sábado, 17 de maio de 2025

Literatura BRICS: Relatos de viagem de escritores brasileiros na URSS e China. Parte 1: Lygia Fagundes Telles

Li quatro livros de relatos de viagem para a URSS e China, entre as décadas de 50 e 60. Delegações de vários países eram convidadas para participarem de eventos nesses dois países. Essas delegações eram formadas por artistas, escritores, políticos, jornalistas, professores, representantes sindicais e de movimentos sociais.

É uma análise interessante de como esses quatro escritores observaram por si próprios o desenvolvimento desses países. Às vezes é um olhar orientalista, outras vezes são choques culturais, mas a maior parte do tempo eles declaram uma admiração imensa pela força do povo que reconstruíram esses países e lutaram contra o imperialismo ocidental e o capitalismo. Os livros são:

  • Passaporte para China: Crônicas de viagem, de Lygia Fagundes Telles, Companhia das Letras, 2011, 112 p.
  • Jardim de Inverno, de Zélia Gattai, Companhia das Letras, 296 p.
  • Navegação de cabotagem - apontamentos para um livro de memórias que jamais escreverei, de Jorge Amado, Cia das Letras, 508 p.
  • Viagem, de Graciliano Ramos, Editora Record, 256 p.
Estes relatos serão divididos em 3 publicações: a primeira com a Lygia Fagundes Telles, a segunda com Jorge Amado e Zélia Gattai e por último, o relato de Graciliano Ramos. 

Relato da Lygia Fagundes Telles 

Setenta e duas delegações do mundo foram convidadas para o desfile de 1° de outubro de 1960, em Pequim, festejando o 11° aniversário da vitória das forças de Mao Tsé-tung contra os nacionalistas de Chiang Kai-shek, o que resultou na instalação da  da República Popular da Nova China.
As crônicas da viagem foram publicadas semanalmente pelo jornal Última Hora, na década de 1960.
Entre os convidados da delegação brasileira, estava a madame Telezê, como o intérprete chinês, o sr. Wang a chamava. A viagem durou 5 dias, com escalas e pernoites em vários países. Hoje em dia é possível chegar a Pequim em 30h no máximo.
A Lygia parecia uma pessoa bem-humorada e uma ótima companhia de viagem.
Diz o horóscopo que os do signo de Áries não devem de modo algum se arriscar no dia de hoje.
Sou do signo de Áries e daqui a pouco, em plena noite, devo embarcar num avião a jato para a China. Escalas? Dacar, Paris, Praga, Omsk, Irkutsk e finalmente Pequim. Quer dizer, atravessarei quatro continentes: América, África, Europa e Ásia. É continente demais, hein!
O medo de ser confundida com comunista 
Uma velha inglesa perdeu os óculos debaixo do banco. E enquanto ajudo a procurá-los ela me pergunta para onde estou indo. Para a China, respondo. “Você então é comunista?”, ela perguntou e tive vontade de rir porque essa mesma pergunta me fez o jornalista Samuel Wainer lá em São Paulo. Eu ia apressada pela rua Marconi quando ele me fez parar, “Aonde vai com tanta pressa?”. Vou tirar meu passaporte para a China! respondi. Ele ficou me olhando meio perplexo, “Mas você é comunista?”. Achei melhor rir, Não, não sou comunista, sou assim subversiva mas não comunista, nem eu nem os meus companheiros de viagem, é uma delegação de escritores convidados para as festas de outubro, desconfio que foi o Jorge Amado que indicou os nomes e daí lá vai a delegação e eu no meio…
As primeiras impressões na Rússia
Foto do arquivo do site Russia Beyond: Moscou dos anos 1950-1970, do fotógrafo soviético, Boris Kossarev (1911-1989).

