrou uma ou duas polegadas da perna. Um marinheiro que estava no mastro, e que olhou por acaso para baixo naquele momento, sobressaltou-se tão violentamente que perdeu o equilíbrio e só se salvou por um triz. “Se a visão dos meus tornozelos significa a morte para um homem honesto que sem dúvida tem mulher e família para sustentar, devo, por humanidade, mantê-los cobertos”, pensou Orlando. No entanto, suas pernas estavam entre seus maiores encantos, e ela começou a pensar a que estranha situação chegamos quando toda a beleza de uma mulher tem que ser mantida coberta para que um marinheiro não caia do mastro principal. “Que se danem!”, disse ela, compreendendo pela primeira vez o que em outras circunstâncias lhe teriam ensinado quando criança, ou seja, as sagradas responsabilidades de ser mulher."
“É melhor”, pensou, “estar vestida de pobreza e ignorância, que são as vestimentas escuras do sexo feminino; é melhor deixar o governo e a disciplina do mundo para os outros; é melhor abandonar a ambição marcial, o amor ao poder e todos os outros desejos masculinos, para que se possa apreciar completamente os mais sublimes arrebatamentos do espírito humano, que são”, disse em voz alta, como de hábito quando estava profundamente comovida, “contemplação, solidão, amor.”
"A mudança de roupas, diriam alguns filósofos, tinha muito a ver com isso. Futilidades vãs, como parecem, as roupas têm — dizem eles — funções mais importantes do que simplesmente nos aquecer. Elas mudam nossa visão do mundo e a visão do mundo sobre nós".
"Se usassem as mesmas roupas, é possível que sua maneira de olhar viesse a ser a mesma. Esta é a opinião de alguns filósofos e sábios, mas nós nos inclinamos por outra. Felizmente, a diferença entre os sexos é de grande profundidade. As roupas são apenas símbolos de algo extremamente oculto. Foi a transformação do próprio Orlando que determinou sua escolha pelas roupas de mulher e pelo sexo feminino".

