Além de varios projetos de
leitura que participo : 10 classicos franceses em francês, 100 livros essenciais da literatura canadense, leituras feministas do Our Shared Shelf,
Clube dos Classicos Vivos, #LeiaMulheres, Literatura na sétima arte e 14 ganhadoras do Nobel de Literatura, agora acrescentei livros sobre imigraçao.
Comecei lendo « Americanah », da Chimamanda; em seguida li
« RU », da Kim Thuy e o ultimo lido é um livro de memorias chamado
« Quand l’intuition trace la route »,
da Danièle Henkel.
Eu estava em um café e a vi na
televisao dando uma entrevista e promovendo o seu livro, gostei do que ela
estava falando. Para minha alegria, o livro estava disponivel na Biblioteca
Digital, fiz download e li em dois dias.
O livro começa com a historia da
mae dela, Eliane Zenati, uma judia de origem italiana por parte de pai e
marroquina por parte de mae. Era analfabeta, sua mae dizia que mulher nao
precisava estudar, entao ela fazia os serviços domesticos e cuidava da avo
doente. Aos 11 anos ela arrumou um trabalho em uma padaria/confeitaria
francesa. Trabalhava tao bem que a dona ao falecer, deixou em seu testamento
que ela seria a herdeira do negocio. Nao foi facil assumir o comércio por
questoes burocraticas, afinal ela era uma mulher analfabeta em um pais
extremamente machista que tentava dificultar as coisas para ela. Estamos
falando do Marrocos, 70 anos atras. Ao tomar as rédeas do estabelecimento, os
negocios foram de vento em popa, ela enriqueceu e era umas das pessoas mais
influentes da cidade, tinha motorista e guarda-costas, so homens do alto
escalao do governo ou grandes empresarios que tinham essas mordomias.
Além disso, era mae solteira de
duas crianças de pais diferentes. Teve um filho e em seguida teve a Danièle,
sendo esta filha de um soldado alemao que fazia parte da Legiao Estrangeira,
prometeu que voltaria para casar, mas nunca voltou. A dona Eliane acabou se
involvendo com um outro homem traste que adotou o filho dela. Ao terminar o
relacionamento, ele começou a chantagea-la dizendo : Ou você passa para o
meu nome todos os seus bens ou eu levo o seu filho comigo. Pois pela lei, o pai,
mesmo adotivo, fica com o filho. Ela passou os bens para ele que em 4 anos
perdeu tudo, pois como disse, era um traste, zero à esquerda, enquanto ela
ficou na rua da amargura, com duas crianças, vivendo de favor.
Sairam do Marrocos e foram viver
na Argélia, outro pais norte-africano completamente instavel politicamente e
dona Eliane voltou ao mundo dos negocios ao se associar com um homem que era
alcoolatra, apaixou-se por ela, nao foi correspondido e suicidou-se. As
autoridades queriam culpa-la pela morte dele, levou-a presa e ainda foi
torturada. Afinal de contas, era uma judia em um pais muçulmano. Segundo narra
sua filha, apos esta prisao, ela nunca mais foi a mesma.
Agora vamos falar de Danièle,
filha de mae judia e pai alemao que ela nunca conheceu, vivendo em um pais
muçulmano e entregue a um padre catolico para ter educaçao crista. Formou-se em
Relaçoes Internacionais, aos 19 anos teve um casamento forçado com um amigo de
seu irmao. Aos 21, ja era mae de duas meninas e mais tarde teve um casal,
somando 4 filhos. Conseguiu um emprego no Consulado Americano e sua vida era
observada pela Inteligência Argelina e pelos americanos, inclusive tinha escuta
telefônica em sua casa, pois os dois lados tinham medo de espionagem.
Cansada dos perigos, da invasao
de privacidade, de guerras e de ser apatrida (o passaporte dela foi emitido
pela ONU como sendo uma pessoa sem patria), em 1990, aos 34 anos, ela resolveu
imigrar para o Canada com a familia, mesmo a contra-gosto do marido.
