sexta-feira, 25 de abril de 2025

Literatura BRICS: I Ching, o livro das mutações

Como mencionei no post anterior, a partir deste ano, vou ler mais livros provenientes dos países que fazem parte do BRICS. Li o I Ching ano passado, mas como tinha meu resumo nos arquivos, resolvi transferir para cá.

I Ching é um texto clássico, considerado um dos mais antigos e importantes livros de filosofia chinesa. Mostra natureza em constante mudança, enfatizando a interação entre yin e yang, duas forças complementares que sustentam todas as coisas. 

O livro é frequentemente referido como um dos Cinco Clássicos, juntamente com o Livro dos Documentos (Shujing), os Anais da Primavera e do Outono (Chunqiu), o Livro dos Ritos (Liji) e o Livro das Odes (Shijing). Acredita-se que esses Clássicos tenham sido compilados por Kong Fuzi, mais conhecido no Ocidente como Confúcio (datas tradicionais de 551 a 479 a.C.). A filosofia moral e política de Kong Fuzi foi adotada como ideologia oficial da China durante o século III a.C.

Muito mais tarde, por volta do século XII, escritos mais curtos, atribuídos a Confúcio ou supostamente inspirados por seus ensinamentos – foram agrupados nos Quatro Livros do Confucionismo.

 

Um hexagrama, neste contexto, é uma figura composta por seis linhas horizontais empilhadas (爻 yáo). Tem a linha Yang=9 (uma linha contínua ou sólida) e a linha Yin=6 (uma linha quebrada, uma linha aberta com uma lacuna no centro). 
Yin refere-se literalmente ao lado escuro da encosta da montanha, e yang, ao lado sul e ensolarado da encosta. Disto, os termos passam a significar "escuro" e "brilhante", respectivamente.
No I Ching, Yang está aliado ao Céu, sendo visto como catalisador e progenitor; gerador e frequentemente assustador, nunca é autodestrutivo. O Yin, que está aliado à Terra e é igualmente sagrado, é caracterizado como fecundo (como campos férteis ou água vivificante), repleto de potencial latente, sustentador e autodestrutivo. De acordo com a teoria yin/yang, toda mudança na existência fenomenal é produzida pelas operações dessas duas fases chamadas yin e yang, que são modos relacionais e não entidades fixas.

As linhas do hexagrama são tradicionalmente contadas de baixo para cima, de modo que a linha mais baixa é considerada a linha um, enquanto a linha superior é a linha seis. Os hexagramas são formados pela combinação dos oito trigramas originais em diferentes combinações.
Os 8 trigramas representam o céu, o trovão, a água, a montanha, a terra, o vento, o fogo e o lago.

Cada hexagrama é acompanhado por uma descrição, muitas vezes enigmática, semelhante a parábolas. Cada linha em cada hexagrama também recebe uma descrição semelhante.

Como ler este hexagrama: de baixo para cima, o primeiro trigrama é formado pela primeira linha (yang) = linha contínua e pelas segunda e terceira linhas (yin) = linhas quebradas, formando o trigrama trovão. O segundo trigrama é formado por duas linhas yin e uma yang, formando o trigrama lago. Dois trigramas formam um hexagrama. Os trigramas trovão + lago formam o hexagrama 17, chamado de 隨 (suí), "Seguidor", "Perseguidor", "Caçador". Representando a imagem do trovão dentro do lago. O som do trovão ressoa dentro do lago, fazendo com que o lago trema e siga o som. Isso simboliza o ato de seguir. Uma pessoa nobre deve agir de acordo com o tempo adequado, seguir o conselho de um sábio, seguir uma liderança forte.
Cada linha, cada trigrama e cada hexagrama tem um significado.

A palavra chinesa para trigrama e hexagrama é 卦 "guà". Abaixo vemos que a combinação dos trigramas: céu + céu = força, lago + céu = deslocamento e assim por diante.

Os 64 hexagramas, combinação dos trigramas 8x8, são:

Imagem Wikipedia

• Os 384, chamados textos em linha (6x64), cada 6 linhas dos 64 hexagramas. Tipicamente, um texto em linha consiste em uma única imagem acoplada à sua própria fórmula de predição (por exemplo, "benéfico usar para ter uma audiência com o rei").