A liberdade e a independência de ser homem x a passividade da mulher:
"Não serei capaz de quebrar a cabeça de um homem, nem dizer-lhe que mente até os dentes, nem desembainhar minha espada e traspassá-lo, nem sentar entre meus pares, nem usar uma coroa, nem andar em procissão, nem condenar um homem à morte, nem comandar um exército, nem exibir-me num corcel pelo Whitehall, nem usar 72 diferentes medalhas no peito. Tudo o que posso fazer quando pisar no solo inglês é servir chá e perguntar aos meus senhores como eles o preferem. Com açúcar? Com creme?"
"negar instrução à mulher para que ela não ria dele; ser escravo da mais reles sirigaita de saias e seguir como se fosse o Senhor da criação. — Céus!”, pensou, “como nos fazem de bobas — que bobas somos nós!” E aqui parecia haver alguma ambiguidade em seus termos, pois estava censurando ambos os sexos igualmente, como se não pertencesse a nenhum; e na verdade, até aquele momento, parecia vacilar; era homem; era mulher; conhecia os segredos e partilhava as fraquezas de cada um."
 "Orlando sentiu que por mais que o desembarque ali significasse conforto, significasse opulência, significasse importância e poder (pois ela sem dúvida caçaria algum príncipe nobre e reinaria como sua consorte sobre metade de Yorkshire), ainda assim significava convencionalismo, significava escravidão, significava fraude, significava negar o seu amor, acorrentar o corpo, franzir os lábios e conter a língua — então teve vontade de voltar com o navio e regressar para os ciganos".
Por ser mulher, nao poderia ter bens e nem receber herança:
As principais acusações contra ela eram: (1) que estava morta e portanto não podia ter propriedade alguma; (2) que era mulher, o que significa a mesma coisa (...) Todos os seus bens foram embargados, seus títulos suspensos, enquanto os processos estavam em curso. Assim, foi numa condição extremamente ambígua — sem saber se estava morta ou viva, se era homem ou mulher, duque ou ninguém — que partiu para sua casa no campo, onde, à espera do julgamento legal, tinha permissão da corte para residir, incógnito ou incógnita, conforme fosse o caso.
Os animais nao têm preconceito com seus donos:
"Ninguém manifestou a menor suspeita de que Orlando não fosse o Orlando que tinham conhecido. Se houvesse alguma dúvida na mente humana, a atitude dos veados e dos cachorros seria suficiente para dissipá-la, pois, como se sabe, os animais são melhores juízes de identidade e caráter do que nós". 
Orlando e os perrengues de ser mulher:
"ela não tinha a formalidade de um homem nem o amor masculino pelo poder. Ela possuía um coração excessivamente terno. Não suportava ver um burro ser espancado nem um gatinho ser afogado. Contudo, novamente observavam que detestava assuntos domésticos, levantava-se de madrugada e saía pelos campos no verão antes do nascer do sol. Nenhum fazendeiro conhecia melhor as colheitas do que ela. Podia beber com os mais fortes e gostava de jogos de azar."
"esquecera que as damas não devem passear sozinhas em lugares públicos — se um cavalheiro alto não se adiantasse e lhe oferecesse a proteção de seu braço. 
"Era então impossível sair para um passeio sem ficar meio sufocada, sem ser presenteada com um sapo de esmeraldas e pedida em casamento por um arquiduque?" (assédio na rua)
"As mulheres não têm desejos, diz esse cavalheiro entrando na sala de Nell; apenas fingimento. Sem desejos (ela o serviu e ele foi embora) a sua conversa não pode ter o menor interesse para ninguém. “É bem sabido”, diz o sr. S.W., “que, quando lhes falta estímulo do outro sexo, as mulheres não acham nada para dizer uma a outra. Quando estão sozinhas não conversam, arranham-se.” E, uma vez que não podem conversar quando estão juntas e quo arranhar não pode continuar indefinidamente, e como é bem sabido (como provou o sr. T.R.) “que as mulheres são incapazes de qualquer sentimento de afeição pelo seu próprio sexo e que se detestam mutuamente”, o que podemos supor que façam as mulheres quando se reúnem em sociedade?
Como esta não é pergunta que possa interessar a qualquer homem sensato, vamos nós aproveitar a imunidade de todos os biógrafos e historiadores de não pertencer a nenhum sexo para passar ao largo e meramente constatar que Orlando gostava imensamente da companhia das pessoas de seu próprio sexo, e deixemos para os cavalheiros o encargo de provarem, como adoram fazer, que isto é impossível." (homens querendo provar que mulheres sao inimigas umas das outras)
"A vida de uma mulher normal era uma sucessão de partos. Ela se casava aos 19 anos, e tinha 15 ou 18 filhos quando chegava aos trinta, pois os gêmeos abundavam. Assim nasceu o Império Britânico." (mulheres apenas para fins de procriaçao)
"Certamente, uma vez que ela é uma mulher, uma bela mulher, uma mulher na flor da idade, logo abandonará esse fingimento de escrever e meditar e começará, pelo menos, a pensar num guarda-caça (e, contanto que pense num homem, ninguém se opõe a que uma mulher pense). E então ela lhe escreverá um pequeno bilhete (contanto que escreva bilhetes ninguém se opõe a que uma mulher escreva)." (mulher bonita que so pensa em homem e escreve apenas bilhetes nao incomoda ninguém)
Sobre ser poeta:
"O ofício do poeta é, então, o mais elevado de todos — continuou. Suas palavras alcançam onde os outros falham. Uma simples canção de Shakespeare tem feito mais pelos pobres e pelos desgraçados do que todos os pregadores e filantropos do mundo"
Filme

O filme homônimo, dirigido pela Sally Potter (1992) é fiel ao livro, exceto o final. Tem uma fotografia linda, uma otima trilha sonora e atores maravilhosos. Tilda Swinton com seu look androgino arrasou no papel de Orlando. 
Curiosidade: a Rainha Elizabeth foi representada pelo ator Quentin Crisp
Orlando homem + Sasha 

Orlando mulher + Shelmerdine
vestidos malditos que limitam seus passos e pesam no seu corpo.

