sábado, 14 de junho de 2025

Literatura BRICS: Relatos de viagem de escritores brasileiros na URSS e China. Parte 2: Jorge Amado e Zélia Gattai

Nesta publicação, continuidade da anterior, irei comentar sobre dois livros que relatam as viagens de Zélia Gattai e Jorge Amado na URSS e China:

  • Jardim de Inverno, de Zélia Gattai, Companhia das Letras, 296 p.
  • Navegação de cabotagem - apontamentos para um livro de memórias que jamais escreverei, de Jorge Amado, Cia das Letras, 508 p.

"Jardim de Inverno" é um livro de memórias no exílio de Zélia Gattai. Em 1947, começo da Guerra Fria, Jorge Amado era deputado federal pelo Partido Comunista do Brasil que foi colocado em ilegalidade e os mandatos dos parlamentares foram cassados. Eram vigiados e começaram a ser presos. Livros de Jorge Amado foram apreendidos como subversivos, então ele se exilou na França por um tempo, mas também perderam o permis de séjour e foram para a então Tchecoslováquia. Zélia narra o tempo em que passaram lá, as viagens para a URSS, para China e vários outros países, os amigos que fizeram, o nascimento da filha, o filho que com 2 anos falava português, francês e tcheco, etc. Ela é uma ótima contadora de "causos".

Zélia em Moscou, 1948. Foto arquivo Fundação Casa de Jorge Amado

Zélia tem uma visão mais crítica e detalhada dessas viagens, ao mesmo tempo que ela estava empolgada com tudo, ela também tinha um choque de realidade e mostrou que nem tudo eram flores. Já Jorge Amado preferiu se abster de opiniões negativas sobre esses lugares.

Começarei com a viagem para a Rússia e em seguida para a China. Tudo começou quando Jorge Amado foi laureado com o Prêmio Stalin da Paz que antes chamava Prêmio Lenin. Este prêmio parece o Nobel, criado como mea culpa, talvez. Alfred Nobel inventou a dinamite, tinha fábricas de tanques de guerra e criou o Prêmio Nobel da Paz. Como disse George Orwell, Guerra é paz.

PRÊMIO STALIN DA PAZ

Um telegrama de Ehrenburg, enviado de Moscou, anunciava a Jorge que lhe fora concedido o Prêmio Internacional Stalin da Paz.

 A cerimônia solene da entrega do prêmio a Jorge realizou-se no grande salão da Academia de Ciências da União Soviética, lotado por inúmeros amigos, escritores e altas personalidades. Ao fundo, suspensos na larga parede, enormes retratos de Lênin e Stalin. Como de praxe, o Presidente da Academia, após proferir umas palavras de louvor ao premiado, colocou-lhe a medalha no peito, entregou-lhe o diploma. Ilya Ehrenburg o saudou com palavras cálidas e afetuosas. Os dois amigos se abraçaram, emocionados.

Se você quiser saber mais sobre o Ehrenburg, deixo aqui um artigo do site Janela para Rússia que é uma ótima fonte de informação sobre este país: 5 curiosidades sobre Ehrenburg, o amigão de Jorge Amado que previu Hiroshima e deu nome a uma era.
Amado e Ehrenburg em Moscou
MOSCOU
A cada estada em Moscou eu lavava a alma, tirava a forra! Assistia aos mais maravilhosos espetáculos de teatro, espetáculos de todos os gêneros, peças representadas por grandes atores, bailes dançados pelos maiores bailarinos do mundo. Desta vez, no entanto, não pudera assistir a tudo que desejava. O tempo era curto demais para atender a tantos convites e solicitações.
Depois da premiação,  foram de trem, o Transiberiano, até a Sibéria, com duração de 5 dias e lá pegaram o avião para China.
Jorge Amado e Nicolás Guillén no Transiberiano

O CONVITE DE MEUS SONHOS
Emi Siao telefonara-lhe de Praga para anunciar que havia chegado, por seu intermédio, um convite para nós dois, da União de Escritores Chineses, visitarmos a China.
Jorge sabia do meu encanto pela China, de meu enorme desejo de conhecê-la. Durante toda a vida, desde criança, eu tivera curiosidade por esse país tão imenso e tão distante, tão cheio de magias e de belezas, sem nunca ter imaginado vê-lo de perto, assim como jamais me passaria pela mente ir à Lua, Marte ou Vênus. Para mim a China era inatingível, nada além de sonho. Após a vitória da Revolução Socialista em 1949, no entanto, passei a alimentar a esperança de uma possibilidade.
 Eles chegaram na China junto com Pablo Neruda e sua esposa Matilde:
Neruda e Matilde Urrutia
No aeroporto, à nossa espera, estavam o poeta Ai Qin, um representante do Ministério da Cultura e um intérprete de francês. Tanto nós quanto os Neruda éramos hóspedes da União de Escritores. Àquela altura, vários livros de Jorge já estavam traduzidos e publicados na China: São Jorge dos Ilhéus, Seara Vermelha e O Cavaleiro da Esperança. Terras do Sem Fim tinha sido reeditado pouco antes, e sua popularidade entre os leitores chineses crescera muito. Neruda também era muito festejado, não apenas por sua atuação política como, sobretudo, por seus poemas traduzidos para o chinês.

  

Jorge Amado, Zélia Gattai, Pablo Neruda e Matilde Urrutia recebidos por Ding Ling e outros/as escritores/as chineses em Pequim, 1957. Fonte: Tricontinental

Depois desse depoimento, ela teve o primeiro choque de realidade, enquanto atravessavam de barco de Kuo-Ming a Pequim, pelo rio Yangtze, o intérprete traduziu o jornal que estava lendo e eles perceberam que a situação política não era a das melhores. Ela começa a frase com a palavra “possivelmente”, ou seja, pode ser paranoia da minha cabeça ou pode ser pior do que eu imaginava, mas historicamente já sabemos do resultado da Revolução Cultural, se foi bom ou ruim cabe a cada um julgar por si próprio.
Possivelmente, o jornal publicava notícias que deixavam transparecer a situação calamitosa que se instalara na China: a era do sectarismo e do patrulhamento ideológico, início das perseguições, sobretudo aos intelectuais e artistas, do medo das "críticas" que podiam resultar em prisão e desterro. Fase negra da vida chinesa que viria culminar com a chamada Revolução Cultural, que atiraria ao cárcere e ao desterro os poetas Emi Siao e sua mulher Eva, o próprio Ai Qin, a escritora Ting Ling e tantos outros intelectuais amigos nossos.
Ching Ling e Pablo Neruda

Fui procurar saber mais sobre a Ting-Ling (ou Ding Ling ou Ching Ling) e achei um artigo ótimo do boletim de arte Tricontinental:  A criação é uma ação política, e um escritor é uma pessoa politizada. Ela parecia ser uma pessoa incrível.

