domingo, 1 de novembro de 2015

Livro + 4 filmes: Jane Eyre

Este livro estava na minha lista do #LeiaMulheres, na lista do projeto "Literatura na sétima arte" (14/100) e foi a leitura sugerida deste mês no grupo do Goodreads, "Clube dos classicos vivos".
Jane Eyre é um classico do século XIX, escrito por Charlotte Bronte. Quando foi publicado pela primeira vez, ela usou o pseudônimo masculino Currer Bell, visto que nao era comum e nem rentavel usar seu proprio nome, porque nao se consumia literatura escrita por mulheres.
Li este livro muito rapido, foi amor à primeira vista. Nao vou me ater a fazer uma resenha porque ja tem aos montes na internet e todo mundo conhece mais ou menos a historia.
Vou fazer apenas algumas consideraçoes do que mais me chamou a atençao: A condiçao da mulher daquela época, as que tinham acesso à educaçao, aprendiam idiomas, musica, literatura, a costurar, a bordar ou seja eram muito educadas e prendadas, mas so tinham como alternativa serem esposas, professoras, esposas de missionarios, baba de criança rica ou empregada doméstica.
Jane Eyre é uma anti-heroina porque ela nao era nada do que se esperava em uma mulher, orfã, rejeitada, nao era bonita, nem simpatica, era bem sem-graça, direta em dar respostas super sinceras, mas era inteligente e tinha o espirito livre, nao aceitava a condiçao a qual estava predestinada e também questionava os costumes sociais, religiosos e morais.

Sobre sua aparência fisica:

"amanhã, coloque o espelho na sua frente e desenhe o seu próprio retrato, fielmente, sem suavizar qualquer defeito. Não omita as linhas mais rudes, nem disfarce alguma desproporção desagradável. Abaixo dele escreva: Retrato de uma Governanta, pobre, simples e sem família".
Seus sentimentos:
Muitos, sem dúvida, e me chamariam de descontente. Mas eu não podia evitar: a inquietação estava na minha natureza e às vezes arrastava-me ao sofrimento.
Idéias feministas:
É inútil dizer que os seres humanos devem contentar-se com a tranquilidade. Eles precisam de ação. E tem que buscá-la, se ela não vier ao seu encontro. Milhões são condenados a uma vida mais pacata do que a minha, e milhões se revoltam em silêncio contra a sorte. Ninguém sabe quantas rebeliões, além das políticas, fermentam nas massas de homens ao redor da terra. Supõe-se que as mulheres devem ser bem calmas, geralmente, mas elas sentem o mesmo que os homens. Precisam de exercício para suas faculdades mentais, e campo para os seus esforços, tanto quanto seus irmãos. Sofrem com restrições muito rígidas, com a estagnação absoluta, exatamente como os homens devem sofrer na mesma situação. E é uma estreiteza de mente de seus companheiros mais privilegiados dizer que elas devem ficar limitadas a fazer pudins, tricotar meias, tocar piano e bordar bolsas. É insensatez condená-las, ou rir delas, se procurarem fazer mais ou aprender mais do que o costume determinou que é necessário ao seu sexo. 
Acho que o seu amor vai se extinguir em seis meses, no máximo. Nos livros escritos por homens tenho observado que este é o tempo máximo que dura o ardor de um marido.

Odiava ser adulada, nao ligava para bens materiais, so queria ser ela mesma:
Vestirei minha Jane de cetim e rendas, e colocarei flores nos seus cabelos. Cobrirei essa cabeça que tanto amo com um véu de valor incalculável.– E então não me reconhecerá mais, senhor. Não serei mais a sua Jane Eyre, mas um macaco numa jaqueta de arlequim. Um pavão em plumas emprestadas. Prefiro ver o senhor, Mr. Rochester, adornado em roupas teatrais do que a mim mesma num vestido de dama da corte. Eu não lhe digo que é bonito, senhor, embora o ame ternamente. Amo-o demais para adulá-lo, portanto, não me adule também.
Nao era nenhum anjo, nao queria ser colocada num pedestal:
Não sou um anjo – afirmei – e nunca serei enquanto viver. Sempre serei eu mesma. Mr. Rochester, não deve esperar nem exigir nada de angelical da minha parte. Não vai consegui-lo, assim como não o conseguirei do senhor.  
Prefiro ser uma coisa a ser um anjo. 

Blasfemava:
– E os Salmos? Imagino que goste deles?– Não, senhor.– Não? Estou chocado!Os Salmos não são interessantes – observei.    – Isso prova que você tem um coração malvado. E deve rezar e pedir a Deus que mude isso: que lhe dê um coração novo e limpo. Que leve seu coração de pedra e lhe dê um de carne. 
Nada é pior que uma criança malcriada – ele começou – especialmente uma menina. Você sabe para onde vão os maus depois que morrem?– Vão para o inferno – foi minha pronta e convencional resposta.– E o que é o inferno? Pode me dizer?– É uma cova cheia de fogo.– E você gostaria de cair nessa cova e ficar queimando para sempre?– Não, senhor.– E o que deve fazer para evitar isso? Pensei por um momento. Minha resposta, quando veio, era questionável.Devo manter minha boa saúde e não morrer. (ahaha, melhor resposta, ser imortal evita de ir para o inferno) 
Ele se interpunha entre mim e os meus princípios religiosos, como o eclipse se interpõe entre o homem e a plenitude do sol. Naqueles dias, eu não podia ver Deus na sua criatura, pois havia feito dela um ídolo.

Se nao bastasse, ainda se apaixona por um homem igualmente feio, sem graça, triste, atormentado, excêntrico, 20 anos mais velho, de uma classe social diferente da dela e com outros problemas que nao falaremos para evitar spoiler.
As damas o adoram, embora não tenha uma aparência que o recomende muito aos olhos delas. Mas acho que suas habilidades e talentos, e talvez a riqueza e o sangue nobre compensem qualquer defeito na aparência. 
E será que Mr. Rochester ainda era feio aos meus olhos? Não, leitor. A gratidão e muitos outros sentimentos associados a ela, todos prazerosos e cordiais, tornaram seu rosto a coisa que eu mais gostava de ver. Sua presença numa sala era mais acolhedora que o fogo mais vivo. Ainda assim não esqueci seus defeitos. Não podia esquecer, de fato, pois ele constantemente os mencionava para mim. Ele era orgulhoso, sardônico, e duro com a inferioridade de qualquer espécie. No fundo da alma eu sabia que sua grande bondade para comigo era contrabalançada por uma injusta severidade em relação a vários outros. Ele era mal-humorado também, e enigmático. Mais de uma vez, quando chamada para ler para ele, encontrei-o sentado sozinho na biblioteca, com a cabeça sobre os braços cruzados. E quando levantava o olhar, uma carranca sombria, quase maligna, anuviava-lhe as feições. Mas eu acreditava que seu mau humor, sua dureza, e seus antigos erros morais (digo antigos, pois agora ele parece que os corrigiu) tinham origem em alguma crueldade do destino. Acreditava que ele era naturalmente dotado de boas intenções, altos princípios e gostos mais puros do que aqueles que as circunstâncias desenvolveram, a educação instilou e o destino encorajou. Sentia que possuía em si um material excelente, embora naquele momento estivesse um tanto emaranhado e confuso. Não posso negar que a tristeza dele me entristecia, fosse qual fosse, e eu daria tudo para aplacá-la.
Mais verdadeiro ainda é o ditado que diz que “a beleza está nos olhos de quem vê”. Aquele rosto do meu patrão – a face morena e pálida, a fronte quadrada e maciça, as sobrancelhas cerradas, os olhos profundos, as feições marcantes, o queixo firme e cruel, tudo energia, decisão, vontade – não eram traços bonitos de acordo com o gosto comum.
Mr. Rochester um homem de traços rudes e olhar melancólico.
 Jane Eyre estava muito a frente do seu tempo, questionava demais, era determinada, sabia o que queria, sabia se defender, denunciava os maus-tratos e as injustiças. Nem preciso dizer adorei, dei 5 estrelas no Goodreads e super recomendo a leitura.