Este filme esta tb no meu projeto Mulheres na direçao

Musica

Seja o que você quer ser porque a gente so tem essa vida pra isso.


BEDA 14 (Blog everyday in April)

terça-feira, 12 de abril de 2016

BEDA 12: HQ biografica "The Doors"



cantando sobre o complexo de Édipo, ngm entendeu nada
sobre a dor
sobre a desobediência

de onde surgiu o nome da banda
Eu e Jim nascemos no mesmo dia, em anos diferentes, obviamente!

BEDA (Blog everyday in April)

domingo, 10 de abril de 2016

BEDA 10: Biografia da Simone de Beauvoir

Peguei na biblioteca esta biografia da Simone de Beauvoir, escrita pela Claudine Monteil, 143 pags.

Simone vem de uma familia aristocrata arruinada. Seu pai era autoritario, catolico e tinha opinioes de extrema-direita. A mae era submissa e entendiada e Simone nao queria ser como ela.
Simone na infância
Foi uma otima aluna tanto no ensino basico como na Universidade Sorbonne onde conheceu Sartre.
Desde pequena ela descobre que nao existe apenas uma verdade, mas uma pluralidade de opinioes O ateismo permitiu que ela reinvidicasse o direito das mulheres. Segundo ela, o catolicismo colocou a mulher em um papel de segunda classe durante séculos, inclusive o papel de sua mae que era uma catolica praticante.
"Era mais facil pensar em um mundo sem um criador do que um criador encarregado de todas as contradiçoes do mundo".

Em 1947 ela decidiu fazer varias viagens pelo mundo para conhecer de perto os problemas sociais, politicos e econômicos dos paises socialistas e capitalistas, foi para os EUA, Uniao Soviética, Africa, Europa, China, Cuba, Brasil e Japao.
Conheceu o escritor americano Nelson Algren, apaixonou-se por ele, mas voltou para o lado de Sartre.
Simone nao militou apenas pelos direitos das mulheres, ela também lutou pelos direitos de minorias, dos idosos, contra o racismo, contra guerras, contra a colonizaçao no Oriente Médio e Africa, etc.
Em 1949 publica "O Segundo Sexo", livro de referência do feminismo mundial. Foi criticada por muitos homens, entre eles seu primo que disse que ela era a ovelha nega da familia e também o escritor Albert Camus, mesmo assim eram amigos, apesar das divergências de pensamento.
Em 1970 cria o Movimento de Liberaçao das Mulheres. Em 1971 cria a Associaçao Choisir (escolher) e luta pelo direito ao aborto até a aprovaçao da Lei da interrupçao voluntaria da gravidez.
O homem feminista tem que manter distância porque cabe às mulheres conquistarem seus direitos

Nosso corpo nos pertence, nao seremos mais compradas, vendidas, violentadas...


Era uma mulher muito generosa, apoiou a carreira de artistica plastica de sua irma Hélène, comprava os materiais de pintura, nao tinha carro proprio, mas comprou um para irma se locomover.
Ajudou financeiramente a escritora Violette Leduc e varias outras mulheres que queriam se expressar nas artes e na literatura. Ajudava até as mulheres que nao gostavam dela, pois as conquistas femininas tinham que estar acima das divergências pessoais.
Luta pela Independência da Argélia, por causa disso teve que viver clandestinamente durante dois anos por medo de represalias.
Opoe-se à Guerra do Vietnam e participa do Tribunal Russel, composto de intelectuais que denunciam os crimes cometidos pelos americanos na Indochina.
Milita pela aproximaçao ente palestinos e israelenses.
Apoia o movimento estudantil em 1968.
Cria juntamente com Sartre o jornal "Libération" em 1969.
Foi indicada ao prêmio Nobel de Literatura, mas nao ganhou. Sartre ja tinha ganhado um Nobel, mas recusou o prêmio.

Boris Ivan escreveu "A espuma dos dias" em homenagem ao casal Sartre-Beauvoir

Como é dificil para os americanos, mesmo os de boa vontade, nao se considerar o centro do universo!