Zélia afirmou:

Ao regressar ao Brasil, Jorge publicou na Coleção Romances do Povo, que dirigiu para uma editora do Rio, a tradução de um dos romances mais populares de Ting-Ling: O Sol sobre o Rio Sang-Geang. 

E eu questionando para mim mesma: Gente, cadê essa tradução? Ela existiu porque achei a foto da capa (imagem ao lado) nos arquivos da Cambridge University Press.
Como a curiosidade matou o gato, fui pesquisar sobre esta coleção “Romances do Povo”, nunca vi esses livros em lugar nenhum. Deparei com uma tese intitulada “A Editoral Vitória e as edições comunistas no Brasil: da legalidade ao golpe (1944-1964)”, de Vinicius de Oliveira Juberte, USP, 2023. A resposta está nos capítulos 4 e 5.

Achei algumas obras dela apenas em inglês. Penei para encontrar informações dessas pessoas ou suas obras, principalmente nas mídias ocidentais. Posso afirmar que é um apagamento histórico intencional, com a ditadura na América Latina, os livros sino-soviéticos desapareceram.
Voltarei a falar no próximo post desses escritores chineses mencionados. O plot twist quando fui consultar algumas fontes chinesas, fui atrás de informaçoes e voltei com fofocas edificantes.

Depoimento sobre a programação turística:
OS PROGRAMAS 
A União de Escritores traçara um roteiro para nossa estada: além de Pequim, viagens a Hang-Zhou e a Xangai. Em Pequim visitaríamos o Palácio de Verão, o Palácio Imperial, a Cidade Proibida com o Templo do Céu e o Templo da Terra, iríamos ver de perto a Grande Muralha. Seríamos recebidos na União de Escritores para um encontro com ficcionistas e poetas, e, nos roteiros noturnos, o forte seria o teatro. Pedimos que incluíssem no programa algumas tardes livres, queríamos sair andando pelas ruas ao deus-dará, sem compromisso, como tanto gostamos de fazer. 
A GRANDE MURALHA

A pessoa que nos acompanhara na visita à Grande Muralha sabia tudo sobre a construção daquela obra única, construção que data de três séculos antes de Cristo.

Se a distância ela me impressionara, parecendo-me uma serpente descomunal, de perto me esmagara. Nosso acompanhante devia ser um especialista no assunto, sabia na ponta da língua datas, cifras, dimensões… Tudo muito instrutivo, mas eu não conseguia prestar atenção ao que ele dizia, no estado de emoção em que me encontrava. Aliás, sempre fui de opinião que explicações diante de uma obra de arte, em vez de ajudar, atrapalham. Nas excursões, por exemplo, enquanto o guia turístico dá sua aula ao grupo que o acompanha, as pessoas, ao prestarem atenção ao que ele diz, deixam de apreciar, livremente, de se emocionar diante de um quadro ou de uma escultura, para em seguida esquecer todas as datas, locais, títulos de nobreza etc. que o erudito guia lhes declamou momentos antes.

Foram conhecer o atelier do Qi Baishi, levou um tempo para eu entender que em português se fala Chi-Pai-Che. Eu tenho um livro de artes dele, eu fiquei até emocionada com o privilégio que eles tiveram de conhecê-lo e de adquirir suas obras. Também fiquei chocada ao saber (contra a minha vontade) que ele era eunuco. 

Qi Baishi, pintor (1864-1957) + monumento em sua homenagem em Xiangtan, província de Hunan

CHI-PAI-CHE

Ainda existia em Pequim, como já disse, comércio privado, sobretudo de casas de antiguidades. Foi numa dessas lojas que Jorge comprou dois quadros de um pintor famosíssimo, Chi-Pai-Che, considerado um dos maiores artistas contemporâneos da China.

O governo chinês quis homenagear Jorge, que vinha de receber o Prêmio Stalin da Paz, oferecendo-lhe um quadro pintado especialmente para ele por Chi-Pai-Che, com o tema da paz. Certa manhã nos levaram à residência do artista, ele pintaria o quadro em nossa presença. O pintor já passara dos noventa anos e apenas pela manhã tinha energia para pintar. Abriu-nos a porta um ser estranho, um velho eunuco, empregado da casa. Fora castrado em criança para servir no harém do Imperador.

Operação que Chi-Pai-Che realizou em pouco mais de uma hora, sobre a folha de papel virgem. Alcançara, com suas mãos trêmulas, o milagre de transformá-la, diante de nossos olhos, em obra de arte. Com pinceladas firmes, sem nenhuma vacilação, conseguira traçar linhas puras, fizera nascer maçãs frescas e coloridas e um casal de pombos enamorados. Em chinês, hou é pombo e ping, maçã — hou ping significa paz.

Ela gostava de brincar com os amigos chineses sobre a procedência do macarrão. 

BERÇO DO MACARRÃO

Comentei com Liú: — Garanto que na Itália, berço do macarrão, não existem espaguetes deste tamanho… Pelo menos eu não vi…

Senti que Liú ficou picado: — A Itália, berço do macarrão? A camarada está muito enganada… A massa de farinha e ovos, o macarrão, nasceu na China. Quem o levou para a Itália foi Marco Polo.

Nas três viagens que fizemos à China, repeti a brincadeira, provocando os amigos chineses, tirando-lhes a paternidade do macarrão, dando-a aos italianos, que a honram tanto.
As provocações foram sempre revidadas em seguida, cansei de ouvir a história de Marco Polo, o andarilho veneziano que gostou tanto da pasta chinesa que até a levou para a Itália.
Muito me impressionou a forma realista, pé no chão que ela descreveu sobre suas experiências vividas.

Zélia e João embarcando para Europa, 1948. Foto arquivo Fundação Casa de Jorge Amado
Nesse porto de Gênova eu desembarcara em 1948, com uma criança nos braços, no peito muito amor e muita coragem. Houve quem me tachasse de irresponsável, ao ver-me sair mundo afora ao encontro de meu companheiro com um filho pequeno. Agora, em 1952, neste mesmo porto de Gênova, ao partir de volta para casa, eu já não era a moça ingênua que lá aportara, cheia de ilusões, sectária, limitada, com uma visão idealista do mundo. Vivera um tempo longo de saudade e de nostalgia, um tempo dramático de guerra fria, macarthismo, stalinismo, injustiças, desconfianças, acusações e delações: o medo desenfreado condicionando a existência das pessoas. Passara a conhecer melhor a vida. Não fora fácil, mas a gente vai aprendendo sem parar, apanhando para aprender: eu apanhei bastante.
Sofri, mas também tive os melhores momentos de minha vida: pela mão de Jorge corri mundos próximos e distantes, conheci povos e países, convivi com grandes homens, de alguns deles me tornei amiga. Voltava outra mulher, amadurecida, cabeça arejada, disposta a seguir meu rumo sem vacilações.
Na versão de Jorge Amado no livro "Navegação de cabotagem - apontamentos para um livro de memórias que jamais escreverei", é exatamente o que está descrito no título, não tem pretensão nenhuma em escrever memória. Ele declara logo no primeiro capitulo "Moscou, 1952":
Ilya me diz: Jorge, somos escritores que jamais poderemos escrever memórias, sabemos demais. 