Os filmes

Assisti a quatro filmes baseados no livro, dirigidos por Cary Jogi Fukunaga (2011), Robert Young (p/ tv 1997), Franco Zeffirelli (1996) e Robert Stevenson (1943). O cinema nao tem a pretensao de ser fiel à literatura, ele se expressa de maneira diferente, mas convenhamos que ainda nao houve um filme que tivesse atores feios, rebeldes e sombrios como descritos no livro. Os filmes sao romanceados demais e deixam de fora a verdadeira essência dos personagens.

Jane Eyre, 2011, com Mia Wasikowska (Jane Eyre) e Michael Fassbender (Mr. Rochester)
Este é o filme mais lindo de todos, tem uma fotografia magnifica, um otimo elenco, uma otima direçao. Ele nao segue a ordem cronologica do livro, começa quando Jane Eyre foge de Thornfield e o começo da historia vem em forma de flashbacks. Tem a melhor Mrs. Fairfax (Judi Dench) e a melhor a Adele, que fala francês perfeitamente. So tem um probleminha: é muito lindo visualmente, inclusive os Mr. Rochester e a Jane sao muito bonitos, isso foge completamente da ideia principal do livro, a confrontaçao e o desprezo pela estética e beleza.

Jane Eyre 2007, adaptaçao para TV, com Samanta Morton (Jane) e Ciarán Hinds (Rochester)
Gostei bastante desta adaptaçao, tem o segundo melhor Rochester, é temperamental, moreno, com traços mais rusticos. A Jane também esta bem proxima da do livro.

Jane Eyre 2006, com Charlotte Gainsbourg (Jane) e William Hurt (Rochester)
Este filme tem um otimo elenco, um otimo diretor (Zefirelli), tem a melhor Jane criança (Anna Paquin) e a melhor Jane adulta (Charlotte Gainsbourg). A Charlotte consegue fazer o papel da Jane sem graça e sem beleza, fala francês e inglês perfeitamente e é excêntrica. Por um outro lado, tem o Rochester muito branco, traços leves e bonzinho, assim como o Fassbinder do filme de 2011.


Jane Eyre 1943, com Joan Fontaine (Jane) e Orson Welles (Rochester)
O elenco é otimo, tem a melhor Helen Burns (Elizabeth Taylor), a escola mais sombria e autoritaria e a mansao de Thornfield também é mais sombria. Tem o melhor Rochester de todos, Orson Welles bate exatamente com a descriçao do livro. Porém a Jane (Joan Fontaine) é a mais linda e a mais fragil de todas.

Fica a dica, Hollywood! Eis aqui minha lista de candidatos para interpretar o Rochester.

Benicio del Toro, Javier Bardem e Russel Brand. Sao morenos e tem traços fortes
Para ser Jane Eyre, escolheria Maisie Williams ( a Arya Stark de Game of Thrones):



Dica de diretor de filmes sombrios: Tim Burton. Imagine um filme Jane Eyre com aquela atmosfera do filme "A lenda do cavaleiro sem cabeça", sombria e aterrorizante.

Tim Burton, salve a Jane Eyre, please!
Vocês estao de acordo com esse elenco? Assistiriam ao meu filme? rsrssr

domingo, 25 de outubro de 2015

Tolstoi: A morte de Ivan Ilitch

Ehud, por favor, queria te falar da morte de Ivan Ilitch, da solidao desse homem, desses nadas do dia a dia que vao consumindo a melhor parte de nos, queria te falar do fardo quando envelhecemos, do desaparecimento dessa coisa que nao existe mas é crua, é viva, o Tempo. (A obscena Sra. D., de Hilda Hilst).

Terminei a leitura de "A morte de Ivan Ilitch", de Tolstoi. Estava com saudade de ler um classico russo.
Ivan, um homem inteligente, sociavel, alegre, otimo aluno, otimo profissional, era membro da Corte Suprema, sofreu na cama por meses de uma doença incuravel até finalmente falecer.

O problema estava nas relaçoes humanas, sua mulher Praskovya Fiodorovna, que antes do casamento era alegre, bonita, inteligente e apos, tornou-se uma megera ciumenta e reclamona que mesmo na hora do velorio estava mais preocupada com a herança que em guardar o luto. Seus filhos eram uns ingratos, seus amigos foram ao velorio para discutir quem iria pegar o cargo dele.
Seu posto ficara em aberto, mas corria que, no caso de sua morte, provavelmente Alexey seria nomeado seu sucessor e Vinnikov ou Shtabel ocupariam o lugar de Alexeyev. De modo que, ao ouvirem a notícia da morte de Ivan Ilitch, a primeira coisa que lhes passou pela cabeça foi o possível efeito na rodada de transferências e promoções para eles ou seus companheiros.

“Tenho certeza de que agora eu pego o lugar de Shtabel, ou de Vinniko!”, pensou Fiodr Vassilyevich. “Já me prometeram há horas e essa promoção significa um salário de oitocentos rublos por ano, mais ajuda de custo.”
“Vou tentar conseguir a transferência de Kalugo para o meu cunhado!”, pensou Piotr Ivanovich. “Minha mulher vai adorar e não vai poder dizer que eu nunca faço nada pelos parentes dela!”
Ha toda uma denuncia do funcionalismo publico russo, da hipocrisia humana, dos cargos por indicaçao, da criaçao de cargos inuteis para pessoas inuteis. Mostra um homem bom no meio de um ninho de cobras, literalmente. Que se sente sozinho na hora da dor, sem apoio de ninguém.

Uma das vantagens de ser pobre, meus caros, é que so vai aparecer no nosso enterro quem realmente gostava da gente e se aparecer, porque no mundo em quem vivemos, por mais que tentamos ser bons, tem horas que nem os mais proximos nos aguenta, é cada um por si, nao podemos contar com ninguém, na hora da dor, na hora que os problemas aparecem, todo mundo some.