O hexagrama 1 (trigrama céu + trigrama céu) é chamado de 乾 (qián) tchian, "Força". Outras variações incluem "o criativo", "ação forte", "a chave" e "deus". Seu trigrama interno (inferior) é ☰ (乾 qián) força = (天) céu, e seu trigrama externo (superior) é idêntico.

Significados de cada linha do primeiro hexagrama qián, todas as seis linhas são yang, mas a posição de cada uma no hexagrama muda a interpretação:

A Imagem (hexagrama) afirma: O caminho do céu é girar infinitamente sem cessar, e ninguém pode pará-lo. Uma pessoa nobre deve imitar o caminho do céu, ser autossuficiente e esforçar-se continuamente para avançar. 

Primeira linha: O dragão ainda está escondido na água, preservando sua energia e potencial, temporariamente incapaz de exercer sua influência. A imagem afirma: O dragão simboliza o yang. "O dragão ainda está escondido na água, preservando sua energia e potencial, temporariamente incapaz de exercer sua influência" é porque esta linha está na posição mais baixa, e a energia yang não pode ser manifestada. 

Segunda linha: O dragão apareceu no chão, favorável para o surgimento de uma pessoa com alta virtude e uma posição próspera. A imagem afirma: "O dragão apareceu no chão" é como o sol brilhando, trazendo bênçãos para todas as pessoas. 

Terceira linha: A pessoa nobre esforça-se incansavelmente durante todo o dia e não se atreve a afrouxar mesmo à noite. Deste modo, mesmo diante do perigo, transformarão a calamidade em bênção. A imagem afirma: "Esforçar-se incansavelmente ao longo do dia" é evitar flutuações e não ser descuidado. 

Quarta linha: O dragão pode voar e subir, ou pode retirar-se para o abismo, mas não causará danos. A Imagem afirma: "O dragão pode voar e subir, ou pode retirar-se para o abismo, mas não causará dano" porque pode discernir o momento e a situação, podendo assim avançar ou recuar livremente sem causar dano. 

Quinta linha: O dragão voa alto no céu, favorável para o surgimento de uma pessoa com alta virtude e uma posição próspera. A imagem afirma: "O dragão voa alto no céu" simboliza que uma pessoa com alta virtude e uma posição próspera definitivamente realizará algo. 

Sexta linha: O dragão voa para um lugar excessivamente alto e certamente vai se arrepender. A imagem afirma: "O dragão voa para um lugar excessivamente alto e certamente vai se arrepender" porque os extremos levarão a uma reação negativa. Quando as coisas se desenvolvem até aos seus limites, irão inevitavelmente caminhar para o seu oposto. Quando há muitos dragões, nenhum deles quer ser o líder. Este fenómeno é muito auspicioso. A Imagem afirma: O simbolismo da sexta linha em "use os nove" indica que, embora o céu dê origem a todas as coisas, ele não reivindica o primeiro lugar ou toma crédito por isso.

Esses significados foram extraídos do "Livro das mutações, clássico chinês do pensamento", em português, disponível na loja do Kindle (já tinha comprado antes de pegar ranço do dono). É um livro bem simplificado, tradução bem questionável, sem imagens, apenas os significados de cada linha do hexagrama. Para quem nao teve nenhum contato preliminar com o I Ching, vai ficar perdido, pois não saberá do que se trata as linhas e as imagens retratadas no texto. Porém, se você entendeu minha explicação até aqui, vai ficar mais fácil.

Que fique claro que em hipotése alguma recomendo este livro, usei-o como exemplo apenas para demonstrar como se lê as linhas dos hexagramas com um texto em português e este foi o unico que encontrei.

O livro mais completo que encontrei e recomendo, com imagens, explicações e comentários de Confucio e do rei Wen foi o "The complete I ching : the definitive translation from the Taoist Master Alfred Huang", publicado em 1998, pela editora Inner Traditions International. Foi o melhor que encontrei, mas não posso afimar que é o melhor que existe. Tenho certeza que a melhor edição está em mandarim, idioma que infelizmente não sei nada.

Quem quiser aprofundar mais e saber como funciona o método de oráculo ou adivinhação I Ching, os cálculos matemáticos utilizados para tirar a sorte, leia este livro: The I Ching Handbook: A Practical Guide to Personal and Logical Perspectives, de Edward A. Hacker (em inglês). 