Moscou 28/09/1960
Sempre achei o russo assim parecido com o brasileiro, com o nosso caboclo — e agora não me refiro ao frágil Jeca Tatu de Monteiro Lobato, mas ao bravo sertanejo de Euclides da Cunha, um homem do sertão, rude, meio selvagem… e ao mesmo tempo, sentimental. Gosta de cantar, dançar e beber com o mesmo ardor com que se empenha numa luta. E alguns gostam também de exibir os tais dentes dourados.
Esse era um povo triste? Um povo alegre? Impossível generalizar a alegria ou a tristeza do povo que vi através da janela de um táxi mas descobri que era bom o nível econômico, não vi nenhum mendigo estendendo a mão.
As primeiras impressões na China
Madame Telezê em Pequim

Pequim 29/09/1960
Fiquei emocionada, enfim, a Nova China tinha apenas onze anos de idade e a velha China tinha cinco mil anos, pátria dos antigos sábios e mandarins de roupa dourada e palácios de jade. Afinal, o que ficara daquela civilização milenar? Algumas lembranças de dourada sabedoria mas e a miséria? Está claro que essa miséria não poderia ter desaparecido como num passe de mágica, sim, mas como estava essa nova China que íamos conhecer?

Pelo menos reconhecia seus privilégios burgueses e ainda debochava dela mesma 😆

É preciso repetir que a imagem que eu tinha da China era a de uma população demasiado densa para um país demasiado pobre.
Afinal, o burguês não gosta de ficar em contato com uma realidade muito real, ele ama o povo mas é preciso que esse povo fique distante, ninguém quer ouvir as descrições que o escritor Lao Shech fez daquela gente faminta e viciada, comprimida nos bairros sem esgoto e sem água corrente.

A madame Telezê era muito elegante e vaidosa, estava preocupada com as mulheres chinesas que não usavam maquiagem:
Pequim 1 outubro 1960
Ocorre-me fazer-lhe perguntas: Ainda não vi nenhuma chinesa pintada, nem as jovens nem as mulheres maduras usam batom ou mesmo pó de arroz, a mulher na China abriu mão das mais elementares vaidades? Nem brincos, nem anéis, nem unhas esmaltadas…
Ela ficou séria: “O nosso povo acaba de sair de uma fase terrível e que durou dezenas e dezenas de anos, não podemos nos preocupar com ninharias quando ainda há coisas tão importantes a serem resolvidas. Principalmente nós, as mulheres, nunca tivemos sequer o essencial. Então não podemos agora nos dar ao luxo de pensar no supérfluo, temos é que trabalhar. O resto fica para depois”.
Ah! a jovem era parecida com o Wang de fronte pensativa, expressão tão carregada de responsabilidade! Lembrei-me de uma peruana ou colombiana que após alguns dias em Pequim, teria se queixado certa noite ao nosso teatrólogo Guilherme Figueiredo: “Sí, sí, todo es muy lindo, muy bueno… ¡Pero, caramba! ¡Es preciso un poco de corrupción!…”.
Pois a senhora fique tranquila, descanse em paz, porque hoje estão todos maquiados, as meninas, os meninos and everybody in between.

Atrizes chinesas
The 9, c-pop girl group
MR-X, c-pop boy group
 Jackson Wang fazendo publi de batom

Escreveu Mêncio, discípulo de Confúcio e que nasceu por volta de 380 antes da nossa era: “Em primeiro lugar está o povo, em seguida, o país. O rei é o de menos…”.

Guardei também o slogan da capital vermelha: “É preciso que o futuro saia do próprio passado”, o que significa que é preciso respeitar a Velha China, com a tradição dos seus palácios e pagodes para deles tirar a inspirada sabedoria de cinco mil anos de vida.

Diante do mapa, apontando para a China, Napoleão disse um dia: “Eis um gigante que dorme. Quando ele acordar, fará tremer o mundo”.