Nao leia este livro se você esta se sentindo sozinho(a) e fragil, vai por mim. A nao ser que vc seja como eu, gosta de ler mesmo assim, para sofrer mais ainda. É para perder a fé na humanidade. Eu pego a dor dos personagens como se fosse minha, eu senti a solidao dele, pensei na minha morte, nao quero sofrer, nem da trabalho para os outros, quero depender o menos possivel das pessoas.

sábado, 17 de outubro de 2015

Leitura de outono: La tournée d'automne

Para o projeto dos 100 livros da literatura canadense, li o romance "La tournée d'automne" (sem traduçao para o português), do escritor québécois, Jacques Poulin.


É sobre um motorista do bibliobus, um ônibus adaptado para ser uma biblioteca itinerante que percorre varias cidadezinhas entre Québec e a Côte-Nord três vezes ao ano, ou seja, na primavera, no verao e no outono. Ele trabalha para o Ministério da Cultura e tem por missao levar livros para as pessoas em lugares longinquos. (Quero um emprego desse!)

Marie é francesa e responsavel por um grupo de fanfarra que foi convidado para participar do Festival de Verao, de Québec. 

 Fonda e Hepburn, Golden Pond
O motorista e Marie, duas pessoas de meia-idade se conhecem, ele parte para as cidadezinhas e o grupo parte também como turistas, mas acabam fazendo algumas apresentaçoes nesses lugares para arrecadarem um dinheiro. 
O motorista acha que Marie parece com a Katharine Hepburn, no filme Golden Pond
Eu sou muito visual, como ele falou da aparencia, na minha cabeça, Marie e o motorista têm a cara da Hepburn e do Fonda.

Coisas recorrentes nas obras do autor: os personagens estao sempre na estrada, indo de um lugar para outro. Em todo capitulo tem um gato, nesse livro os personagens estao vez ou outra comendo biscoitos LU. A perua volkswagen azul também aparece, assim como seu amigo escritor Jack, no outro livro dele chamado "Volkswagen blues" que falarei em um outro post.

O que tem de bom no livro, além da historia linda entre duas pessoas de meia-idade?

1) Tem muitas indicaçoes de livros, afinal a historia é sobre uma biblioteca itinerante, vou listar livros e autores citados:

Le premier jardin, de Anne Hebert; L'écume des jours, de Boris Vian; Ces enfants de ma vie, La Détresse et l'Enchantement et L'Espagnole et la Pékinoise, de Gabrielle Roy; Voyage au bout de la nuit, de Louis Ferdinand Céline (preciso muito ler esse livro!); DjamiliaIl fut un blanc navire Souris bleue, donne-moi de l'eau, de Tchinguiz Aitmatov; Paris est une fête e Le Vieil Homme et la Mer, de Ernest Hemingway; Le Silence de la mer, de Vercors; Flore laurentienne, de Marie-Victorin, Côte-Nord dans la littérature, de Mgr Bélanger, Journal de Jacques Cartier, Patience dans l'azur, de Hubert Reeves; Option Québec, de René Lévesque; Robinson Crusoé, de Daniel Defoe; Le Petit Prince, de Antoine de Saint-Exupéry; Menaud, maître-draveur, de Félix-Antoine Savard; L'etranger dans La Patrouille, de Jean-Claude Alain; Le Dernier des Mohicans, de James Fenimore Cooper; Croc-Blanc, de Jack London; L'Île au trésor, de Robert Louis Stevenson; The Catcher in the Rye, de J. D. Salinger; L'Avalée des avalés, de Réjean Ducharme; The World According to Garp, de John Irving; Salut Galarneau!, de Jacques Godbou; Le Grand Meaulnes, de Alain-Fournier; On the Road, de Jack Kerouac; Agaguk, de Yves Thériault; Bonjour tristesse, de Françoise Sagan (preciso ler!); Lettres à un jeune poète, de Rainer Maria Rilke; La storia, de Elsa Morante, Les bons sentiments, de Marylin French (leitura obrigatoria, é uma feminista americana), Le coeur est un chasseur solitaire, de Carson McCullers.

2) É um verdadeiro guia turistico para quem quiser ir da Ville de Québec para Côte-Nord, tem toda a rota bem explicada e os pontos turisticos.

3) Tem trilha sonora das antigas, listei no Spotify



Alguns fragmentos:

Se duas pessoas foram feitas para se entender, elas devem gostar nao apenas dos mesmos livros e das mesmas musicas, mas também das mesmas passagens desses livros e dessas musicas.

Gosto do jeito que o protagonista fala das mulheres
Ele fala de suas fragilidades, nao tem intençao nenhuma de ser heroi: "Eu vivi o suficiente para saber que tudo o que dizem sobre a idade de ouro, a sabedoria, a serenidade.. é completamente falso. Na minha idade, eu nao aprendi nada do que seria essencial : o sentido da vida, o bem e o mal... Diria que minha experiência é zero. Eu ainda tenho as mesmas crenças, os mesmos desejos e as mesmas necessidade de quando eu era pequeno. Quando as deficiências fisicas se juntarem a tudo isso, porque sao inevitaveis, vai ser um desastre, um fracasso".

O motorista é melhor que o M. Darcy: "As mulheres nao foram feitas para seduzir e sim para tornar o mundo um pouco mais agradavel"

Gostei muito do motorista, do jeito que ele empodera as mulheres, indica otimos livros escritos por mulheres, é timido, inseguro, mas é a melhor pessoa, esta sempre na estrada conhecendo gente nova e pelos livros citados, sei até qual é sua posiçao politica, o que muito me agrada, by the way.

Recomendo! É apaixonante. Talvez quando me aposentar, eu faça a mesma rota do bibliobus. Vou ler mais obras do autor porque tem mais na 100 livros da literatura canadense. (3/100)

sexta-feira, 18 de setembro de 2015

mais fatos sobre mim

Vi essa lista no blog da Lidia e resolvi responder tb, vamos la...

1. Qual é sua maior qualidade?
Ter muita paciência e a habilidade de fingir que esta tudo bem, sou igual pato na lagoa, em cima da agua ele parece estar tranquilo, mas embaixo ele fica batendo as patas sem parar. Por fora sou zen, mas por dentro sou um turbilhao.

2. E seu maior defeito?
Ser muito exigente comigo mesma

3. A coisa mais importante em um homem?
Nao ser machista.

4. E em uma mulher?
Fazer o que ela quer fazer sem ligar para a opiniao de terceiros, afinal a gente so tem essa vida pra isso.

5. O que você mais aprecia nos seus amigos?
sao tudo gente de humanas, filosofos de boteco, musicos frustrados, gente que sonha em fazer do mundo um lugar melhor, mais igualitario e pacifico, um bando de sonhadores desesperançosos. Eu aprecio isso neles.