 Durante minha trajetória de escritor e cidadão tive conhecimento de fatos, causas e consequências, sobre os quais prometi guardar segredo, manter reserva. Deles soube devido à circunstância de militar em partido político que se propunha mudar a face da sociedade, agia na clandestinidade, desenvolvendo inclusive ações subversivas. Tantos anos depois de ter deixado de ser militante do Partido Comunista, ainda hoje quando a ideologia marxista-leninista que determinava a atividade do Partido se esvazia e fenece, quando o universo do socialismo real chega a seu triste fim, ainda hoje não me sinto desligado do compromisso assumido de não revelar informações a que tive acesso por ser militante comunista. Mesmo que a inconfidência não mais possua qualquer importância e não traga consequência alguma, mesmo assim não me sinto no direito de alardear o que me foi revelado em confiança. Se por vezes as recordo, sobre tais lembranças não fiz anotações, morrem comigo.

O livro dele foca mais em anedotas, no contato com as pessoas que conheceu e choques culturais. No capítulo “Pequim,1987”, ele pergunta ao tradutor Fan Weixin como ele traduziu as patifarias de Vadinho de Dona Flor e seus Dois Maridos e ele respondeu: - Ao pé da letra. 
Depois perguntou à Ting-Li, esposa do Ho-Ping que leu Dona Flor em chinês e inglês, o que ela achava das traduções, ela respondeu:
— Ambas são boas, gostei das duas. Em inglês a história é mais picante, em chinês é mais romântica. Para você ter uma ideia da singularidade de cada uma: em chinês Dona Flor chama Vadinho de volta com o coração, em inglês ela o chama com aquilo que tem debaixo das calcinhas.

— E como se diz em chinês aquilo que ela tem debaixo das calcinhas?

Ting Li sorri, encabulada, pronuncia uma palavra, soou-me linda, um trino de pássaro, me esqueci, que pena.
Moscou, 1957.
Dá gosto ver em Moscou, no Parque Gorki, jovens casais a curtir Puskin e Iessenine, as cabeças encostadas, mãos entrelaçadas nas páginas de um livro.
Outra vez foi em Moscou, vai mais distante. Eram os tempos da abertura de Kruchev, no Teatro de Sátira davam uma peça sobre Maiakowski, a vida do poeta contada através de seus poemas. O texto da peça era composto somente com versos de Maiakowski e com as acusações feitas à sua poesia pelos críticos ideólogos — críticos e ideólogos defecavam insultos e catilinárias de duas latrinas situadas no alto do cenário, crítica latrinária, o asco. No palco quatro atores viviam quatro diferentes Maiakowski: o revolucionário, o amante, o surrealista, qual o quarto? Ou seriam apenas três?
Não falo nem entendo a língua russa, mas a força tão profunda da poesia mexeu com minhas tripas, comovi-me quase às lágrimas. Jamais esquecerei o momento em que Maiakowski suicida penetrou no palco para se dar à morte: entrou declamando o poema com que inculpou Iessenine por se ter suicidado. Arrepiado ouvi.
Jorge Amado, Nazim Hikmet (Turquia), Emi Siao (China), em Moscou, 1953.

Moscou, 1954.
Ele conta que após a derrota da Alemanha, os vinhos da adega do Goebbels, ministro da Propaganda e da Informação na Alemanha nazista, foram postas à venda:
A garrafeira de Goebbels, a maior da Europa, a mais rica em vinhos de classe, confiscados das reservas, das caves mais bem servidas dos países vinícolas ocupadas pelas tropas hitleristas, sobretudo da França. Guardados durante quase dez anos, transladados para anônimas garrafas, em todas o mesmo rótulo: vinho, sem qualquer outra indicação, foram postas à venda por preço mais barato do que o pago pelos vinhos da Moldávia ou da Geórgia.

A família do Ilya saiu em bando para comprar os vinhos. Ilya tinha uma gravura de Pablo Picasso, intitulada Le Crapaud.

Ao bater os olhos no quadro, sapo disforme, desintegrado, o homem do Pravda, teórico do realismo-socialista, estremece nas bases, desvia a vista da ignomínia: a isso os capitalistas chamam arte, exclama à beira da apoplexia. Como é possível que o camarada Eremburg pendure tais excrescências, podridão da burguesia, nas paredes de seu apartamento? E esse tal de Picasso se diz comunista, é o cúmulo.
Ilya interrompe-lhe a catilinária:
— O camarada sabe o título dessa gravura, o que ela representa?
— Não, não sei... O que sei...
— Representa o imperialismo norte-americano.
Humaniza-se o ideólogo, volta a contemplar o quadro, balança a cabeça, livre da ameaça de infarto, pratica a autocrítica:
— O imperialismo norte-americano? Agora entendo, Picasso é membro do Partido francês, não é? Camarada direito, que talento!
No capítulo “Moscou, 1954, complô”, ele conta que a escritora alemã e membro do júri do Prêmio (Stalin) Internacional da Paz, Anna Seghers, pediu encarecidamente aos outros colegas do júri para colocar o nome do Bertolt Brecht na lista dos indicados, pois ele estava sendo perseguido pelo pecê alemão e se ele ganhasse, o pecê o deixaria em paz.
Pablo Neruda, Jorge Amado e Anna Seghers em Paris, 1949
Fosse como fosse, Bertolt Brecht teve o prêmio, o pecê alemão arrepiou carreira, desistiu de incomodá-lo. Incomodar, verbo fraco, nem de longe dá ideia das misérias a que o sujeitariam, o poço de infâmias em que o afundariam.
Parece que o “jeitinho brasileiro” não é so brasileiro. Para mim, todos os prêmios Nobel, Oscar, etc. é tudo à base de panelinha. 
No capítulo "Moscou, 1951", ele fala do tradutor Fedor Keliin:
A Fedor Keliin muito deveram as literaturas de línguas portuguesa e espanhola, hispanista histórico traduziu e divulgou na URSS autores da península ibérica e da América Latina. Houve quem o criticasse por colocar métrica e rima nos poemas de versos livres de Neruda — em russo sou êmulo de Puskin, graceja Pablo —, a verdade é que o bom Keliin se bateu por nossas letras junto às editoras e às revistas literárias. Nos idos de trinta se batia por Eça de Queiroz sem obter êxito, as editoras fechavam as portas ao romancista português.

Capa do livro "Dona Flor e seus dois maridos" em russo, parece aqueles romance hot de banca dos anos 80. 

