terça-feira, 27 de outubro de 2009

Um pouco de Florbela Espanca


Conforme prometido, como vamos entrar no mês de sagitário, vou falar de artistas sagitarianos.
Hoje a escolhida foi a poetisa portuguesa Florbela Espanca. A vida dela foi muito conturbada, sofreu de neuroses e se suicidou no seu aniverário de 36 anos. Nota-se muita tristeza em seus poemas. Vou postar 3 poemas do "Livro das Mágoas", Vaidade, Eu e Amiga

VAIDADE
Sonho que sou a Poetisa eleita,
Aquela que diz tudo e tudo sabe,
Que tem a inspiração pura e perfeita,
Que reúne num verso a imensidade!
Sonho que um verso meu tem claridade
Para encher todo o mundo! E que deleita
Mesmo aqueles que morrem de saudade!
Mesmo os de alma profunda e insatisfeita!
Sonho que sou Alguém cá neste mundo ...
Aquela de saber vasto e profundo,
Aos pés de quem a Terra anda curvada!
E quando mais no céu eu vou sonhando,
E quando mais no alto ando voando,
Acordo do meu sonho ... E não sou nada! ...

EU
Eu sou a que no mundo anda perdida,
Eu sou a que na vida não tem norte,
Sou a irmã do Sonho, e desta sorte
Sou a crucificada ... a dolorida ...
Sombra de névoa ténue e esvaecida,
E que o destino amargo, triste e forte,
Impele brutalmente para a morte!
Alma de luto sempre incompreendida! ...
Sou aquela que passa e ninguém vê ...
Sou a que chamam triste sem o ser ...
Sou a que chora sem saber porquê ...
Sou talvez a visão que Alguém sonhou,
Alguém que veio ao mundo pra me ver
E que nunca na vida me encontrou!

AMIGA
Deixa-me ser a tua amiga, Amor,
A tua amiga só, já que não queres
Que pelo teu amor seja a melhor,
A mais triste de todas as mulheres.
Que só, de ti, me venha mágoa e dor
O que me importa a mim?! O que quiseres
É sempre um sonho bom! Seja o que for,
Bendito sejas tu por mo dizeres!
Beija-me as mãos, Amor, devagarinho ...
Como se os dois nascêssemos irmãos,
Aves cantando, ao sol, no mesmo ninho ...
Beija-mas bem! ... Que fantasia louca
Guardar assim, fechados, nestas mãos
Os beijos que sonhei pra minha boca! ...

terça-feira, 6 de outubro de 2009

Anticristo de Lars Von Trier


No Festival de Cannes de 2009, muita gente não entendeu a proposta do filme e até pediram explicação para ele, mas ele se negou, falou que era o melhor diretor de cinema e que fez o filme para ele depois de um período de depressão que enfrentou.
O filme já entrou para a lista dos 10 filmes mais controversos do cinema.
Para entender o filme, é necessário saber três coisas: a biografia de Lars, a Bíblia e Nietzsche.
Lars é um dos maiores cineastas da atualidade, assisti e gostei de vários, tais como: Os idiotas, Dançando no Escuro, Dogville, Manderlay e agora o Anticristo. Ele é um fundadores do manifesto de cinema Dogma 95. Entrou em depressão recentemente. Seus pais eram ateus, mas com o tempo ele ternou-se cristão e depois virou ateu de novo. Gosta muito do livro Anticristo de Nietzsche.

O filme é divido em prólogo, epílogo e os capítulos (Sofrimento/luto, O caos reina, Desespero/ feminicídio, Os 3 mendigos: Dor, Desespero, Sofrimento).

A primeira parte do filme mostra que enquanto os pais têm relação sexual, o filho pequeno se joga da janela, poderia ser interpretado como a queda da inocência. Há também a culpa da mãe por descuidar do filho para sentir prazer.
A mãe entra em estado de choque e vai se tratar com remédios, o pai é psicanalista e decide cuidar dela.
Durante o tratamento, ele cria uma lista de coisas que ela tem medo, ela diz que tem medo do Eden (onde tinha uma casa de campo que eles costumavam ir), mas Eden na Bíblia foi o lugar onde habitou Adão e Eva (Paraíso ou Jardim das Delícias).
Fala do filme: Tudo que costumava ser bonito em Éden talvez fosse horrível. Agora ouço o que não ouvia, o choro de tudo o que vai morrer.
A natureza é a igreja de Satã.

A natureza citada aqui, talvez não seja a natureza em si (florestas, animais, etc), mas a natureza humana, falaremos disso mais para frente.

Para vencer os medos o casal vai para o Éden, ela se recupera de alguns traumas e ele tem sonhos estranhos.
Ele: Mas tive alguns sonhos estranhos.
Ela: Sonhos não são interessantes para a psicologia moderna. Freud está morto, não está?