6. Sua atividade favorita é…
Dolce far niente. Nao fazer nada....

7. Qual é sua idéia de felicidade?
A mesma do samba: "tristeza nao tem fim, felicidade sim".

8. E o que seria a maior das tragédias?
Qual é a régua que mede o tamanho da tragédia? Ha uma norma ou protocolo que define a grandeza ou a pequenez dela? 11 de setembro vai ser lembrado para sempre como a maior tragedia em solo americano, mas quem vai lembrar da tragédia acontecendo na Siria hoje? Sua tragédia so vai ser grande e impactar as massas a partir do momento que vc tem dinheiro para investir na publicidade dela. Ja que nao é o caso, vamos vivendo nossas tragédias individuais ou coletivas no anonimato, mas isso nao significa que elas nao sao grandes, so nao sao reconhecidas. Para mim, a pior dor é a dor que a gente sente, mesmo que pareça banal para os outros.

9. Quem você gostaria de ser, se não fosse você mesmo?
Um cachorro ou um gato de madame.

10. E onde gostaria de viver?
Na Sociedade Alternativa que o Raul Seixas cantava, la podia tomar banho de chapeu, discutir Carlos Gardel, esperar o papai noel, e a lei era fazer tudo o que quiser.

11. Qual sua cor favorita?
vermelho

12. Sua flor?
tulipa

13. Um pássaro?
corvo

14. Seus autores preferidos?
Dostô,Tolstoi, Saramago e Clarice, nunca me arrependi de ler nada que eles escreveram.

15. E os poetas de que mais gosta?
Todos. Tem como nao gostar de um poeta?

16. Quem são seus heróis de ficção?
O José, do livro "Todos os nomes", do Saramago. Chega numa certa altura da vida loser dele que ele desbiroca de vez e começa a quebrar algumas regras, nada de tao grave, mas para ele, que era tao certinho e meticuloso, parecia a coisa mais perigosa do mundo, meus herois sao gente comum que tenta sair da mesmice.

17. E as heroínas?
A Nora, de "Casa de bonecas", do Ibsen, a "Mae Coragem", do Bertolt Brecht, a Macabéa, de "A hora da estrela", da Clarice Lispector. Elas nao salvam ninguém, nao fazem nada de espetacular, so tentam sobreviver em um mundo louco.

18. Seu compositor favorito é…
Chico Buarque.

19. E os artistas que você mais curte?
Se a pessoa diz que é artista, eu ja curto, nao é facil viver de arte.

20. Quem são suas heroínas na vida real?
Tô ficando grogue com tanta heroina nessa lista.

21. E quem são seus heróis?
Meus herois morreram de overdose.

22. Qual é sua palavra favorita?
serendipity

23. O que você mais detesta?
Gente que fica mexendo no celular enquanto estou falando com ela, pego implicância na hora.

24. Quais são os personagens históricos que você mais despreza?
Quase todos. Sao um bando querendo mostrar superioridade, genocidas, escravagistas, ditadores, colonizadores, soldados, politicos, religiosos, inventores de armas de destruiçao em massa. Mano, o cara que criou o Premio Nobel da Paz também criou a dinamite, entendeu a mea culpa? Como disse Virginia Woolf, ha épocas na historia que parecia que nem existia mulher, elas nunca eram mencionadas, so se era uma rainha, ou uma louca, ou uma bruxa que morreria na fogueira em seguida. Outras minorias eram citadas so em caso de massacre delas e a vitoria do opressor.

Masculin, feminin - Godard


25. Quais os dons da Natureza que você gostaria de possuir?
Camuflagem, visao noturna, visao de aguia, veneno de cobra, asas, regeneraçao, queria hibernar que nem urso no inverno. Andar na parede que nem lagartixa deve ser legal, imagine ler um livro deitada no teto sem se preocupar com a gravidade.

26. Como você gostaria de morrer?
Bem rapido, sem ficar moribunda, agonizando, dependendo de terceiros. Ainda bem que a eutanasia vai ser liberada por esses lados, nao tendo cura, quero injeçao letal na veia logo e adeus mundo cruel. Odeio sofrer, sentir dor.

27. Agora, já, como você está se sentindo?
Socorro / Não estou sentindo nada / Nem medo, nem calor, nem fogo /Nem vontade de chorar /Nem de rir Socorro / Alguma alma mesmo que penada /Me empreste suas penas / Eu já não sinto amor, nem dor /Já não sinto nada. Socorro, alguém me dê um coração / Que esse já não bate nem apanha / Por favor! Uma emoção pequena, qualquer coisa! / Qualquer coisa que se sinta /Tem tantos sentimentos / Deve ter algum que sirva

28.Que defeito é mais fácil perdoar?
Sei la, depende da pessoa e da situaçao. Quem sou eu pra ficar olhando pro defeito dos outros, sendo eu tao defeituosa e complicada. Esse papo de perdao é muito coisa do cristianismo pro meu gosto, nao sou obrigada a nada, nem a perdoar se eu nao quiser.

29.Qual é o lema da sua vida?
O lema é nao ter lema


Respondam também, é legal. Nas perguntas chatinhas, faça como eu, responda com letras de musica rsrs

quinta-feira, 27 de agosto de 2015

BEDA dia 27 - Filme + livro: Fahrenheit 451


Fahrenheit 451 é um romance de ficçao cientifica distopica, escrito por Ray Bradbury e publicado em 1953, nos EUA. É mais profético que muito livro de profecia religiosa.
451ºF (232ºC) é a temperatura ideal para transformar um livro em cinzas. A brigada 451 dos bombeiros é encarregada de queimar livros, eles têm como missao entrar nos lares subversivos, dos amantes da literatura e destruir tudo.
Guy Montag é um desses bombeiros. Um dia ele encontra com sua vizinha adolescente, Clarisse, que sempre faz perguntas instigantes para ele, a ponto de ele refletir sobre seu trabalho, o porquê dos livros serem tao perigosos e a razao pela qual ele deveria queima-los todos.  
Caminharam ainda mais um pouco e a garota disse:
— É verdade que antigamente os bombeiros apagavam incêndios em lugar de começá-los?
— Não. As casas sempre foram à prova de fogo, pode acreditar no que eu digo.

Até entao ele fazia seu trabalho mecanicamente, sem jamais questionar.
"Não estou pensando. Apenas estou fazendo como me mandam, como sempre. Você disse “pegue o dinheiro” e eu peguei. Realmente não pensei nisso. Quando começo a fazer as coisas por mim mesmo"?

Sua esposa Mildred era viciada na programaçao da TV e em remédios narcotizantes. Eles quase nao conversam, parecem ter déficit de atençao e memoria curta, nao conseguem nem lembrar quando e onde se conheceram, nem sabem se amam um ao outro, sao conformados com aquela vidinha esquisita.