Falando em tradução, não é à toa que existe o provérbio “tradutor, traidor”. Não apenas na China, mas também na Rússia, as obras de Amado sofreram grandes modificações. Segundo Marina Darmaros descreve em seu artigo, havia cortes em trechos mais sensuais da obra e:

A qualidade das traduções na URSS, porém, é posta em jogo, por vezes, devido a uma quase literal “corrida tradutória” que se trava no país.
Conquanto estavam desobrigadas de royalties, de contratos e até da fidelidade ao original, cortando e adaptando quanto e a que propósito quisessem as obras estrangeiras, por isentas da Convenção de Berna, as editoras, ainda por cima, corriam com as traduções para serem as primeiras a publicar as obras. São Jorge dos Ilhéus, por exemplo, sai com um terço do volume original, traduzido do espanhol, e intitulado “Terra dos frutos de ouro”.
Para ler o artigo completo:
Darmaros, M. (2017). Por que ler Jorge Amado em russo: a cultura soviética revelada na tradução de Gabriela. Tradterm, 28, 223-248. https://doi.org/10.11606/issn.2317-9511.v28i0p223-248

Vou deixar um outro artigo sobre a recepção dos leitores às obras de Jorge Amado na URSS e Rússia:
Elena Beliakova. Jorge Amado e a literatura brasileira na Rússia. Universidade Federal de Tcherepovets, Rússia. https://doi.org/10.4000/amerika.4546
Beliakova também escreveu outro artigo: Jorge, bem amado pelos russos

No capítulo "Pequim, 1952", ele conta que foi à Ópera de Pequim e traduziu tudo errado para os amigos. Com esse tipo de amigo, quem precisa de inimigo, não é mesmo?
Logo na primeira noite de Pequim, deslumbrados, Rosa e Nicolás Guillén, Zélia e eu fomos levados ao teatro para assistir à representação de uma ópera milenar — tudo na China é milenar, o recente tem quinhentos anos. A ópera de Pequim assistida in locum em nada se parece com o espetáculo circense, em geral de alta qualidade, que percorre o mundo sob o mesmo nome. Na China é peça de teatro, texto poético, música estridente, o povo adora. Na sala repleta, os espectadores bebem chá, comem bananas, chupam tangerinas, mascam sementes de abóbora e amendoins enquanto os atores evoluem no palco. Para nós tudo é novidade e encanto.
Naqueles idos eu armava as piores molecagens aos meus amigos, algumas divertidas, outras de mau gosto, quem conviveu comigo foi vítima. Assim o fiz na noite da ópera de Pequim ao ver Nicolás e Rosa em desespero querendo saber o que se passava no palco.
Nicolás e Rosa ficaram na minha dependência, eu lhes repetia em espanhol o que Liu, nosso intérprete, meu e de Zélia, nos traduzia em francês, aliás não repetia nada do que Liu dizia — inventava outra história, e que história! Da mais baixa pornografia.
Decorridos alguns dias fomos recebidos, os quatro, na União dos Escritores Chineses, encontro com os maiorais da literatura e das artes, do teatro e do cinema, com os ideólogos do Partido. Falamos sobre Cuba e Brasil, Nicolás declamou em espanhol, tudo bem, gentilezas, elogios a granel, solidariedade revolucionária, para finalizar os companheiros chineses pediram que opinássemos sobre o que nos era dado ver na República Popular da China.
Nicolás, porém, atendendo à solicitação feita, reclamou um esclarecimento: não entendia por que punham em cena num teatro de Pequim ópera como aquela a que assistira, por que motivo? 
O ideólogo explicou que realmente o conteúdo da ópera era um tanto quanto feudal, o argumento situava-se em passado distante.
Não se tratava de feudalismo e sim de pornografia, replicou Guillén.
Pornografia? Não estou entendendo — estranhou o porta-voz do pecê chinês. Não consegui me conter, o fou-rire se me escapou e descabido ressoou no auditório da União de Escritores. Nicolás fuzilou-me com o olhar, buscou o que dizer, a indignação não lhe permitia encontrar as palavras de cólera para me insultar e condenar. Fitou-me, eu ria, Zélia ria, Rosa entendeu e riu seu riso sonoro das Antilhas, de repente aconteceu o imprevisível, Nicolás se juntou a nós na gargalhada, poucos sabiam rir com tanto gosto. Compadre, me disse entre frouxos de riso, nunca mais vou acreditar em ti.
Discretos, os chineses não fizeram perguntas, mas Rosa exigiu de Zélia o entrecho verdadeiro da ópera, queria saber tintim por tintim a história das guerras e dos amores do Imperador da China e da Favorita, fiel e devotada, casta.

No capítulo Moscou, 1953 - O pranto, ele fala de uma tentativa de assassinato de Stalin orquestrada pelos estadunidenses e médicos judeus:

Desço do avião que nos traz de Viena, a Zélia e a mim, são cinco horas da tarde, noite fechada em Moscou, inverno rude, estamos em janeiro de 1953, voltamos à União Soviética pela primeira vez desde o regresso ao Brasil. Alguns amigos nos esperam no aeroporto, entre eles Vera Kutekhkova, a animação em pessoa: vai nos servir de intérprete durante nossa estada.

Vera Kutekhkova, hispanista russa, membro da Academia de Ciências da URSS e seu esposo Lev Ospovat, hispanista russo, 1980.

Já éramos amigos por correspondência quando nos conhecemos pessoalmente em 1948. Responsável pelas literaturas de línguas espanhola e portuguesa no Instituto Gorki de Literatura Universal, Vera escrevera um ensaio sobre meu trabalho, publicado numa coleção de plaquetes editada pelo Pravda. Para Zélia e para mim, Vera e seu marido Lev, hispanista renomado, autor de livros sobre Lorca, Neruda e Diego Rivera, são nossa família soviética, não precisamos falar para nos entender.
Vera vem tomar conosco o café da manhã, no hotel. Estendo-lhe o exemplar do Pravda, peço-lhe tradução imediata da manchete que ocupa todo o alto da página, parece-me notícia importante. Vera lera o jornal antes de sair de casa, ainda assim, em vez de adiantar a informação, toma da gazeta, traduz. Trata-se do anúncio da descoberta de infame complô norte-americano para assassinar Stalin. Os imundos, os monstruosos agentes da conjura são os médicos, os médicos mais eminentes da URSS, que têm a responsabilidade de zelar pela saúde dos potentados do Kremlin — todos eles judeus, informa o Pravda.

De boca aberta, sem saber o que dizer, o que pensar, vejo Vera em minha frente. Parada, cerra as mãos, morde os lábios, o pranto escorre de seus olhos: não precisamos falar para entender.

 Moscou, 1948 - O incondicional: o português fanático pela ideologia.

Francisco Ferreira, português, trabalha na Rádio de Moscou ao lado de Satva Brandão nas emissões de língua portuguesa, alimenta com ideologia e notícias alvissareiras os camaradas do Brasil e de Portugal, das colônias salazaristas da África. Jovem comunista, participou das Brigadas Internacionais na Guerra da Espanha, com a derrota foi evacuado para a União Soviética. Casou-se com espanhola, é competente radialista, pessoa simpática, cordial e expansiva, capaz de solidariedade humana, como deu provas na dedicação com que se devotou à irmã e à filha de Prestes, Lígia e Anita, exiladas na capital soviética Membro exemplar do partido português, seu sectarismo não tem limites, é total.