Ficamos sabendo que o Estado sustenta a Sociedade de Escritores e ainda paga aos escritores um salário mensal. Soubemos também que alguns escritores vivem a serviço da causa socialista e outros, menos ativos, são colaboradores do regime.
Para não perder esse contato constante com o povo, para não ficar distante da realidade, o escritor é obrigado a passar temporadas nos meios agrícolas, junto da terra e do homem da terra, conhecendo seus problemas, a sua luta e o seu sonho. Importante notar que também os governantes são obrigados a essas temporadas para que se humanizem, sintam nessa aproximação a vida real da sua gente na luta pela sobrevivência.

A imagem que ela tinha de Shangai, era a que ela tinha visto em filmes americanos que falavam da guerra do ópio, corrupção, pobreza e prostituição. Porém ela viu com os próprios olhos que não era mais assim.
Delegação brasileira em Shangai


Shangai, 12/10/1960
Meu amor por Shangai foi assim do tipo amor à primeira vista. Gostei muito de Pequim mas foi a lendária Shangai que tocou fundo no meu coração. Pequim é uma cidade reta como um quartel sem soldados mas com o espírito da inflexível disciplina militar. Shangai é assim meio velada e sinuosa, é tão belo o porto central que vi banhado pela luz do luar.
Compreendo agora a razão daquela sombra que passou pelo seu olhar porque para o chinês da Nova China essa Shangai é uma lembrança de humilhação e sofrimento que o estrangeiro ali deixou. Os ocidentais, pequeno-burgueses românticos, ficam mesmo encantados com a beleza da cidade porque não sabem que essa beleza tem gosto de lágrimas e sangue.
Conversa com o poeta peruano Sebastián Salazar:
Pequim, 18/10/1960
Perguntei-lhe se era parente do Salazar de Portugal. Não, não era. E enquanto me oferecia seu livro de poemas, quis notícias políticas do Brasil. Não tardou a pergunta principal: serviria para o Brasil o regime da Nova China?
Minha resposta foi sem hesitações: não. Para o Brasil, não daria certo não. Ótimo, sim, para a China, não para nós. Ele indagou então por que eu pensava assim. Tive um sorriso. Difícil de explicar… Só mesmo quem nasceu no Brasil, só mesmo quem mora no Brasil é que compreende bem porque um regime assim não se adaptaria à nossa gente. O brasileiro é inconstante, indisciplinado… E é nessa indisciplina e nessa inconstância que reside nossa modesta felicidade, respondi. “A gente gosta é de brincar, somos muito brincalhões”, prossegui. E nesse momento, Sebastián Salazar entendeu e sorriu. Tinha passado dois meses no Rio, época do carnaval. Conhecia bem o nosso jeitão…

Concordo com ela, a constância e a disciplina do chinês não vem da Revolução, mas sim do confucionismo. Estou lendo os Analectos de Confúcio e sublinhei um trecho que diz: 

O mestre disse: “Se você tem consciência das próprias palavras e é coerente com elas e se é determinado e reverente ao agir, então até mesmo nas terras dos bárbaros você progredirá. Mas, se falhar em ser consciencioso e coerente em relação às suas palavras ou reverente ao agir, então, mesmo na sua aldeia, conseguiria progredir? Onde você estiver tenha esse ideal à frente”.

É um povo que trata tudo com muita seriedade, respeito, enaltece a sabedoria e a busca pelo conhecimento, tem projetos em comum com a sociedade do qual faz parte e não são individualistas como no ocidente.  

Os outros escritores também elogiaram o comportamento e a disciplina dos chineses.

Para terminar, um video da Lygia dizendo que Clarice Lispector achava que ela tinha um defeito 😆. Essa viagem mencionada deve ter sido ótima, as duas eram muito engraçadas, elas tinham sido convidadas para o 1° Congresso mundial de Bruxaria, em Bogotá, na Colômbia, em 1975. Acharam esquisito, mas uma sagita e uma satanáries nao iriam perder um evento desses. Tem um texto muito interessante falando disso no site do Instituto Moreira Sales: Eu, bruxa?

quinta-feira, 15 de maio de 2025

Cultura BRICS: Dia da Vitória na Russia + Dia da Vitória do Viêt Nam + Partida de Mujica

Em 9 de maio de 2025, comemorou-se os 80 anos da vitória do Exército Vermelho contra o exército nazista alemão, na 2a Guerra ou como dizem os russos, Grande Guerra Patriótica.