Beatty é comandante da brigada que conhece varios livros, mas com intuito de combatê-los, inclusive ele diz:
“O Diabo é capaz de citar as Escrituras para atingir seus fins”.
O comandante tinha todo um discurso para convencer as pessoas a nao lerem.

Bem, Montag, pode acreditar, no meu tempo eu tive de ler alguns, para saber do que se tratava, e lhe digo: os livros não dizem nada! Nada que se possa ensinar ou em que se possa acreditar. Quando é ficção, é sobre pessoas inexistentes, invenções da imaginação. Caso contrário, é pior: um professor chamando outro de idiota, um filósofo gritando mais alto que seu adversário. Todos eles correndo, apagando as estrelas e extinguindo o sol. Você fica perdido. 
Ela não queria saber como uma coisa era feita, mas por quê. Isso pode ser embaraçoso. Você pergunta o porquê de muitas coisas e, se insistir, acaba se tornando realmente muito infeliz.Se não quiser um homem politicamente infeliz, não lhe dê os dois lados de uma questão para resolver; dê-lhe apenas um. Melhor ainda, não lhe dê nenhum. Deixe que ele se esqueça de que há uma coisa como a guerra. Se o governo é ineficiente, despótico e ávido por impostos, melhor que ele seja tudo isso do que as pessoas se preocuparem com isso. 
Não as coloque em terreno movediço, como filosofia ou sociologia, com que comparar suas experiências. Aí reside a melancolia. Todo homem capaz de desmontar um telão de tevê e montá-lo novamente, e a maioria consegue, hoje em dia está mais feliz do que qualquer homem que tenta usar a régua de cálculo, medir e comparar o universo, que simplesmente não será medido ou comparado sem que o homem se sinta bestial e solitário. 
Não deixe a torrente de filosofia melancólica e desanimadora engolfar nosso mundo. Dependemos de você. Acho que você não percebe a importância que você tem, que nós temos, para que o nosso mundo continue feliz como ele é hoje.

Montag, de perseguidor passa a ser perseguido porque começou a ler. Conheceu Faber, um professor de inglês aposentado "que havia quarenta anos fora descartado para o mundo, quando a última faculdade de ciências humanas fora fechada por falta de alunos e patrocínio" e depois conheceu um grupo de pessoas, ex-professores ou leitores que decoravam os livros para nao esquecer e transmitia-os de forma oral aos outros.


Vamos à enxurrada de quotes proféticas:

Sobre a rapidez da informaçao no século 20.

Tudo se resume no Twitter e nos memes de internet
Imagine o quadro. O homem do século dezenove com seus cavalos, cachorros, carroças, câmera lenta. Depois, no século vinte, acelere sua câmera. Livros abreviados. Condensações. Resumos. Tabloides. Tudo subordinado às gags, ao final emocionante.— Clássicos reduzidos para se adaptarem a programas de rádio de quinze minutos, depois reduzidos novamente para uma coluna de livro de dois minutos de leitura, e, por fim, encerrando-se num dicionário, num verbete de dez a doze linhas. Estou exagerando, é claro. Os dicionários serviam apenas de referência.
Clique, Fotografe, Olhe, Observe, Filme, Aqui, Ali, Depressa, Passe, Suba, Desça, Entre, Saia, Por Quê, Como, Quem, O Quê, Onde,Hein? Ui! Bum! Tchan! Póin, Pim, Pam, Pum! Resumos de resumos, resumos de resumos de resumos. Política? Uma coluna, duas frases, uma manchete! Depois, no ar, tudo se dissolve! A mente humana entra em turbilhão sob as mãos dos editores, exploradores, locutores de rádio, tão depressa que a centrífuga joga fora todo pensamento desnecessário, desperdiçador de tempo!

Sobre a escolaridade

Faculdade de humanas esta indo pra esse nivel ai e ninguém se importa.
A escolaridade é abreviada, a disciplina relaxada, as filosofias, as histórias e as línguas são abolidas, gramática e ortografia pouco a pouco negligenciadas, e, por fim, quase totalmente ignoradas. A vida é imediata, o emprego é que conta, o prazer está por toda parte depois do trabalho. Por que aprender alguma coisa além de apertar botões, acionar interruptores, ajustar parafusos e porcas? 

Sobre eleiçoes

Desde quando era criança ouvia o papo de gente votar para presidente porque o cara era bonito. Lembro até hoje do Collor, que era um tipao esportista e ja com a Dilma foi o contrario, tinha gente que nao votaria nela porque ela era feia. Com tantos motivos para votar ou nao em uma pessoa, a beleza e a feiura que decide.
— Como todo mundo, eu votei na última eleição e assinei embaixo pelo presidente Noble, é claro. Acho que ele é um dos homens mais bonitos que já chegaram à Presidência.— Ah, mas também com o homem que a oposição lançou para disputar com ele!— Não era grande coisa, não é mesmo? Meio baixinho e feioso, não fazia direito a barba nem sabia se pentear muito bem.— O que deu na oposição para lançá-lo como candidato? Não se pode lançar um baixinho desses contra um homem alto.Além disso... ele resmungava. Metade do tempo eu não conseguia ouvir uma palavra do que ele dizia. E quando eu ouvia, não entendia!— E além disso era gordo, e nem disfarçava com as roupas. Não admira que a maioria esmagadora dos votos fosse para Winston Noble. Até os nomes ajudaram. Basta comparar Winston Noble com Hubert Hoag por uns dez segundos para adivinhar o resultado.

Sobre a televisao e as midias em geral

Tem gente que acredita piamente no que o Bonner diz
O televisor é “real”. É imediato, tem dimensão. Diz o que você deve pensar e o bombardeia com isso. Ele tem que ter razão. Ele parece ter muita razão. Ele o leva tão depressa às conclusões que sua cabeça não tem tempo para protestar: “Isso é bobagem!”.

Sociedade do espétaculo despreocupada com a leitura e com a realidade

“Os bombeiros raramente são necessários. O próprio público deixou de ler por decisão própria. Vocês, bombeiros, de vez em quando garantem um circo no qual multidões se juntam para ver a bela chama de prédios incendiados, mas, na verdade, é um espetáculo secundário, e dificilmente necessário para manter a ordem. São muito poucos os que ainda querem ser rebeldes”. 

Outros fragmentos

"Mais esporte para todos, espírito de grupo, diversão, e não se tem de pensar, não é? Organizar, tornar a organizar e superorganizar super-superesportes. Mais ilustrações nos livros. Mais figuras. A mente bebe cada vez menos. Impaciência. Rodovias cheias de multidões que vão pra cá, pra lá, a toda parte, a parte alguma. Os refugiados da gasolina. Cidades se tornam motéis, as populações em surtos nômades, de um lugar para o outro, acompanhando as fases da lua".
"Um livro é uma arma carregada na casa vizinha".
"Será porque estamos nos divertindo tanto em casa que nos esquecemos do mundo? Será porque somos tão ricos e o resto do mundo tão pobre e simplesmente não damos a mínima para sua pobreza? Tenho ouvido rumores; o mundo está passando fome, mas nós estamos bem alimentados. Será verdade que o mundo trabalha duro enquanto nós brincamos? Será por isso que somos tão odiados"? 