Chegando aqui, ela achava que por
ter trabalhado em multinacionais e no Consulado Americano, falava inglês e
francês fluentemente, conseguiria um emprego com salario à altura que ela tinha
na Argélia, mas ai ela teve aquele choque de realidade que todos nos
temos : Aqui ninguém te conhece, você nao tem experiência de trabalho
canadense e você nao é ninguém, mesmo que você tenha uma bagagem interessante de
estudos e trabalhos. O marido era engenheiro, trabalhava para o governo, chegando
aqui o diploma dele nao foi reconhecido, se quisesse trabalhar na area, teria
que refazer a faculdade. Uma das coisas que vem depois da imigraçao é a
separaçao do casal (fato!), ainda mais ela que casou forçada.
« Je me sentais humiliée. Je
savais qu’il me serait difficile de trouver rapidement un travail correspondant
à mes compétences, mais jamais je n’aurais imaginé que l’on puisse être
déconsidéré de la sorte. Malgré un comportement on ne peut plus professionnel,
des documents de présentation exemplaires, une expérience internationale et de
très bons salaires en Algérie, je ne semblais avoir aucune valeur
professionnelle aux yeux de ceux auprès de qui je sollicitais un emploi. Triste
réalité dont je n’étais pas la seule victime et à laquelle beaucoup trop de
gens sont encore confrontés.
Ahmed se heurtait à toutes sortes de
difficultés dans sa recherche d’emploi. Ses diplômes n’étaient pas reconnus, et
ses compétences, encore moins. On allait même jusqu’à lui conseiller de
retourner sur les bancs d’école et on lui refusait la plupart du temps des
entrevues, sous prétexte qu’il ne maîtrisait pas l’anglais. Il ne trouvait
rien. Ça n’avançait pas pour la famille. D’ailleurs, jamais il n’a retrouvé un
emploi dans le domaine du génie ou à la hauteur de ce qu’il avait accompli en
Algérie. Cela le minait. Déjà mal à l’aise avec une situation qu’il subissait
contre son gré, il vivait très mal les échecs et les multiples revers liés à sa
recherche d’emploi. Il se sentait terriblement dévalorisé et inutile. Il se
renfermait, presque honteux, en lui-même. Je crois que cela l’a marqué à jamais
et a affecté profondément notre vie de couple, qui n’y a pas survécu.»
Ela teve seus momentos de altos e
baixos, vendeu produtos da Tupperware, fez um curso de agente imobiliario
achando que ia dar certo na area, mas percebeu que aquilo era uma panelinha que
ela nunca seria convidada a fazer parte. Lembrei do curso que fiz…. No comments, only regrets. Ela me fez
perceber o quanto eu vim despreparada, mesmo achando que tinha me preparado
para o que der e vier.
« Ce déménagement en terre
étrangère m’a fait comprendre, entre autres, l’importance du logement et du
travail pour retrouver ne serait-ce qu’un semblant de dignité. Sans ces
prémices fondamentales, même une estime de soi construite sur des bases
solides, comme l’était la mienne, peut être fortement ébranlée. Aujourd’hui
encore, je pense à tous ces gens qui vont s’installer dans un autre pays. Je
pense à tous les efforts qu’ils doivent déployer pour conserver leur fierté,
leur confiance, et je vois combien le simple fait d’être traité convenablement
est fondamental d’une bonne intégration sociale, de la réussite, du bien-être
et tout simplement de la vie. »
Seu primeiro emprego foi na CLSC,
um orgao de assistência social para pessoas desfavorecidas, com problemas
familiares, jovens delinquentes, ou seja, um ambiente completamente deprê para
quem esta passando por um momento dificil na vida. Ela conta que ia trabalhar
vestida com as mesmas roupas vestia para trabalhar no Consulado e virou motivo
de chacota.
« Ma première journée de travail
a été un choc. Je m’étais habillée comme lorsque je travaillais au consulat.