Uma jovem argelina de 23 anos foi sequestrada, torturada e violentada com uma garrafa pelos militares franceses e Simone nao se cala, mesmo sob ameaça, escreve sobre isso no jornal "Les temps modernes".

Gravidas adolescentes, muitas delas foram estupradas, colocadas para fora de casa pela propria familia, vivem em abrigos sofrendo todo tipo de humilhaçao e proibidas de continuar frequentando a escola. No texto narra um caso de uma menina, gravida de 6 meses que o pai arrasta pelos cabelos, da-lhe golpes e ninguém se mete. Estes abusos sofridos pelas mulheres fez com que Simone e outras mulheres entrassem numa greve de fome na frente da instituiçao denunciando os maus-tratos. As adolescentes revelaram o que passavam dentro e fora, a imprensa presente registrou tudo e foi um dos fatores que ajudou na criaçao da Lei pelo direito ao aborto.

Uma menina tinha sido presa por ter feito um aborto, Simone vai no julgamento, os juizes sao todos homens, ela os acusa de serem indiferentes ao sofrimento das mulheres e à hiprocrisia das instituiçoes: "A gente exalta a maternidade, é a unico jeito de manter a mulher dentro de casa e obriga-la a fazer os serviços domésticos".

Enterro da Simone que faleceu no dia 14 de abril, de 1986: "A morte parece menos terrivel quando estamos cansados"

BEDA (Blog everyday in April)

sábado, 9 de abril de 2016

BEDA 9- Leitura: Declaraçao de direitos da mulher e da cidadã

Li o livro "Declaraçao de direitos da mulher e da cidadã", da Olympe de Gouges, escrito em 1791. É uma versao satirica e feminina dos "17 artigos da declaraçao de direitos do homem e do cidadao" em que a autora escreve e envia para rainha Maria Antonieta. Ainda declara que se a mulher podia ser colocada na guilhotina, também poderia ser colocada na tribuna. Ironicamente a autora foi guilhotinada.
Observei uma coisa interessante: quando tem uma mulher no poder, as outras sentem-se encorajadas a lutar pela causa feminina.

Olympe começa endereçando-se à rainha demonstrando sororidade:
"Enquanto todo o Império te acusava e dizia que eras responsavel pelas calamidades, eu sozinha, em um tempo de tribulaçao e tempestade, tive forças para te defender".

Depois cobra dela a participaçao da mulher na sociedade:
"Seria nobre de sua parte considerar a luta pelo direito das mulheres e acelerar o processo. Se você fosse menos instruida, eu poderia acreditar que seus interesses particulares nao sao também os mesmos do seu sexo. Apoie esta bela causa, defenda este sexo infeliz".

Ela começa a declaraçao perguntando aos homens: Quem deu a eles o direito soberano de oprimir o sexo feminino? Sua força? Seu talento?

Em seguida ela escreve os 17 artigos, sendo o primeiro:
"Toda mulher nasce livre e igual ao homem em direitos". 

Fala que a Revoluçao Francesa nao mudaria em nada a vida das mulheres. A "liberté, fraternité, égalité, vive la république" e todas aquelas ideias iluministas eram apenas para o deleite dos homens, as mulheres continuariam sob o dominio deles. Ela estava incorformada com a atitude passiva das mulheres que nao enxergavam sua propria realidade ou se enxergavam, nada faziam para muda-la:

"Mulher, acorda! O despertador da razao é ouvido em todo universo, reconheça seus direitos. O poderoso império da natureza nao é mais cercado por preconceito, fanantismo, superstiçao e mentiras.
Oh, mulheres! Quando vocês vao parar com esta cegueira? Quais foram as vantagens que tiramos desta revoluçao? Seu império foi destruido, o que te resta é a convicçao das injustiças do homem".

Fala sobre a falta de acesso à educaçao e ao trabalho, de nao poderem herdar os bens da familia. Pediu uma lei que pagasse uma pensao ou indenizaçao para as viuvas e as mulheres que foram enganadas/abandonadas. Defende os negros e todos os que eram vitimas da colonizaçao e da supremacia masculina branca, etc. 