O filme


O filme homônimo britânico, de 1966, foi dirigido pelo francês François Truffaut e olha... Perfeito! Gostei bastante dos livros citados no filme que sao diferentes dos citados no livro, me deu vontade de lê-los todos. Truffaut mudou um pouco a historia da Clarisse, também o nome da esposa de Montag e o final do filme que é um pouco diferente do livro, acho que ele foi mais otimista que o escritor, por isso sempre digo, o filme nao substitui a leitura.

Os atores Oskar Werner e Julie Christie
A atuaçao da Bee Duffell foi curta, mas foi sensacional, aplaudiria de pé essa mulher no cinema.
Azamigue que se encontram para verem tv juntas, parece umas pessoas que se encontram, mas cada uma fica olhando para tela do celular. Acho uma falta de respeito tao grande.

Conversa com Ray Breadbury

Tem como nao amar esse escritor, apos essa entrevista? (em inglês)


Agora estou pensando qual livro eu decoraria para leva-lo na mente, se um dia fosse necessario...

O livro e o filme fazem parte do meu projeto "Literatura na sétima arte"  12/100

quarta-feira, 26 de agosto de 2015

BEDA dia 26: Filme + Livro: A insustentavel leveza do ser


Terminei a leitura do livro "A insustentavel leveza do ser", do escritor tcheco, naturalizado francês, Milan Kundera, é meu primeiro contato com a obra dele.
Narra a historia do ponto de vista da burguesa tcheca, sobre a vida artistas e intelectuais na época da invasao do exército russo na entao Tchecoslovaquia (hoje sao dois paises: Republica Tcheca e Eslovaquia), época conhecida também como Primavera de Praga, em 1968.
A ideia de leveza e a dureza (ou fardo), vêm do poema intitulado "Sobre a Natureza e sua permanência", do filosofo grego Parmênides.

Foi a questão com que se debateu Parmênides, no século VI antes de Cristo. Para ele, o universo estava dividido em pares de contrários: luz-sombra; espesso-fino; quente-frio; ser-não ser. Considerava que um dos pólos da contradição era positivo (o claro, o quente, o fino, o ser) e o outro, negativo. Esta divisão em pólos positivos e negativos pode parecer de uma facilidade pueril. Exceto num caso: o que é positivo: o peso ou a leveza?
Parmênides respondia que o leve é positivo e o pesado, negativo. Tinha razão ou não? O problema é esse. Mas uma coisa é certa: a contradição pesado-leve é a mais misteriosa e ambígua de todas as contradições.
Portanto, o fardo mais pesado é também, ao mesmo tempo, a imagem do momento mais intenso de realização de uma vida. Quanto mais pesado for o fardo, mais próxima da terra se encontra a nossa vida e mais real e verdadeira é.
Em contrapartida, a ausência total de fardo faz com que o ser humano se torne mais leve do que o ar, fá-lo voar, afastar-se da terra, do ser terrestre, torna-o semi-real e os seus movimentos tão livres quanto insignificantes. Que escolher, então? O peso ou a leveza?
Sabina representa a leveza, é uma pintora, nao é apegada a nada e a ninguém, prefere ser amante de homens casados a ter uma relacionamento sério, nao esconde o que é, dança conforme a musica, pensa no seu proprio bem estar e nao nos problemas politicos, sociais ou nas esposas de seus amantes, ela foge dos problemas. Se fosse hoje, ela teria varios followers nas redes sociais:

Para Sabina, viver na verdade, não mentir nem a si próprio nem aos outros, só é possível se não houver público nenhum. A partir do momento em que os nossos atos têm uma testemunha, quer queiramos quer não, adaptamo-nos aos olhos que nos observam; e, a partir de então, nada do que fazemos é verdadeiro. Ter um público, pensar num público, é viver na mentira. Sabina despreza aquele tipo de literatura em que o autor revela não só toda a sua intimidade, como também a dos amigos. Quem perde a sua intimidade, perde tudo, pensa Sabina. E quem renuncia voluntariamente a ela é um monstro. Por isso, Sabina não se importa de ter uma relação clandestina. Bem pelo contrário, para ela, é a única maneira de viver na verdade. 
Até aqui, os momentos de traição exaltavam-na e ficava sempre cheia de alegria só à idéia do novo caminho que se abria e da aventura sempre nova da traição que a esperava no fim da viagem. Mas que aconteceria se a viagem acabasse? Pais, maridos, amores, pátrias podem trair-se, mas o que resta para trair quando já não houver pais, nem marido, nem amor, nem pátria?

A pobre da Tereza é a representaçao da dureza mesmo, era servente em um bar quando conheceu o médico Tomas, casa com ele e é conivente com suas traiçoes. Tinha vida simples, mas nao era burra, o que chamou atençao de Tomas ao vê-la, foi o fato de ela estar com o livro de Tostoi, Ana Karenina e depois de aprender com ela a gostar de Beethoven. Torna-se fotografa durante a revoluçao e passa suas fotos para a imprensa internacional. So que ela é fragil, insegura e carente, tenta ser verdadeira e fiel na maior parte do tempo e quando comete um deslize, se ferra.
Tomas é o personagem que menos me cativou, era um mulherengo incuravel, nao resistia a um rabo de saia, ha longas e cansativas descriçoes sobre cada um dos seus casos no livro. So que as mulheres significavam o medo dele, ou seja, estar com uma mulher, era vencer seus proprios temores.
"Só lhe ficara o medo das mulheres. Desejava-as, mas elas atemorizavam-no".

Apesar da minha descriçao rasa e rapida sobre os personagens, o livro nao é so sobre casos amorosos, é muito além, é sobre politica, filosofia, sobre exilio, sobre escolhas e suas consequencias, sobre a condiçao humana em situaçoes adversas, a vida deles serao mudadas e nada sera como foi anteriormente. Mostra que nao existe situaçao preta ou branca, ha todas as nuances de cinzas no meio e o que esta no meio é mais comum do que o que esta nas extremidades, nao ha uma verdade absoluta, um certo ou um errado, o bonito e o feio, tudo isso depende de um ponto de vista, o fardo pesado pode vir a ser leve, e a leveza por virar um fardo.
"Não há forma nenhuma de se verificar qual das decisões é melhor porque não há comparação possível. Tudo se vive imediatamente pela primeira vez sem preparação. Como se um ator entrasse em cena sem nunca ter ensaiado. Mas o que vale a vida se o primeiro ensaio da vida já é a própria vida? É o que faz com que a vida pareça sempre um esquisso. Mas nem mesmo ''esquisso'' é a palavra certa, porque um esquisso é sempre o esboço de alguma coisa, a preparação de um quadro, enquanto o esquisso que a nossa vida é, não é esquisso de nada, é um esboço sem quadro".