Não podemos esquecer das 800.000 mulheres que fizeram parte do Exército Vermelho, colocando em destaque as atiradoras de elite: Lyudmila Pavlitchenko, Roza Chanina, Nina Petrova, Aliya Moldagoulova, Nina Lobkovskaya, Liza Mironova, entre outras.


Lyudmila Pavlitchenko, sniper, conhecida como Lady Death, fuzilou 309 inimigos.

FILMES

Assisti e recomendo o filme do cinema soviético chamado “O fascismo de todos os dias”, dirigido por Mikhail Romm. Mostra as atrocidades cometidas pelo 3° Reich, a ascensão e a queda de Hitler e a vitória dos russos.


Outro filme que mencionei anteriormente, "Vá e Veja", do diretor soviético, Elem Klimov, também fala dos crimes cometidos pelos nazistas na Bielorussia.

VIDEOS

O 1o vídeo está no formato de testemunho ou memória familiar. A Dana, russa que mora no Brasil, fez um vídeo sobre a memória da sua bisavó em relação a esta data comemorativa.


Um video no formato histórico-jonalistico


Um video de arquivo histórico. No tempo 1:34:08 do vídeo, tem o desfile da bandeira do inimigo virada para baixo e em seguida atirada no chão.


50 anos da reunificação do Viêt Nam

No dia 30 de abril de 2025, comemorou-se os 50 anos da reunificação do Viêt Nam e a vitória contra o imperialismo. Embora esteja fazendo um plano cultural dos países do BRICS, não poderia deixar passar batido este evento. Minha tataravó era vietnamita e o primeiro país asiatico que pisei foi o Viêt Nam (é assim que o povo de lá escreve o nome do país). Separei dois vídeos, um de memórias da Luna que mora lá e mostrou como foi as comemorações e o outro vídeo é um debate feito por professores sobre a Guerra do Viêt Nam.




E para terminar, uma homenagem ao Pepe Mujica, ex-presidente do Uruguai e guerrilheiro contra o imperialismo que nos deixou dia 13 de maio. Rest in Power!

O Álvaro fez um vídeo bem bonito um dia antes de Pepe morrer.



O cortejo funebre

sexta-feira, 2 de maio de 2025

Retrospectiva de abril

O mês começou ainda com neve. Agora na primavera, para cada um dia bonito, temos três ou quatro dias de chuva. Uma das desvantagens de morar por essas bandas, dá pra contar nos dedos os dias bonitos.

Atualidades

O Laranja Mecânica conseguiu o impossível, unir os inimigos, China, Japão e Coreia se uniram para lutar contras as tarifas impostas. Daqui a pouco ele consegue unir a Rússia e a Ucrânia e as duas Coreias. Se for destruir os Estragos Unidos para salvar o resto do mundo, ele está fazendo um excelente trabalho.

O clown aparece publicamente com um tabelão de boteco, tarifando o mundo e ainda achava que seria levado a sério. Por onde andam os homens inteligentes e de respeito? Agora o povo elege esses palhaços que fazem piadinhas de tio do pavê, levam tudo no deboche, estúpidos, arrogantes, só sabem fazer bullying e têm cabelos esquisitos.

El papa Francisco se fue, agora começa o conclave, espero que seja tão emocionante como no filme. Acho esses rituais tão démodé, tenho a impressão de estar na Idade Média.

Eu assisti porque um amigo meu falou que parecia votação do Big Brother, tenho pavor de filme religioso, mas esse não é bem sobre isso, a fotografia é linda, o Ralph Fiennes sempre foi um ator brilhante. Recomendo para quem gosta de ver o cabaré pegando fogo nas instituições conservadoras.