Pela primeira vez na URSS, procuro me informar sobre a vida, os costumes, as benesses e as mazelas.

— Ladrões? — O bom Ferreira se exalta: — Na pátria do socialismo, o roubo não existe. Ladrão é coisa do passado, do czarismo.

Na véspera, em armazém do GUM tentaram roubar a bolsa de Zélia por duas vezes, Vera Kuteichkova nos havia recomendo: todo cuidado é pouco, os ladrões pululam. Desmascaro o informante: não seja mentiroso, Chico. Mas o patriota Ferreira não dá o braço a torcer:

—Existem ladrões, sim, não vou esconder, são sobras da guerra. Em compensação são os ladrões mais hábeis do planeta. Na semana passada tomei um ônibus na hora do almoço, ia lotado, só em casa me dei conta: tinham roubado tudo que eu levava em cima de mim, cortaram-me o sobretudo com lâmina de barbear, trabalho tão bem feito, nem senti. Ladrões tão capazes você não vai encontrar em nenhuma parte. — No acento luso o orgulho soviético.

Comentamos as diferenças nos hábitos da vida sexual no ocidente capitalista e no leste socialista. Nosso Ferreira é peremptório:

— Essas degenerescências não existem na União Soviética. — Refere-se ao hábito do adultério: — As mulheres soviéticas são fiéis aos maridos, a moral proletária é rígida, você sabe. Uma aventura, um deslize, infidelidade conjugal — coisas raríssimas, de se contar nos dedos.

As informações que já possuo, de escritores e de operários, faço amigos por onde passo, contradizem a afirmação do incondicional Chico Ferreira. Mais uma vez o desmascaro com bonomia, pois na falsa informação do comuna português não vejo outras intenções além do desejo de salvaguardar a imagem da URSS, para ele sagrada: para ele e para mim, para milhões e milhões na vastidão do mundo.

— Não seja cínico, Chico. As mulheres daqui dão sem que seja necessário se pedir, quem bem sabe é você que vive em ambiente de rádio propício, favorável à putaria. Quer que eu lhe cite exemplos?

 Já no capítulo “Cantão, 1952 - O que sabe melhor”, fala da cultura de comer cachorro:

Na ida para o restaurante Ilya exige que Ting Ling lhe esclareça uma curiosidade: qual a carne de cachorro a saber melhor, a dos criados em cativeiro nos canis dos restaurantes, engordados para o forno e o fogão, ou a dos vira-latas caçados nas ruas pelos pobres?

O hábito dos chineses de prepararem pratos com carne de cachorro — iguaria predileta nas casas de pasto de Cantão, só as serpentes gozam de fama igual — horrorizava Eremburg, que criava com mimos, em seu apartamento de Moscou, três schnawzers de estimação. Posso entender a repugnância de Ilya, até hoje não aceitei provar carne de cavalo.

— Quais os mais saborosos?

Ting Ling furta-se à resposta, busca escapatória, fala de outras excelências, teatro, bale, a flor-de-lótus, Ilya implacável insiste. Por fim a romancista, sem porta de saída, cansada de subterfúgios, baixa a voz, murmura entre dentes:

— Prefiro os vira-latas, a carne é mais saborosa.

Restaurante especialista em pato laqueado, os chineses refinados comem apenas a pele crestada, jogam a carne fora, Ilya come pele e carne, com apetite, nenhuma restrição se lhe escapa dos lábios enegrecidos pelo molho ferrugem. Nem a ele nem a mim: comemos pato e porco, boi e cabrito com gula e gosto, não comer cachorro, cavalo, serpente, apenas preconceito.

Achei que fosse um preconceito ocidental de que chinês come cachorro, então fui no Baidu, o google da China e descobri que comem mesmo, é uma cultura milenar. Eu que nem carne como fiquei chocada, mas ao mesmo tempo tenho a mesma opinião do Amado, que diferença faz comer porco ou cachorro?


O título do artigo é: Há um velho ditado que diz que "cachorro velho tem medo do solstício de verão". Por que os chineses comem carne de cachorro durante o solstício de verão? Qual é o significado?
O artigo mostra que tem havido muitas controvérsias nos últimos anos, especialmente o incidente do "Festival de Carne de Cachorro e Lichia" em Yulin, que gerou uma enorme polêmica interna. A mídia ocidental também aproveitou isso para aumentar a "polêmica" sobre os chineses comerem carne de cachorro.
 

De acordo com uma reportagem de 2016 do El País, 30 milhões de cães são consumidos em todo o mundo a cada ano, e quase metade deles está na China.
É claro que o costume de comer carne de cachorro não ocorre apenas em alguns lugares da China, mas também no nosso país vizinho, a Coreia do Sul.
No entanto, como um país com uma grande população, o costume chinês de comer carne de cachorro se intensificou. Ao longo dos anos, o debate sobre o consumo na China nunca parou. Algumas pessoas acham que comê-la é natural, enquanto outras acham que é uma prática desumana.
O costume de comer carne de cachorro na China tem uma história milenar. Especialmente quando chega o solstício de verão, essa carne é frequentemente mencionada, assim como o "Festival da Lichia e da Carne de Cachorro" em 18 de junho, o solstício de verão em Yulin. Há um antigo ditado popular que diz que "cachorros velhos têm medo do solstício de verão", o que reflete vividamente esse costume.Acredita-se que comer carne de cachorro durante o solstício de verão pode afastar espíritos malignos, nutrir o corpo, resistir a pragas, fortalecer o corpo e aumentar a resistência física. O corpo será capaz de resistir à invasão viral, resistir à invasão de ventos fortes e chuvas pesadas e reduzir o risco de doenças.
Durante as dinastias Qin e Han, o costume de comer carne de cachorro era predominante. Naquela época, todos, desde a família real até os ministros e o povo, gostavam de comê-la e se tornou quase o alimento mais comum na mesa. As pessoas  comiam assim como hoje comem carne de porco e frango. Era bastante popular.
Em certas épocas do passado, a carne de cachorro era muito mais barata do que outras carnes, como a de porco, e era mais fácil e conveniente de obter.
Por exemplo, os habitantes de Yulin têm o costume tradicional de comer carne de cachorro. Nas décadas de 1960 e 1970, o preço da carne de porco era relativamente alto e a oferta, muito limitada. Nem todos com dinheiro podiam comê-la, muito menos aqueles sem dinheiro.
Os coreanos também comem carne de cachorro, principalmente porque, no passado, era difícil para eles obter carne suficiente para repor energia. Como todos sabemos, a Península Coreana é uma região costeira. No passado, quando a produtividade era relativamente baixa, o transporte era inconveniente e a terra e os materiais eram escassos, era difícil para as pessoas obterem carne de alta qualidade em quantidade suficiente.