Outros fragmentos do livro:

Sobre viver fora
"Quem vive no estrangeiro deixa de ter por debaixo de si a rede de segurança que é; para todo o ser humano, o país natal, o país onde se tem a família, os colegas, os amigos e onde é fácil fazermo-nos entender na língua que conhecemos desde crianças".

Sobre o excesso de informaçao e o abandono dos arquivos
"Numa sociedade rica, as pessoas não têm necessidade de trabalhar com as mãos e podem consagrar-se a uma atividade intelectual. Há cada vez mais universidades e cada vez mais estudantes. Estes, para obterem os seus canudos, primeiro têm que fazer uma tese sobre um dado tema. E não é difícil arranjar um tema, porque basta glosar o que já foi dito. E como tudo pode ser glosado, há um número infinito de temas. E assim, cada vez há mais e mais resmas de papel enegrecido amontoadas em arquivos ainda mais tristes do que cemitérios, porque ninguém lá entra, nem mesmo no dia de Todos os Santos. A cultura está a desaparecer numa infinidade de produtos, numa avalanche de letras, na demência da quantidade. Acredita em mim: um único livro proibido no teu antigo país tem um significado infinitamente maior do que os milhões de palavras escarrados pelas nossas universidades".

Gente que inventa uma classificaçao de livros bem peculiar:
"Marie-Claude prosseguiu: Foi no hospital que comecei a classificar os livros em duas categorias: os diurnos e os noturnos. E é mesmo verdade! Há livros para ler de dia, e outros que só se podem ler à noite".

Fragmentos diversos:
"A maior parte das vezes, para escapar ao sofrimento refugiamo-nos no futuro. Julgamos que a pista do tempo tem uma linha marcada para lá da qual o sofrimento presente há-de cessar".
"As idéias também podem salvar a vida".
"Es muss sein"? (tem de ser?)
"Antes de nos esquecerem, hão-de transformar-nos em kitsch. O kitsch é a estação de correspondência entre o ser e o esquecimento".
"Sempre admirei as pessoas que acreditam em Deus. Achava que tinham o dom estranho de uma percepção para-sensorial que a mim me é negada".

O filme



O filme homônimo, foi dirigido pelo americano Philip Kaufman, com belissimas atuaçoes de Daniel Day-Lewis (Tomas), Juliette Binoche (Tereza) e Lena Olin (Sabina). O filme tem quase 3h de duraçao, mesmo assim nao conta toda a historia do livro, é focado mais na historia da Tereza e do Tomas, alguns personagens importantes como o Simao por exemplo, nem é citado no filme e nao é mostrada a historia do Franz até o final, ele simplesmente desaparece. Um filme nunca substitui o livro, é apenas uma adaptaçao. Porém o filme é muito bom! Vale a pena assisti-lo. Assisti nos anos 90 e agora novamente para comparar com o livro e ele nao deixou de me surpreender.

Sabina e Tereza



O livro e o filme fazem parte do meu projeto "Literatura na sétima arte"  11/100

sábado, 15 de agosto de 2015

BEDA 15: Livro + Filme: O vendedor de passados


Li "O vendedor de passados", do escritor angolano, José Eduardo Agualusa. E a primeira vez que tenho contato com a escrita dele e fiquei bem contente em descobri-la. 
A historia é narrada por uma lagartixa (osga), chamada Eulalio que vive na casa de Félix Ventura, um negro albino, falso genealogista que tem por missao criar um passado ficticio e interessante para pessoas que hoje sao influentes na Angola, mas que vieram do nada, nao têm um passado decente.
Tanto o livro quanto o filme joga com a realidade, a fantasia, a verdade, a mentira, o sonho, é como as redes sociais, a aparência, o marketing pessoal, a gana de se promover conta mais que a vida real sem graça. 
Cai na pegadinha da musica da cantora brasileira Dora, a cigarra, achei que fosse verdade, foi tao convincente o que ele disse que fui caçar a mulher na internet e nao achei nada sobre ela e nem sobre a musica.
Escolheu um disco de vinil e colocou-o no prato do velho gira-discos. “Acalanto para um Rio”, de Dora, a Cigarra, cantora brasileira que, suponho, conheceu alguma notoriedade nos anos setenta. Suponho isto a julgar pela capa do disco. É o desenho de uma mulher em biquíni, negra, bonita, com umas largas asas de borboleta presas às costas. “Dora, a Cigarra – Acalanto para um Rio – O Grande Sucesso do Momento”. A voz dela arde no ar. Nas últimas semanas tem sido esta a banda sonora do crepúsculo. Sei a letra de cor. 
Nada passa, nada expira
O passado é
um rio que dorme
e a memória uma mentira
multiforme.
Dormem do rio as águas
e em meu regaço dormem os dias
dormem
dormem as mágoas
as agonias,
dormem.
Nada passa, nada expira
O passado é
um rio adormecido
parece morto, mal respira
acorda-o e saltará
num alarido. 

Fragmentos grifados:

(na minha primeira morte eu não morri)
Um dia, na minha anterior forma humana, decidi matar-me. Queria morrer completamente. Tinha esperança de que a vida eterna, o paraíso e o inferno, Deus e o Diabo, a reencarnação, tudo isso, fossem apenas superstições urdidas demoradamente, ao longo de séculos e séculos, pelo vasto terror dos homens. Comprei um revólver numa armaria, apenas a dois passos da minha casa, mas onde nunca tinha entrado antes, e cujo proprietário não me conhecia. Depois comprei um livro policial e uma garrafa de genebra. Fui para um hotel na praia, bebi a genebra com desgosto, em largos goles (o álcool sempre me repugnou), e estendi-me na cama a ler o livro. Achava que a genebra, somada ao tédio de um enredo ingênuo, me daria a coragem necessária para encostar o revólver à nuca e apertar o gatilho. O livro, porém, não era mau – e eu li-o até ao fim. Quando cheguei à última página começou a chover. Era como se chovesse noite.
Explico melhor: era como se do céu caíssem grossos fragmentos desse oceano escuro e sonolento no qual navegam as estrelas. Fiquei à espera de as ver cair, quebrando-se depois, com grande brilho e clamor, de encontro às vidraças. Não caíram. Apaguei o candeeiro. Encostei o revólver à nuca, e adormeci.
 
"A coragem não é contagiosa; o medo, sim". 
"Já reparou que tudo o que é inanimado descolora ao sol – mas o que é vivo ganha cor?" 
"Entre a vida e os livros, meu filho, escolhe os livros". 
"Chorei, aliás, lágrimas mais autênticas pela morte de alguns personagens literários do que pelo desaparecimento de muitos amigos e parentes". 
"Dê-me licença para citar Montaigne – nada parece verdadeiro que não possa parecer falso. Existem dezenas de profissões nas quais saber mentir é uma virtude.
Indique-me agora uma profissão, uma única, que não se socorra nunca da mentira, e na qual um homem que apenas diga a verdade seja efectivamente apreciado?"
 