Eleições no Canada: O ex-Primeiro Ministro bonitão pediu pra sair, voltou a ser uma pessoa normal, foi visto numa loja de quinquilharias com um bonezinho. Teve eleições e eu, ansiosa que sou, voto por antecipação logo cedo. Aqui é assim, uma semana antes do dia oficial da eleição, são disponibilizados 3 dias para votar por antecipação. 

Estamos entre a cruz e a espada, se vota no menos pior, pois o conservadorismo é só ódio gratuito contra minorias, nenhum projeto concreto para o país. Já o outro partido é pautado na doutrina neoliberal, ou você vota conservador ou vota liberal, aqui os partidos de esquerda não tem representatividade. Os conservadores estavam tendo um grande crescimento nos últimos tempos, mas graças ao senhor laranja, aqui é mais difícil levar os tipos clowns a sério, o povo ficou com medo de ser o 51° estado. 

O vencedor, liberal, economista, com experiência em bancos aqui e na Inglaterra (o Canadá faz parte do Commonwealth e o rei Charles é rei aqui também, pois é uma monarquia parlamentar), apareceu do nada, pois nunca foi político, mas tem contatos fortes no Reino Unido e na Europa, vai se aliar com eles para fazer negócios e desvincular mais da dependência com os EUA.

O voto é no papel e a lapis. Não se vota diretamente no Primeiro-Ministro, vota no representante do partido na sua circunscrição.

Para terminar o mês, teve um apagão geral na Espanha, Portugal e em alguns outros países que dividem a conta de luz e internet com eles. Foi logo surgindo teorias da conspiração, mas no fim, parece que foi apenas falha humana em não detectar com rapidez que havia algo errado em um fio que em efeito cascata foi desligando os outros fios, ainda não temos a conclusão oficial do caso.

Leituras

Terminei 9 livros este mês, parece que sem redes sociais estou lendo o dobro de livros, antes lia de 3 a 4 por mês e agora estou lendo de  8 a 9 por mês. Antes participava de clube de leituras ou era influenciada pelo bookstagram e nem sempre lia o que me apetecia, agora estou descobrindo escritores dos países BRICS, selecionando com cuidado, sem interferências externas de alguém tentando me convencer que certo livro é bom, eu estou fazendo minhas pesquisas e minhas próprias escolhas, por isso está sendo mais prazeroso. Lembrando sempre, não é sobre quantidade, é sobre qualidade, tudo no seu tempo. Como estou priorizando a leitura, consequentemente aumenta a quantidade de livros lidos. São eles:

  1. Eu sou a minha poesia: antologia pessoal, de Maria Teresa Horta
  2. No exílio, da Elisa Lispector (comentei no post anterior)
  3. Sobre Exilio, de Joseph Brodsky (comentei no post anterior)
  4. Um sopro de vida, Clarice Lispector (comentei no post anterior)
  5. Passaporte para China: crônicas de viagem, de Lygia Fagundes Telles (próximo post)
  6. Macau, de Paulo Henriques Britto (próximo post)
  7. Iniciação à Literatura brasileira, de Antonio Candido
  8. Anti-tech Revolution: Why and How, de Theodore John Kaczynski
  9. Jardim de inverno, de Zélia Gattai (próximo post)

Cinema

Para o projeto BRICS, assisti a um filme brasileiro e a um filme soviético. Mr. Nobody assisti para a discussão no grupo de cinema que participo, cujo tema foi vidas paralelas.

A grande cidade (1966), de Cacá Diegues. Sobre pessoas que saiam do nordeste em busca de uma vida melhor no Rio de Janeiro, mas só encontraram decepção. Luzia vai atrás de seu namorado Jasão, mas descobre que ele tinha entrado para o crime. Este filme me lembra um pouco "O Acossado", de Godard.