No capítulo 3: Desespero / feminicídio
É muito interessante esse capítulo, talvez seja uma denúncia ao feminicidio que ocorre ainda hoje na África (veja a cena da mutilação do clitóris), na Ásia e na América Latina ( principalmente no México), o diretor menciona as mortes das muheres no séc. XVI que foram acusadas de bruxaria. Nietzche escreveu:
A mulher foi o segundo erro de Deus. – “A mulher, por natureza, é uma serpente: Eva” – todo padre sabe disso; “da mulher vem todo o mal do mundo” – todo padre sabe disso também. Logo, igualmente cabe a ela a culpa pela ciência... Foi devido à mulher que o homem provou da árvore do conhecimento.
Como se proteger contra a ciência? Por longo tempo esse foi o problema capital. Resposta: expulsando o homem do paraíso! A felicidade e a ociosidade evocam o pensar – e todos pensamentos são maus pensamentos! – O homem não deve pensar.


Bíblia (Gênesis 3:6,7,13)

E viu a mulher que aquela árvore era boa para se comer, e agradável aos olhos, e árvore desejável para dar entendimento; tomou do seu fruto, e comeu, e deu também a seu marido, e ele comeu com ela.
Então foram abertos os olhos de ambos, e conheceram que estavam nus; e coseram folhas de figueira, e fizeram para si aventais.
(Deus) E à mulher disse: Multiplicarei grandemente a tua dor, e a tua conceição; com dor darás à luz filhos; e o teu desejo será para o teu marido, e ele te dominará.


Falas do filme durante o exercício da natureza:


Ele: Sou a natureza de todos os seres humanos.
Ela: Este tipo de natureza.O tipo de natureza que faz as pessoas causarem mal às mulheres.
Ele: Exatamente quem eu sou.
Ela: Esta natureza me interessou quando estive aqui. Era o assunto da minha tese. Mas não deveria subestimar Éden.
Ele: O que Éden faz?
Ela: Descobri mais do que imaginava.
Ele: Se a natureza humana é maldosa, também é válido para a natureza das mulheres?
Ela: Natureza feminina. Natureza de todas as irmãs. As mulheres não controlam seu corpo. A natureza é que controla.
Ele: Sou a natureza de todos os seres humanos.
O material que usou na sua pesquisa era sobre maldades cometidas contra mulheres, mas entendeu como a maldade das mulheres?
Ela: Sabe quantas mulheres inocentes foram mortas no século 16 só por serem mulheres? Tenho certeza que sabe.
Ele: Muitas.
Ela: Não porque eram más.
Ele: Eu sei.


Outra coisa que faz alusão à bíblia era a deformidade no pé do garoto e o ferimento que ela faz no marido.
Na bíblia Deus amaldiçoa a mulher e diz: E porei inimizade entre ti (a serpente) e a mulher, e entre a tua semente e a sua semente; esta te ferirá a cabeça, e tu lhe ferirás o calcanhar.

Traduzindo: a descendência da mulher mataria a descendência da serpente com golpes na cabeça enquanto a descendência da serpente feriria o calcanhar da descendência da mulher.
Aí Nietzche falou que a mulher e a serpente é a mesma coisa (“A mulher, por natureza, é uma serpente: Eva” – todo padre sabe disso; “da mulher vem todo o mal do mundo”).

Pelos motivos bíblicos a mulher leva toda a culpa e todos os pecados do mundo, ela se anula em relação ao prazer, ao gerar ela tem o poder sobre vida (deixar nascer) ou da morte (abortar), ela trouxe o conhecimento para o mundo (ciência) e Deus os expulsou do paraíso, por isso ela acha a natureza obra de Satã. Talvez a mulher seja o Anticristo.
Uma parte do filme é quando mostra o casal tendo relação sexual embaixo de uma árvore, traduzi literalmente como o comer do fruto, ela sempre conduz o marido a comer do fruto (fazer sexo), independente do sofrimento que a aflige.

Ninguém disse o que vou dizer: Achei esse filme feminista, mostra o terror em ser mulher ao longo da história, faz denúncia do feminicídio que estão diante dos nossos olhos, da culpa em sentir o prazer e ser mãe.

Una breve Vacanza


Una breve vacanza (Amargo despertar) é um filme de Vittorio de Sica (futuramente falarei mais desse diretor que foi um dos melhores da Itália), mas como na sessão pipoca o tema escolhido era causas femininas e feministas, resolvi falar desse filme.
Uma mulher (interpretada pela brasileira Florinda Bolkan), mãe de três filhos, marido afastado do trabalho que a maltrata e espanca, tem uma sogra e um cunhado, todos dependem dela para tudo, ela trabalha em uma fábrica, fica doente, com problema no pulmão e vai se tratar nas montanhas. Por dar uma pausa na vida atormentada que leva, ela começa a refletir sobre sua vida, suas vontades, suas paixões, retoma a leitura (vai ler logo Anna Karenina de Tolstoi). Ela percebe a anulação da própria existência, medita nas condições de trabalho que é submetida, naquela loucura de manter a família, todos parasitas, medita na política, nas greves e de uma certa forma ela tenta uma mudança, tenta ser diferente. Lá na estância, ela encontra um cara bacana, fica com ele, depois ela recebe alta e volta para a vida de merda. Como sempre falo, a mulher leva todo peso do mundo nas costas e toda a culpa, desde o tempo de Eva.
Esse filme não foi considerado um dos melhores de Vittorio, talvez porque os críticos não tem a sensibilidade para entender a alma feminina, eu particularmente adorei.