Recomendo a leitura aos interessados em lutas pelos direitos das mulheres, foi escrito no séc. 18, mas a grande parte da para se aproveitar no séc. 21, afinal essas conquistas vêm em passos muito lentos. O feminismo nao é contra os homens, é a favor dos direitos das mulheres, sacou a diferença?

Esta declaraçao me fez repensar a Historia que é sempre contada do ponto de vista do homem branco conquistador. E o ponto de vista das mulheres e das minorias? Estas conquistas foram feitas às custas de massacres, dominaçao, colonizaçao e escravidao, silenciando de uma vez por todas o inimigo ou o conquistado. A Historia nao é justa, ou melhor, o mundo nao é justo e ela retrata isso, é apenas o reflexo da humanidade. Ela vai sempre vangloriar os poderosos com armas e que nem sempre têm razao, eles so têm poder.

No fim, a rainha e a autora foram guilhotinadas.

Par Eugène DelacroixThis page from this gallery., Domaine public, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=38989
"A liberdade guiando o povo", sempre achei essa pintura da Revoluçao linda, a liberdade representada por uma mulher com os peitos para fora #freethenipple. So ilusao! No final é isso da pichaçao abaixo, situaçao ou oposiçao, direita ou esquerda, monarquia ou republica, capitalismo ou socialismo, as mulheres sempre viveram nas sombras, sem participaçao politica, sem poder opinar. Todas essas cagadas do mundo politico/social/econômico nao foram executadas com o nosso consentimento.


BEDA (Blog everyday in April)

quinta-feira, 7 de abril de 2016

BEDA 8 - Leitura: O papel de parede amarelo

Li o conto "O papel de parede amarelo", da escritora e sociologa americana, Charlotte Perkins Gilman. O livro ja esta em dominio publico, baixei de graça na loja do Kobo (em inglês), foi escrito em 1890.

Charlotte
Na introduçao, ela explica a razao pela qual escreveu este conto e as reaçoes que recebeu. Alguns médicos que leram (foi publicado na revista New England), disseram para o publico nao ler, pois aquilo era a prova de que ela era mesmo insana.
Ela explica que alguns anos antes tinha sido diagnosticada com problema continuo de nervos com tendências melancolicas (hoje conhecido como depressao pos-parto) e o médico disse que ela so seria curada se vivesse a vida doméstica da melhor forma possivel, ter apenas duas horas de vida intelectual por dia e nunca mais tocar em uma caneta ou pincel de novo. Ela seguiu os conselhos por 3 meses, mas seu estado piorou, nao aguentava viver sem ser produtiva, sem trabalhar, sentindo-se uma parasita. Também explica que nunca teve alucinaçoes com o papel de parede, era apenas uma metafora, ela nao tinha a intençao de fazer as pessoas endoidarem, queria apenas salva-las de serem "endoidadas" por esses médicos e deu certo.
Charlotte vem de uma familia de mulheres militantes, sua tia Isabella Beecher era sufragista, a tia Harriet Beecher era abolicionista e a tia Catharine Beecher escrevia sobre a educaçao das mulheres.
Aos 18 anos entrou na Escola de design de Rhode Island porque desejava ser pintora. Casou-se, teve uma filha e sofreu depressao pos parto, mas na época nao existia esse diagnostico, entao disseram que era histeria. Apos 4 anos de casamento ela pediu o divorcio, em uma época que era bem dificil divorciar-se.
Sempre lutou pelos direitos das mulheres, participava como oradora em conferências, escrevia para jornais, mas sempre foi subestimada. Suicidou-se, pois lutava contra o cancer de mama e nao aguentava mais o sofrimento, também lutou pelo direito à eutanasia, mas foi ignorada.