Vá e veja,1985, de Elem Klimov. Falei sobre no post anterior.

Mr. Nobody, 2009, de Jaco Van Dormael. É um filme de ficção-cientifica, O filme é estrelado por Jared Leto como Nemo Nobody, o último mortal na Terra depois que a humanidade atinge quase a imortalidade. Aos 118 anos, Nemo relembra sua vida e conta diferentes versões de seu passado, explorando o impacto de decisões importantes por meio de uma narrativa não linear que leva em conta a hipótese do multiverso.

Video

Como o capitalismo gera doenças mentais sociopáticas


quinta-feira, 1 de maio de 2025

Cultura BRICS: Escritores no exílio, as irmãs Lispector, Brodsky e o filme de guerra mais triste do mundo

Li três livros de pessoas que foram exiladas e viveram como apátridas por um tempo, Elisa e Clarice Lispector que chegaram com a família no Brasil, em 1922. Joseph Brodsky, também russo que se exilou nos EUA em 1972 e ganhou o prêmio Nobel de Literatura em 1987.

Jornal A Noite, 21 de junho de 1948. Clique na imagem para ampliar

No exílio é um romance autobiográfico da Elisa Lispector, narra a saga de sua família, judeus russos que estavam na Ucrânia, buscando exílio na América. Eles eram perseguidos pelo pogrom e pelos exércitos branco e vermelho que chegavam destruindo tudo e massacrando todos.

Lizza, a irmã mais velha, vivenciou os horrores que as irmãs mais novas não chegaram a compreender.

"maior que o mundo é a maldade dos homens".

Ao chegar no Brasil, a mãe estava muito doente e precisava de cuidados constantes, sobrou para ela ser a cuidadora da mãe, ser responsável pelas irmãs e pela casa quando ainda era uma criança, com 9 anos de idade.

“Porque ela compreende a extensão do sacrifício da sua infância, do desperdício de sua vida, do seu destino, pois tem a intuição de que as vidas tem um curso e não encontra o próprio caminho. Não sabe para que nasceu, nem espera nada para melhor”.

Após a morte da mãe, o pai viúvo tornou-se depressivo e solitário. Com a ascensão do nazismo na Alemanha, ele lia as notícias e ficava inconsolável, Lizza ouvia suas lamentações calada. Ele queria arrumar um marido para ela, mas ela não aceitou e nunca se casou.Que quer você vir a ser? — 

"perguntara-lhe o pai. — Para que reserva sua vida? — E ela não soubera responder. Não ousara. Agora sentia o terreno fugir-lhe de sob os pés, como se estivesse brincando com fantasmas, meros fantasmas, seus sonhos loucos".

"Não adiantava fugir, se não podia libertar-se de si mesma e dos fantasmas que continuariam a rondar em torno dela".

Os pais só viveram horrores, a filha mais velha teve responsabilidade de adulta muito cedo, mas precisou superar os traumas, conseguiu estudar, passou em primeiro lugar em um concurso público e virou escritora. Tania Lispector Kaufmann também virou funcionária pública e a Clarice virou Clarice Lispector que dispensa apresentações.

“Em todas as suas manifestações, a vida se renova constantemente, milagrosamente. E tudo isso ocorre à margem das leis dos homens. Apesar da maldade dos homens.”

Espero que uma editora brasileira relance novas edições das obras da Elisa, é difícil encontrar os livros dela.

Passaporte russo da familia Lispector, clique na imagem para ampliar





Aproveitei para ler um livro da Clarice Lispector que ainda não tinha lido, Um Sopro de Vida, publicado em 1978. É dividido em 4 capitulos:

  1. Um Sopro de Vida
  2. O Sonho acordado é que é a realidade
  3. Como tornar tudo um sonho acordado?
  4. Livro de Ângela

Este é um livro sobre escrita, o autor conversando com a personagem que ele criou:

"Eu sou o autor de uma mulher que inventei e a quem dei o nome de Ângela Pralini".