Video

Como Jorge Amado e Dorival Caymmi encantaram geração inteira na URSS

Estas foram as impressões da Zélia e Jorge nas andanças pela URSS e China. No próximo post, se ainda existir mundo, vou trazer as fofocas de seus amigos comunistas que não valiam um centavo. No post seguinte ao próximo vou colocar a opinião do Jorge Amado sobre a Índia, só faltou ele ir para África do Sul para completar os países do BRICS.

sábado, 7 de junho de 2025

Retrospectiva de maio: habemus papam, Cannes, rei, incêndios, partidas, livros e filmes

Lá se foi o mês 5 de 2025. O que tivemos:

O feriado do Dia do Trabalho na maior parte do mundo, menos no Canadá. Lembre-se coleguinhas, o dia de refletir sobre as condições trabalhistas, a exploração, a  carga horária excessiva e baixos salários é nos 365 dias, ou seja todos os dias do ano (366 se for bissexto).

Habemus papam, é americano, passou muito tempo de sua vida no Peru e escolheu o nome Leo XIV. Como não sou religiosa, isso não significa nada, apenas uma distração e vida que segue. 

Habemus Wagner Moura que é a versão mais nova do papa, segundo os memes. Agora não consigo desver isso. 

Ele ganhou o prêmio de melhor ator e por Kleber Mendonça Filho ganhou de melhor diretor pelo filme “O Agente Secreto”, no Festival de Cannes. Parabéns a todos os envolvidos.


Avisa lá

Em 9 de maio de 2025, comemorou-se os 80 anos da vitória do Exército Vermelho contra o exército nazista alemão, falei sobre isso no post anterior.

Aqui no Canadá tivemos a visita do rei. No comments. Onde moro, le côté français du pays, o sentimento antimonarquia é grande.

Babylon is burning: A cada ano que passa, os incêndios florestais estão mais agressivos e fora do controle, mais de 17 mil pessoas foram evacuadas em Manitoba, a qualidade do ar está comprometida em todo o país, corre o risco de cancelarem a reunião do G7 porque a região está cheia de fumaça.

Obituário


Pepe Mujica se fué, partiu no dia 13 de maio, já tinha mencionado no post anterior, mas falar dele nunca é demais, um dos poucos estadistas no mundo que merece respeito. Vou deixar aqui uns trechos das falas de Mujica que grifei do livro “Chomsky & Mujica: Sobreviviendo al siglo XXI”, de Saul Alvidrez:
La lucha por la libertad no termina nunca, porque en todos los caminos acampan el dolor y el egoísmo. Pero en cada nuevo amanecer renacen la cooperación y la solidaridad, en esa interminable escalera que llamamos civilización

La humanidad en su historia ha hecho muchos desastres sin saber, pero ahora lo hace sabiendo, a conciencia de su autodestrucción.

Cuando yo era joven creíamos que los de izquierda luchábamos por el poder. Ahora creo que la lucha es por la civilización.
Hemos desatado una civilización que no tiene mando político, está gobernada por los intereses de mercado.

El consumismo es parte de esa cultura; es una ética funcional a las necesidades del propio capitalismo en su lucha por la acumulación infinita. El peor problema del capitalismo sería que dejáramos de comprar o que compráramos muy poco; eso sería intolerable para el capitalismo.

Mira, a mí me hicieron pinta de presidente pobre, ¡no entendieron un carajo! Yo no soy pobre; pobre es el que precisa mucho. Mi definición es estoica. El afán del dinero lo que incita es que sigamos comprando permanentemente cosas nuevas, porque eso es lo que permite la acumulación, pero sostener la vida del planeta significa que tenemos que aprender a vivir con lo necesario y no despilfarrar; es exactamente al revés. Ahora, como verás, esta lucha es una épica de carácter.

Somos sociedades de gordos, somos sociedades de sobrealimentados, somos sociedades ahogadas por la cantidad de basura que hacemos; infestamos todo, compramos cosas que no necesitamos y después vivimos desesperados pagando cuentas. Todo eso… ¡hay que plantear otra forma de vivir! Para mí, la izquierda tiene que ser más revolucionaria que nunca.

Los gobiernos están siempre preocupados por quién ganará las elecciones que vienen; los gobiernos en Latinoamérica tienden a mirar a corto plazo y no ven lo importante a mediano y largo plazo. No somos chinos.
Tal vez no puedas cambiar el mundo, pero podés aprender a caminar dentro del mundo sin que la corriente te lleve.

La democracia significa, y tiene que significar, una distribución del poder de decisión entre la gente.
Toda autoridad siempre tiene algo de opresión; el desafío es si somos capaces de crear una civilización sin opresión, es decir, si los hombres somos capaces de gobernarnos a nosotros mismos sin ofender a los otros hombres. En eso soy libertario.

 No podés vivir sin esperanza, porque al final la vida es verde, es sonriente, a pesar de todos los pesares.

 Antropológicamente, el ser humano es un bicho socialista; el devenir y la historia lo hicieron capitalista. Pero tenemos trescientos o cuatrocientos mil años existiendo en grupos familiares de treinta o cuarenta personas, y la peor pena que podía haber era que te echaran del grupo. Los cazadores primitivos no eran dueños del venado que cazaban; cada quien cumplía con lo que tenía que cumplir. Es decir, siempre vivimos en equipo

¿Para qué querés desarrollo económico?, ¿para que la gente viva como en Japón, con una tristeza y una angustia terribles y arrancándose la vida? ¡No, pará! Viven más felices los pueblos aborígenes que están por ahí, solos en la naturaleza.
La libertad de tener márgenes crecientes de tiempo libre cada uno de nosotros para cultivar los afectos, para cultivar las cosas elementales de la vida que nos son gratas y que necesitan tiempo: tiempo para los hijos, tiempo para los amigos, tiempo para la familia, tiempo para las cosas elementales.

 La simple tendencia en el pensamiento humano a preguntarse: ¿Por qué cualquier forma de autoridad —la que sea— es legítima? ¿Por qué es legítimo que alguien tenga autoridad sobre otro? ¿Por qué es legítimo que haya estructuras jerárquicas? Debemos reconocer que ninguna estructura jerárquica se justifica por sí misma; necesitan una justificación para ello. Por lo tanto, cualquier forma de autoridad, dominación y jerarquía debe ser desafiada a justificarse a sí misma, y si no es capaz de justificar su existencia —como suele ser el caso— debe ser desmantelada. Me parece que ese es el principio fundamental del pensamiento y la acción anarquistas a través del tiempo.

Y nosotros tenemos medios que ellos no tenían. Fijate: nosotros la llamamos ahora democracia representativa, y la gente vota una vez cada cuatro o cinco años, ¿y?, ¡¿y?!, ¡¿y eso es todo?! ¿Eso es la democracia? La gente no decide un carajo en nada, no puede juzgar nada, no puede tomar ni la decisión de hacer una zanja al costado de la casa, ¡nada!, porque para todo necesita un burócrata que le ponga el sello y lo autorice.