O papel de parede amarelo

Ja falei em outros posts aqui e aqui sobre a histeria feminina e este livro é mais um que toca neste assunto. Acho interessante o titulo deste livro em francês "A Sequestrada", pois foi exatamente o que aconteceu com ela. É narrado em primeira pessoa, em forma de diario de uma mulher, ela é casada com um médico que a leva contra sua vontade para um casarao abandonado no meio do mato para trata-la dos nervos. Ela é colocada em um quarto que tem um cheiro esquisito, uma janela com grades e um papel de parede amarelo que a deixa obcecada e mais doente do que ela aparentemente esta, durante 3 meses. Ela começa a ver vultos de mulheres neste papel, como se estivessem presas com ela no quarto e o unico jeito de liberta-las, incluindo a si propria, era arrancando aquele papel horroroso da parede.
"Eu nem sequer gosto de olhar pelas janelas — há tantas dessas mulheres a rastejarem por todo o lado, e rastejam tão depressa.
Imagino se saíram desse papel de parede, tal como eu".

É assustador, claustrofobico, a gente sente toda aquela tensao da personagem, mas ao mesmo tempo sentimos ela sendo liberada de toda a opressao e dos diagnosticos de histeria que as mulheres eram vitimas. É um dos poucos livros sobre o assunto que a mulher tem um final esperançoso.

John, o marido médico, é o homem tipico de relacionamentos abusivos, acha que esta fazendo o bem, esta protegendo a esposa fragil, mas no fundo esta tentando mantê-la sob o seu dominio e odeia ser contrariado.
"Se um médico de grande reputação, ainda por cima um marido, convence amigos e familiares que nada de grave se passa realmente conosco senão uma temporária depressão nervosa — uma ligeira tendência histérica — que poderá uma pessoa fazer? O meu irmão também é médico, de grande reputação também, e diz a mesma coisa. De modo que tomo fosfatos e fosfitos — não sei bem quais — e tônicos, dou passeios, apanho ar, faço exercício, e estou absolutamente proibida de «trabalhar» até me ter restabelecido.
Pessoalmente, não estou de acordo com as ideias deles. Pessoalmente, acho que um trabalho de acordo com o meu modo de ser, com excitação e mudança, me faria bem.
Mas que pode uma pessoa fazer?
Apesar das opiniões deles, escrevi durante uns tempos. Mas, na verdade, isso acaba sempre por me fatigar bastante — ter que fazê-lo tão veladamente, ou, caso contrário ter que enfrentar uma grande oposição.
Por vezes imagino que, dada a minha condição, se tivesse menos contrariedades e mais convívio e estímulo..." 

Sobre a depressao pos-parto:
"É uma sorte a Mary ser tão boa com o bebê. Um bebê tão querido!
E, contudo, não consigo estar com ele, põe-me tão nervosa."
Sobre a cunhada que desempenha muito bem e sem reclamar o papel de perfeita dona de casa e nunca iria apoia-la, apenas a vê como uma coitada que ficou doida porque escrevia:

"É uma mulher tão adorável e tem tantos cuidados comigo! Não devo permitir que ela me encontre a escrever. Ela é uma dona de casa perfeita e entusiasmada, e não deseja outra profissão melhor. Acredito, plenamente, que pensa que foi a escrita que me fez ficar doente". 
John a ameaçava dizendo que se ela nao se comportasse, seria levada a um médico pior que ele e seu irmao:
"O John disse que, se eu não melhorar, me enviará para o Dr. Weir Mitchell no Outono.
Mas eu não quero, de modo nenhum, ir para lá. Tive uma amiga que esteve, em tempos, nas suas mãos, e ela diz-me que ele é tal e qual como o John e como o meu irmão, só que ainda pior do que eles".
John nao a levava à sério, infantilizava-a, chamava-a de tontinha e sempre sabia tudo sobre tudo:
Sou médico, querida, e sei do que estou a falar. Estás a ganhar mais peso e melhores cores, o teu apetite melhorou, sinto-me mesmo muito mais descansado acerca do teu estado.»
«Eu não ganhei peso» disse-lhe. «Nem peso tanto como quando para aqui vim; o meu apetite poderá ser melhor à noite, quando aqui estás, mas piora de manhã, quando estás longe!»
«Que tontinha!» observou ele, abraçando-me muito. «Podes estar doente tanto quanto quiseres! Mas agora, para podermos aproveitar as horas de sol, vamos dormir e falar nisso de manhã!»