"Eu vivo em carne viva, por isso procuro tanto dar pele grossa a meus personagens. Só que não aguento e faço-os chorar à toa". 
"Cada novo livro é uma viagem. Só que é uma viagem de olhos vendados em mares nunca dantes revelados"

"ISTO NÃO É UM LAMENTO, é um grito de ave de rapina. Irisada e intranquila. O beijo no rosto morto".

"Eu escrevo como se fosse para salvar a vida de alguém. Provavelmente a minha própria vida. Viver é uma espécie de loucura que a morte faz. Vivam os mortos porque neles vivemos".

"Quero esquecer que existem leitores — e também leitores exigentes que esperam de mim não sei o quê".

"Este é um livro silencioso. E fala, fala baixo.

Este é um livro fresco - recém-saído do nada. Ele é tocado ao piano delicada e firmemente ao piano e todas as notas são límpidas e perfeitas, umas separadas das outras. Este livro é um pombo-correio. Eu escrevo para nada e para ninguém. Se alguém me ler será por conta própria e alto risco. Eu não faço literatura: eu apenas vivo ao correr do tempo".

"Refugiei-me na doideira, porque a razão não me bastava."

"Sou feliz na hora errada. Infeliz quando todos dançam".

"Será que, depois que a gente morre, de vez em quando acorda espantado?"

"Nunca vi uma coisa mais solitária do que ter uma ideia original e nova. Não se é apoiado por ninguém e mal se acredita em si mesmo. Quanto mais nova a sensação-idéia, mais perto se parece estar da solidão da loucura".

"Quando acabardes este livro chorai por mim um aleluia. Quando fechardes as últimas páginas deste malogrado e afoito e brincalhão livro de vida então esquecei-me. Que Deus vos abençoe então e este livro acaba bem. Para enfim eu ter repouso. Que a paz esteja entre nós, entre vós.e entre mim. Estou caindo no discurso? que me perdoem os fiéis do templo: eu escrevo e assim me livro de mim e posso então descansar"

"Eu ponhei cada coisa em seu lugar. É isso mesmo: ponhei. Porque “pus” parece de ferida feia e marrom na perna de mendigo e a gente se sente tão culpada por causa da ferida com pus do mendigo e o mendigo somos nós, os degredados".

"Cada livro é sangue, é pus, é excremento, é coração retalhado, é nervos fragmentados, é choque elétrico, é sangue coagulado escorrendo como lava fervendo pela montanha abaixo".


 Sobre o Exílio, de Joseph Brodsky, contém dois discursos: "A condição chamada exílio" e "Uma face incomum".

"Se tivéssemos de atribuir um gênero à vida do escritor exilado, haveria de ser a tragicomédia. Devido à sua encarnação anterior, ele é capaz de apreciar as vantagens sociais e materiais da democracia com uma intensidade muito maior do que os que nasceram nela. Mas, precisamente pela mesma razão (cujo principal efeito colateral é a barreira linguística), ele se vê totalmente incapaz de desempenhar qualquer papel significativo em sua nova sociedade. A democracia à qual ele chegou lhe oferece segurança física, mas torna-o socialmente insignificante. E a falta de significância é aquilo que nenhum escritor, exilado ou não, pode aceitar".

"se há algo de bom no exílio, é o fato de ensinar a humildade".

"O lugar-comum deste século são o desenraizamento e a inadequação".

"Como não há muita coisa que possa servir de base para nossas esperanças de um mundo melhor, como tudo o mais parece falhar de um modo ou de outro, precisamos sustentar de alguma maneira que a literatura é a única forma de segurança moral de uma sociedade, que ela é o antídoto permanente ao princípio do “homem como lobo do homem”, que ela oferece o melhor argumento contra qualquer tipo de solução coletiva que opere feito um trator – quando menos porque a diversidade humana é o que compõe a literatura e é sua raison d’être".