Perdemos também o fotógrafo brasileiro Sebastião Salgado. Ter contato com a obra dele me marcou profundamente, principalmente o livro fotográfico sobre Serra Pelada. As fotos me levaram a questionar sobre as condições de trabalho que a humanidade tem que se submeter para sobreviver, as desigualdades sociais, o capitalismo, o sistema político e nossa condição subserviente.Todo aquele trabalho desumano do garimpo, sem falar no estrago ambiental, contaminação por mercúrio e outros metais, da violência do exército e da polícia contra os trabalhadores e em defesa das grandes mineradoras.
Mais tarde tive acesso ao livro “Trabalhadores” , impossível não se revoltar contra a exploração do homem pelo homem, tanto esforço por um salário de merda, enquanto os patrões enriquecem desproporcionalmente e ninguém faz nada para impedir. Sua obra faz jus ao provérbio: uma imagem (ou foto) vale mais que mil palavras. 



Filmes


Para meu projeto “Cultura BRICS”, assisti ao filme soviético “O fascismo de todos os dias”, dirigido por Mikhail Romm. Mencionei em um outro post.
Para o projeto David Lynch com o grupo de cinema que faço parte, assistimos ao filme Mulholand Drive, 2001.

Livros



  1. O crime do restaurante chinês: carnaval, futebol e justiça na São Paulo dos Anos 30, Boris Fausto, Cia das Letras, 230 p.
  2. Viagem, Graciliano Ramos, editora Record, 256 p. 
  3. O Brasil antes dos brasileiros: A pré-história de nosso país, André Prous, editora Zahar, 144 p.
  4. The Song of Igor’s Campaign, tradução Vladimir Nabokov, editora Harry N. Abrams, 128 p.
  5. Chomsky & Mujica: Sobreviviendo al siglo XXI, Noam Chomsky, José Mujica, Saúl Alvídrez, editora Debate, 320 p.
  6. SPY×FAMILY 2, Tatsuya Endo, manga, Jump Comics, 194 p. 
  7. Durante aquele estranho chá, Lygia Fagundes Telles, Cia das Letras, 160 p.
  8. Anti-Intellectualism in American Life, Vintage, Richard Hofstadter, 434 p.
E vamos para o mês 6 que já começou com rinha de cachorro grande, como diz em Provérbios: "O orgulho precede a destruição; a arrogância precede a queda." Enfim, espero ver o fim do império mais pernicioso e ignorante da história.

sábado, 17 de maio de 2025

Literatura BRICS: Relatos de viagem de escritores brasileiros na URSS e China. Parte 1: Lygia Fagundes Telles

Li quatro livros de relatos de viagem para a URSS e China, entre as décadas de 50 e 60. Delegações de vários países eram convidadas para participarem de eventos nesses dois países. Essas delegações eram formadas por artistas, escritores, políticos, jornalistas, professores, representantes sindicais e de movimentos sociais.

É uma análise interessante de como esses quatro escritores observaram por si próprios o desenvolvimento desses países. Às vezes é um olhar orientalista, outras vezes são choques culturais, mas a maior parte do tempo eles declaram uma admiração imensa pela força do povo que reconstruíram esses países e lutaram contra o imperialismo ocidental e o capitalismo. Os livros são:

  • Passaporte para China: Crônicas de viagem, de Lygia Fagundes Telles, Companhia das Letras, 2011, 112 p.
  • Jardim de Inverno, de Zélia Gattai, Companhia das Letras, 296 p.
  • Navegação de cabotagem - apontamentos para um livro de memórias que jamais escreverei, de Jorge Amado, Cia das Letras, 508 p.
  • Viagem, de Graciliano Ramos, Editora Record, 256 p.
Estes relatos serão divididos em 3 publicações: a primeira com a Lygia Fagundes Telles, a segunda com Jorge Amado e Zélia Gattai e por último, o relato de Graciliano Ramos. 

Relato da Lygia Fagundes Telles 

Setenta e duas delegações do mundo foram convidadas para o desfile de 1° de outubro de 1960, em Pequim, festejando o 11° aniversário da vitória das forças de Mao Tsé-tung contra os nacionalistas de Chiang Kai-shek, o que resultou na instalação da  da República Popular da Nova China.
As crônicas da viagem foram publicadas semanalmente pelo jornal Última Hora, na década de 1960.
Entre os convidados da delegação brasileira, estava a madame Telezê, como o intérprete chinês, o sr. Wang a chamava. A viagem durou 5 dias, com escalas e pernoites em vários países. Hoje em dia é possível chegar a Pequim em 30h no máximo.
A Lygia parecia uma pessoa bem-humorada e uma ótima companhia de viagem.
Diz o horóscopo que os do signo de Áries não devem de modo algum se arriscar no dia de hoje.
Sou do signo de Áries e daqui a pouco, em plena noite, devo embarcar num avião a jato para a China. Escalas? Dacar, Paris, Praga, Omsk, Irkutsk e finalmente Pequim. Quer dizer, atravessarei quatro continentes: América, África, Europa e Ásia. É continente demais, hein!
O medo de ser confundida com comunista 
Uma velha inglesa perdeu os óculos debaixo do banco. E enquanto ajudo a procurá-los ela me pergunta para onde estou indo. Para a China, respondo. “Você então é comunista?”, ela perguntou e tive vontade de rir porque essa mesma pergunta me fez o jornalista Samuel Wainer lá em São Paulo. Eu ia apressada pela rua Marconi quando ele me fez parar, “Aonde vai com tanta pressa?”. Vou tirar meu passaporte para a China! respondi. Ele ficou me olhando meio perplexo, “Mas você é comunista?”. Achei melhor rir, Não, não sou comunista, sou assim subversiva mas não comunista, nem eu nem os meus companheiros de viagem, é uma delegação de escritores convidados para as festas de outubro, desconfio que foi o Jorge Amado que indicou os nomes e daí lá vai a delegação e eu no meio…
As primeiras impressões na Rússia
Foto do arquivo do site Russia Beyond: Moscou dos anos 1950-1970, do fotógrafo soviético, Boris Kossarev (1911-1989).

Moscou 28/09/1960
Sempre achei o russo assim parecido com o brasileiro, com o nosso caboclo — e agora não me refiro ao frágil Jeca Tatu de Monteiro Lobato, mas ao bravo sertanejo de Euclides da Cunha, um homem do sertão, rude, meio selvagem… e ao mesmo tempo, sentimental. Gosta de cantar, dançar e beber com o mesmo ardor com que se empenha numa luta. E alguns gostam também de exibir os tais dentes dourados.
Esse era um povo triste? Um povo alegre? Impossível generalizar a alegria ou a tristeza do povo que vi através da janela de um táxi mas descobri que era bom o nível econômico, não vi nenhum mendigo estendendo a mão.
As primeiras impressões na China
Madame Telezê em Pequim

Pequim 29/09/1960
Fiquei emocionada, enfim, a Nova China tinha apenas onze anos de idade e a velha China tinha cinco mil anos, pátria dos antigos sábios e mandarins de roupa dourada e palácios de jade. Afinal, o que ficara daquela civilização milenar? Algumas lembranças de dourada sabedoria mas e a miséria? Está claro que essa miséria não poderia ter desaparecido como num passe de mágica, sim, mas como estava essa nova China que íamos conhecer?