É isso! Recomendo para quem gosta de psicologia e de assuntos sobre a condiçao feminina na era vitoriana. Parece um conto de terror, mas era a vida real de muitas mulheres.


BEDA 7 - Balanço quinzenal: leituras, Youtube, Instagram links e musica

Lidos
  • A biografia "Simone de Beauvoir, côté femme", da Claudine Monteil;
  • "How to be a Woman", da Caitlin Morgan (leitura do mês de abril do grupo Our Shared Shelf);
  • "Alice et autres nouvelles", de Anais Nin;
  • "Orlando", da Virginia Woolf;
  • A HQ "Asterios Polyp", de David Mazzucchelli
  • O papel de parede amarelo, de Charlotte Perkins Gilman
  • Déclaration des droits de la femme et de la citoyenne, da Olympe de Gouges

Leituras em andamento
  • "O morro dos ventos uivantes", da Emily Brontë;
  • "Les plus belles lettres de femmes", de Laure Adler e Stefan Bollmann.
  • Retomei Dom Quixote porque tinha decidido ler apenas escritoras no mês de março. Sera que termino esse mês? Pensa num livro bom e pedante ao mesmo tempo...


Filmes

"Je ne suis pas venu pour la gloire, je suis venu pour le danger" Victor Hugo
Assisti ao filme francês "Os Anarquistas", dirigido por Élie Wajeman, com Adèle Exarchopoulos e Tahar Rahim. É lindo!

Estava na duvida se assistiria ou nao Ex-Machina, depois desses comentarios, fui obrigada a vê-lo. Robô feminista, mulheres programadoras, a ficçao cientifica e robotica nunca foram tao assustadora e ameaçadora, kkkkk.
No final nao era nada disso, na verdade essas robôs foram criadas pelo Nathan, um rico empresario megalomaniaco que queria saber se elas tinham consciência ou nao. Para confirmar, ele inventa um concurso, um jovem programador chamado Kalebe ganha e vai trabalhar fazendo o teste de Turing (google it!) com Ava, uma das robôs.
Para resumir, eram robôs que viviam confinadas em uma casa no meio do mato, sofriam abusos psicologicos, fisicos e sexuais, era manipuladas ou programadas para fazer o que Nathan queria e Ava usou sua inteligência artificial para se safar. Ai, o moço diz que Ava estava brincando com o coraçao dos homens??? Sério que ele acha que eles eram os "coitadinhos" da historia? Estao com medo do futuro porque nao vao conseguir controlar nem as robôs? É rir para nao chorar.
O filme é otimo, assim com a trilha sonora e os efeitos especiais.

Links

#LeiaMulheres, o projeto mais lindo do Brasil, vejam essa hashtag nas redes sociais. Grupos no pais inteiro fazem encontros de leituras. Leiam o texto sobre as precursoras do movimento no Brasil aqui.

Você quer saber como era a voz de Virginia Woolf? Aqui tem o unico registro da voz dela.

E este seminario que teve na USP? Deu até vontade de estar la, era feliz naquele lugar e sabia. Grupo de pesquisa da FFLCH - USP analisa o que mudou na vida das mulheres em países latinos-americanos que passaram por ditaduras e tiveram ou têm mulheres presidentes. 50 anos de feminismo no Brasil, na Argentina e no Chile.

As Youtubers inglesas meowitslucyHannah Witton e justkissmyfrog criaram BANGING BOOK CLUB, sao leituras de livros que falam sobre sexualidade, principalmente a feminina. Os livros a serem lidos durante o ano estao listados aqui. As discussoes de cada leitura até o momento estao no Soundcloud.

Instagram

Minha foto foi uma das escolhidas para o desafio do guarda-chuva, no jornal Le Soleil, do Québec. O meu guarda-chuva é o vermelho.




Youtube
T'es féministe mais... (francês)


A Caitlin Moran fez um video sobre a situaçao dos refugiados



Musica

"Eu vou pegar a sua dor". Faça isso "sivuplê". Pega e leva pra bem longe, Camille...


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