"é melhor fracassar na democracia que ser um mártir ou a cereja do bolo em uma tirania".

"Em um sentido antropológico, permita-me reiterar, o ser humano é uma criatura estética antes de ética. Sendo assim, não é que a arte, em específico a literatura, seja um subproduto da evolução da espécie, mas justamente o contrário. O que nos distingue de outros membros do reino animal é a fala, portanto a literatura – e a poesia em específico, como a mais alta forma de locução – é, colocando de forma direta, o objetivo de nossa espécie".

"Mas não tenho dúvida de que, se houvéssemos escolhido nossos líderes tomando como base suas experiências de leitura, e não seus programas políticos, haveria bem menos sofrimento no mundo".

Cinema

 Assisti ao filme "Vá e Veja", 1985, 142 min, do diretor soviético, Elem Klimov. É sobre a invasão do exército nazista na Bielorussia, durante a Segunda Guerra, onde mais de 600 vilarejos foram queimados.

O título do filme no original foi extraído da bíblia, Apocalipse capitulo 6, versículos 7 e 8:

⁷ E, havendo aberto o quarto selo, ouvi a voz do quarto animal, que dizia: Vem, e vê.

⁸ E olhei, e eis um cavalo amarelo, e o que estava assentado sobre ele tinha por nome Morte; e o inferno o seguia; e foi-lhes dado poder para matar a quarta parte da terra, com espada, e com fome, e com mortandade, e com as feras da terra. 

Os atores não são profissionais, são camponeses bielorussos. A atuação do Aleksei Kravchenko que fez  o personagem Flyor está impecável, ele tinha apenas 14 anos e não tem como não se emocionar.

É um filme muito triste, mas precisamos estar atentos. Sera que conseguimos evitar isso no futuro?

Vou deixar uns fragmentos sobre guerra, do livro da Doris Lessing, Prisons We Choose to Live Inside:

Vivemos em uma época assustadora, onde é difícil considerar os seres humanos dotados de razão. Para onde quer que olhemos, vemos violência e estupidez em ação, a tal ponto que nada mais parece existir além desse retorno à barbárie.

Nossa sensibilidade ficou blindada – ficamos insensíveis. Ao assistir aos horrores acontecendo em todos os cantos do globo, todos os dias, todas as noites, ano após ano, nos tornamos como aqueles soldados que foram deliberadamente transformados em brutos. Ninguém decidiu explicitamente nos endurecer, mas estamos cada vez mais indiferentes.

Em tempos de guerra, como sabe qualquer um que tenha vivido uma, ou conversado com soldados, quando estes se permitem lembrar da verdade, e não dos sentimentalismos com os quais todos nos protegemos dos horrores dos quais somos capazes... em tempos de guerra, revertemos, como espécie, ao passado e nos é permitido sermos brutais e cruéis.

É por esta razão, e claro por outras, que muitas pessoas gostam da guerra. Mas este é um dos fatos sobre a guerra que não é frequentemente discutido.

Acho sentimental discutir o tema da guerra, ou da paz, sem reconhecer que muitas pessoas gostam da guerra — não apenas da ideia dela, mas da luta em si. Na minha vida, passei muitas e muitas horas ouvindo pessoas falando sobre a guerra, a prevenção da guerra, o horror da guerra, sem nunca mencionar que, para um grande número de pessoas, a ideia da guerra é emocionante e que, quando uma guerra termina, elas podem dizer que foi o melhor momento de suas vidas. Isso pode ser verdade até mesmo para pessoas cujas experiências de guerra foram terríveis e que arruinaram suas vidas. Quem já viveu uma guerra sabe que, à medida que ela se aproxima, uma euforia inicialmente secreta e não reconhecida se instala, como se um tambor quase inaudível estivesse batendo... uma excitação terrível, ilícita e violenta se espalha. Então, a euforia se torna forte demais para ser ignorada ou negligenciada: todos são possuídos por ela.