Pelo menos reconhecia seus privilégios burgueses e ainda debochava dela mesma 😆

É preciso repetir que a imagem que eu tinha da China era a de uma população demasiado densa para um país demasiado pobre.
Afinal, o burguês não gosta de ficar em contato com uma realidade muito real, ele ama o povo mas é preciso que esse povo fique distante, ninguém quer ouvir as descrições que o escritor Lao Shech fez daquela gente faminta e viciada, comprimida nos bairros sem esgoto e sem água corrente.

A madame Telezê era muito elegante e vaidosa, estava preocupada com as mulheres chinesas que não usavam maquiagem:
Pequim 1 outubro 1960
Ocorre-me fazer-lhe perguntas: Ainda não vi nenhuma chinesa pintada, nem as jovens nem as mulheres maduras usam batom ou mesmo pó de arroz, a mulher na China abriu mão das mais elementares vaidades? Nem brincos, nem anéis, nem unhas esmaltadas…
Ela ficou séria: “O nosso povo acaba de sair de uma fase terrível e que durou dezenas e dezenas de anos, não podemos nos preocupar com ninharias quando ainda há coisas tão importantes a serem resolvidas. Principalmente nós, as mulheres, nunca tivemos sequer o essencial. Então não podemos agora nos dar ao luxo de pensar no supérfluo, temos é que trabalhar. O resto fica para depois”.
Ah! a jovem era parecida com o Wang de fronte pensativa, expressão tão carregada de responsabilidade! Lembrei-me de uma peruana ou colombiana que após alguns dias em Pequim, teria se queixado certa noite ao nosso teatrólogo Guilherme Figueiredo: “Sí, sí, todo es muy lindo, muy bueno… ¡Pero, caramba! ¡Es preciso un poco de corrupción!…”.
Pois a senhora fique tranquila, descanse em paz, porque hoje estão todos maquiados, as meninas, os meninos and everybody in between.

Atrizes chinesas
The 9, c-pop girl group
MR-X, c-pop boy group
 Jackson Wang fazendo publi de batom

Escreveu Mêncio, discípulo de Confúcio e que nasceu por volta de 380 antes da nossa era: “Em primeiro lugar está o povo, em seguida, o país. O rei é o de menos…”.

Guardei também o slogan da capital vermelha: “É preciso que o futuro saia do próprio passado”, o que significa que é preciso respeitar a Velha China, com a tradição dos seus palácios e pagodes para deles tirar a inspirada sabedoria de cinco mil anos de vida.

Diante do mapa, apontando para a China, Napoleão disse um dia: “Eis um gigante que dorme. Quando ele acordar, fará tremer o mundo”.

Ficamos sabendo que o Estado sustenta a Sociedade de Escritores e ainda paga aos escritores um salário mensal. Soubemos também que alguns escritores vivem a serviço da causa socialista e outros, menos ativos, são colaboradores do regime.
Para não perder esse contato constante com o povo, para não ficar distante da realidade, o escritor é obrigado a passar temporadas nos meios agrícolas, junto da terra e do homem da terra, conhecendo seus problemas, a sua luta e o seu sonho. Importante notar que também os governantes são obrigados a essas temporadas para que se humanizem, sintam nessa aproximação a vida real da sua gente na luta pela sobrevivência.

A imagem que ela tinha de Shangai, era a que ela tinha visto em filmes americanos que falavam da guerra do ópio, corrupção, pobreza e prostituição. Porém ela viu com os próprios olhos que não era mais assim.
Delegação brasileira em Shangai


Shangai, 12/10/1960
Meu amor por Shangai foi assim do tipo amor à primeira vista. Gostei muito de Pequim mas foi a lendária Shangai que tocou fundo no meu coração. Pequim é uma cidade reta como um quartel sem soldados mas com o espírito da inflexível disciplina militar. Shangai é assim meio velada e sinuosa, é tão belo o porto central que vi banhado pela luz do luar.
Compreendo agora a razão daquela sombra que passou pelo seu olhar porque para o chinês da Nova China essa Shangai é uma lembrança de humilhação e sofrimento que o estrangeiro ali deixou. Os ocidentais, pequeno-burgueses românticos, ficam mesmo encantados com a beleza da cidade porque não sabem que essa beleza tem gosto de lágrimas e sangue.
Conversa com o poeta peruano Sebastián Salazar:
Pequim, 18/10/1960
Perguntei-lhe se era parente do Salazar de Portugal. Não, não era. E enquanto me oferecia seu livro de poemas, quis notícias políticas do Brasil. Não tardou a pergunta principal: serviria para o Brasil o regime da Nova China?
Minha resposta foi sem hesitações: não. Para o Brasil, não daria certo não. Ótimo, sim, para a China, não para nós. Ele indagou então por que eu pensava assim. Tive um sorriso. Difícil de explicar… Só mesmo quem nasceu no Brasil, só mesmo quem mora no Brasil é que compreende bem porque um regime assim não se adaptaria à nossa gente. O brasileiro é inconstante, indisciplinado… E é nessa indisciplina e nessa inconstância que reside nossa modesta felicidade, respondi. “A gente gosta é de brincar, somos muito brincalhões”, prossegui. E nesse momento, Sebastián Salazar entendeu e sorriu. Tinha passado dois meses no Rio, época do carnaval. Conhecia bem o nosso jeitão…

Concordo com ela, a constância e a disciplina do chinês não vem da Revolução, mas sim do confucionismo. Estou lendo os Analectos de Confúcio e sublinhei um trecho que diz: 

O mestre disse: “Se você tem consciência das próprias palavras e é coerente com elas e se é determinado e reverente ao agir, então até mesmo nas terras dos bárbaros você progredirá. Mas, se falhar em ser consciencioso e coerente em relação às suas palavras ou reverente ao agir, então, mesmo na sua aldeia, conseguiria progredir? Onde você estiver tenha esse ideal à frente”.

É um povo que trata tudo com muita seriedade, respeito, enaltece a sabedoria e a busca pelo conhecimento, tem projetos em comum com a sociedade do qual faz parte e não são individualistas como no ocidente.  

Os outros escritores também elogiaram o comportamento e a disciplina dos chineses.

Para terminar, um video da Lygia dizendo que Clarice Lispector achava que ela tinha um defeito 😆. Essa viagem mencionada deve ter sido ótima, as duas eram muito engraçadas, elas tinham sido convidadas para o 1° Congresso mundial de Bruxaria, em Bogotá, na Colômbia, em 1975. Acharam esquisito, mas uma sagita e uma satanáries nao iriam perder um evento desses. Tem um texto muito interessante falando disso no site do Instituto Moreira Sales: Eu, bruxa?