"Existem pessoas que revelam, desde muito cedo, um enorme talento para a desventura. A infelicidade atinge-os como uma pedrada, dia sim, dia não, e eles recebem-na com um suspiro conformado". 
"Só somos felizes, verdadeiramente felizes, quando é para sempre, mas só as crianças habitam esse tempo no qual todas as coisas duram para sempre" 

O filme


O filme homônimo é dirigido pelo Lula Buarque de Hollanda e a historia é um pouco diferente, o genealogista nao é um albino angolano, é um jovem negro carioca, além de limpar o nome da pessoa e dar um passado digno, também da um passado criminoso para sua cliente, a pedido da mesma.
A personagem Clara do filme é a Ângela Lúcia do livro.


- spoiler- se vc quer ler o livro, pule essa parte
O livro é dividido por capitulos, alguns deles sao intitulados como "sonho" e enumerados de 1 a 6. Isso induz o leitor a pensar que trata-se realmente de sonhos, mas Félix escreve em seu diario:
"Vem-me à memória a imagem a preto e branco de Martin Luther King discursando à multidão: eu tive um sonho. Ele deveria ter dito antes: eu fiz um sonho. Há alguma diferença, pensando bem, entre ter um sonho ou fazer um sonho.Eu fiz um sonho".
Os sonhos eram uma invençao da cabeça dele, nada é o que parece ser. Para mim, ficou bem claro no filme essa jogada de imaginaçao x realidade, talvez porque li o livro antes e ja sabia que isso iria acontecer, mas vi que quem so assistiu ao filme ficou meio perdido e nao soube entender isso muito bem.
- fim do spoiler -

 A nota do filme no Filmow esta bem baixa e os comentarios sao bem negativos, porém eu gostei, nao é nenhuma obra prima do cinema, nao é melhor que o livro, mas é um filme bem feito.

Fazia tempo que nao via um filme brasileiro e nem lia um autor africano.

O livro e o filme fazem parte do projeto "Literatura na sétima arte" 

sexta-feira, 14 de agosto de 2015

BEDA dia 14: Procura-se desesperadamente por Iribarren

Cadê os livros do Karmelo C. Iribarren nas livrarias ou nas bibliotecas? Cadê as traduçoes em português ou em francês? Minha alma tem sede de escritores boêmios desesperançosos. Preciso devorar todas as obras desse cara de uma vez, até morrer de overdose poética.



AL LÍMITE

Tienes veinte años,
tienes a la vida
por el cuello
a tu merced;
pero no es suficiente,
quieres más.

Conozco 
esa sensación.
te deseo mucha suerte,
la vas a necesitar.

MADRID, METRO, NOCHE

Gente
exhausta,
con la vista 
clavada
en el suelo,

preguntándose
por la vida,
la de verdad...

porque no puede ser
que sea
solo eso...

CONVIENE NO OLVIDARLO

No hay nada
gratis. Ni siquiera
lo que es gratis es gratis de verdad.
Siempre 
te lo descuentan
de algún sitio.

COMO TÚ

Mujeres como tú
son las que consiguen 
que se declaren 
las guerras
y que algún general
que otro
llegue incluso
a escuchar
el silbido
de las balas.



BEDA (blog post for every day in August), é um post para cada dia do mês de agosto.

sábado, 8 de agosto de 2015

BEDA DIA 8 - Filme + livro: Livre


Terminei a leitura do livro de memorias da Cheryl Strayed, "Livre", onde ela narra a razao pela qual aos 26 anos de idade, decidiu fazer a trilha "The Pacific Crest" (PCT) que tem 4240 km, atravessando os EUA pelo pacifico desde a fronteira do México até a fronteira do Canada, como podem constatar no mapa abaixo. Cheryl começou a trilha em Mojave e nao na fronteira do México.

Imagem via Warrior Hike
"Foi uma mulher quem primeiro imaginou a PCT. Era uma professora aposentada de Bellingham, em Washington, chamada Catherine Montgomery.
Em uma conversa com o escritor e montanhista Joseph T. Hazard, sugeriu que deveria haver uma “trilha alta contornando os picos de nossas montanhas ocidentais” de fronteira a fronteira. O ano era 1926."


Cheryl veio de uma familia desestabilizada, desde pequena ela e seus irmaos viram sua mae ser vitima de violência conjugal, ela casou muito jovem, embora seu marido fosse um cara bacana, nao estava preparada para levar um casamento à sério, involveu-se com heroina e acompanhou o sofrimento de sua mae vitima de câncer. Todos essas derrotas e perdas quotidianas fizeram com que ela tomasse a decisao de sumir, de se perder para se encontrar, numa caminhada solitaria, no meio da natureza selvagem, sem nunca ter feito uma triha na vida e sem preparaçao fisica e psicologica adequada.

Fiquei interessada em alguns livros que ela citou, vou deixar a listinha aqui para procura-los na biblioteca, gosto de livros que inspiram e mudam a vida de pessoas como ela.

O despertar, de Kate Chopin,
A filha do otimista, de Eudora Welty,
Enquanto agonizo, de William Faulkner,
O sonho de uma língua comum, de Adrienne Rich,
The Ten Thousand Things, de Maria Dermout.

O livro tem trilha sonora também, eis aqui algumas musicas citadas (parava a leitura para escuta-las):

CD Joshua tree, do U2
CD Colors of the Day, de Judy Collins
Musica Something About What Happens When We Talk, de Lucinda William
Musica Paper roses, de Donny & Marie Osmond
Musica Love Struck Baby, de Stevie Ray Vaughan
Musica Texas flood, de Stevie Ray Vaughan


Cheryl e sua mochila

O filme



O filme é dirigido pelo Québecois Jean-MarcVallée, o mesmo diretor Dallas Buyers Club e tem a Reese Witherspoon interpretando a Cheryl. Vi o filme antes de ler o livro e gostei bastante. A Reese esta cada vez melhor como atriz, amo-a desde Johnny e June. O livro é mais rico em detalhes, obviamente, mas o filme mostra as imagens dos locais onde ela passou, a fotografia do filme é linda e complementou o que apenas estava no imaginario de quem leu o livro primeiro e nao tinha ideia de com é a paisagem da trilha.

Consideraçoes finais

Eu nao teria coragem de fazer essa trilha sozinha, tenho pavor de urso, de cobra, de deserto, de neve, da solidao, passar dias sem ver um ser humano me assusta. Tiro meu chapéu pra ela.

Este livro faz parte do projeto #LeiaMulheres, do projeto "Literatura na sétima arte" e do projeto "Escritores peregrinos".
Este filme faz parte do projeto "Literatura na sétima arte" e do projeto "Diretores do Québec"