Erreur ! J’ai vite constaté que ma tenue vestimentaire n’était pas
adéquate. Je ne travaillais plus dans un consulat avec des hommes d’affaires,
mais dans un CLSC d’un quartier défavorisé. »
Sem falar no complô
contra ela vindo de uma funcionaria mesquinha (sempre vejo historias deste tipo
no forum immigrer, ainda bem que
nunca aconteceu comigo, parece que so acontece em Montréal, pois todos que
falam disso moram la).
« Je n’étais pas au bout de mes
peines au CLSC. Il n’y avait pas une semaine que j’y travaillais que j’ai dû
faire face à une employée de longue date, Mary, une femme forte et bien en
chair, qui a très vite commencé à me ridiculiser et à me dénigrer. Elle ne
semblait pas apprécier mon attitude, le fait que j’aborde la clientèle avec une
certaine déférence ni même les robes que je portais… Elle avait de l’influence
sur plusieurs employées, à qui elle laissait croire que je m’organisais pour
être dans les bonnes grâces du coordonnateur.
— Pour qui tu te prends,
habillée comme la femme du premier ministre ? Tu cherches à avoir de la
promotion par tous les moyens ? »
Finalmente ela conseguiu colocar
a vida nos eixos, ganhou uma bolsa para estudar Comércio Exterior e depois
partiu para o mundo dos négocios. Tudo começou quando ela lembrou dos banhos
publicos (hammams), muito comum no
mundo arabe, que tem um ritual de esfoliaçao e deixa a pele das mulheres
hidratada e macia. Entao ela percebeu que no Canada nao tinha a luva de
esfoliaçao, foi ai que ela teve a ideia de importar e hoje o produto é vendido
em todas as farmacias (quem quiser comprar, chama gants d’exfoliation Renaissance).
« Un soir, je suis rentrée chez
moi encore plus fatiguée qu’à l’accoutumée. J’avais mal à l’âme et aux muscles.
J’ai pris une douche très chaude dans l’espoir de retrouver cette sensation de
bien-être et de détente propre aux hammams. Le rituel de l’exfoliation me
manquait. J’avais besoin d’être revigorée et stimulée. À ce moment-là, j’aurais
payé cher pour avoir un gant d’exfoliation de chez nous… Mais voilà !
C’était peut-être ça, l’idée que je cherchais ! Pourquoi ne pas en créer
un ? »
Nao parou com as luvas nao, criou
um centro de estética e o LSIA (Laboratorio cientifico de intolerâncias
alimentares), pois sua mae tinha problemas de saude relacionados com a
alimentaçao, mas no Canada nao tinha nenhum especialista em doenças
alimentares. Em um evento médico na Alemanha, apos ler um cartaz no
stand : « Comer saudavel pode te deixar doente », ela decidiu
abordar os médicos deste stand para saber mais sobre isso e descobriu que era
uma teste que diagnosticava hipersensibilidades alimentares. Entao ela resolveu
exportar também. Quem desconfia ter algum tipo de intolêrancia pode ir a um dos
laboratorios dela fazer os exames.
Hoje ela é uma femme des affaires bem sucedida,
participou de um programa na TV ICI Radio-Canada, ganhou varios prêmios
empresariais, da palestras, conferências, etc.
« L’un des grands paradoxes de
la vie est qu’il faut souvent passer par la douleur pour accomplir de belles
choses. J’aimerais tellement que ce ne soit pas nécessaire. »
É uma historia bonita e
inspiradora, mesmo sabendo que a mesma formula nao se aplica à minha pessoa. Odeio the business world. Eu
so quero uma vida simples, conseguindo um trampo definitivo na minha area ja
estaria de bom tamanho. Porém, ela fala de outras coisas que para mim foi de
grande utilidade. Valeu a pena a leitura. Recomendo aos expatriados que estao
aqui, se vocês têm a carteirinha da biblioteca é so pegar a versao digital no
site, o download é valido por 20 dias.
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