Além de não capire niente de mandarim, muito menos ainda entendo de matemática, logo não sou capaz de tirar a minha sorte. Há coisas que prefiro não saber. Porém, a filosofia por trás é bem interessante e guia os chineses até hoje.


sexta-feira, 11 de abril de 2025

Cultura Brics: literatura, teatro, musica, culinaria, cinema, artes e arquivos

 Em 2025, decidi ler livros de autores dos primeiros cinco países que formam o BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul). Hoje há nove países e vários outros mostraram interesse em fazer parte, mas vou me concentrar nos cinco primeiros.

Índia e China têm culturas milenares, com os livros mais antigos do mundo, como os épicos sânscritos Mahabharata e Ramayana, compostos na Índia, entre os séculos IX-IV a.C. Na China, entre XII-VII séculos a.C., poemas líricos baseados em antigas canções populares, orações e hinos são compilados no “Clássico da Poesia” ou “Livro de Odes” e tem também o Livro das Mutações (I Ching).

Em 1185, as forças armadas de Igor Sviatoslavich, príncipe de Novgorod-Seversk e filho do príncipe Sviatoslav de Chernigov, foram completamente derrotadas pelos nômades polovtsianos (kumans). Este evento histórico levou um autor anônimo a escrever uma das primeiras obras-primas literárias da cultura russa chamada “O Conto de Igor” ou Slovo o polku Igoreve, é o único conto épico do gênero que chegou até nós do período de Kiev. Igor foi derrotado e capturado, mas mais tarde conseguiu escapar e retornar para casa. O conto sobreviveu em um único manuscrito que evidentemente datava do século XVI. Foi publicado pela primeira vez em 1800, cerca de uma década após sua descoberta, o manuscrito original foi destruído durante a ocupação napoleônica de Moscou, em 1812.

O Prof. Antonio Candido, no livro “Iniciação à Literatura Brasileira” diz:

 “como toda a cultura dominante no Brasil, a literatura culta foi aqui um produto da colonização, um transplante da literatura portuguesa, da qual saiu a nossa como prolongamento.

A história da literatura brasileira é em grande parte a história de uma imposição cultural que foi aos poucos gerando expressão literária diferente, embora em correlação estreita com os centros civilizadores da Europa.

Esta imposição atuou também no sentido mais forte da palavra, isto é, como instrumento colonizador, destinado a impor e manter a ordem política e social estabelecida pela Metrópole, através inclusive das classes dominantes locais”.

Você sabia que houve invasão portuguesa em 3 países do BRICS? Além do Brasil, invadiram Macau, na China e criaram o Estado Portugues da Índia nos territórios de Goa, Damão e Diu. 

Em 1494, o rei D. Manuel I, de Portugal, começou uma campanha de expulsão dos judeus que não quiseram se converter ao catolicismo e muitos foram parar na Russia.

Os portugueses foram os primeiros europeus a pisar na África do Sul, em 1487, liderados por Bartolomeu Dias, foi ele que chamou o Cabo de Cabo das Tormentas, depois o rei João II o rebatizou de Cabo da Boa Esperança. Essa “aventura" na África do Sul e na Índia ficou registrada no mais famoso poema épico português, "Os Lusíadas”, de Luís Camões.

A literatura sul-africana é como a brasileira, começou como um produto da colonização. O país tem 12 idiomas oficiais, foi colonizado pelos holandeses, ingleses, alemães, franceses, etc. As obras literárias mais conhecidas foram escritas em inglês e em afrikaans, ou seja, por brancos. 

Ironicamente o lema do país é Verskillende mense verenig (em africâner), em português significa: "Diversos povos se unem". Se unem a que preço, não é mesmo? Todos se unem, mas só uma raça teve privilégios saqueando as minas de ouro e diamantes, como fez o pai daquele bufão que é o mais rico do mundo hoje.

Dos 5 países do BRICS, o Brasil é o único que não ganhou o prêmio Nobel de Literatura ainda. A África do Sul foi laureada duas vezes, Nadine Gordimer, em 1991 e John Maxwell Coetzee, em 2003. A Índia foi laureada uma vez, com Rabindranath Tagore, em 1913. Mo Yan, da China, recebeu o prêmio em 2012 e Gao Xingjian no ano 2000. A Rússia foi a mais laureada, Boris Pasternak em 1958, Mikhail Sholokhov em 1965,  Aleksandr Solzhenitsyn em 1970 e Joseph Brodsky em 1987.

Eu vou estudar essas culturas, não só através da literatura, mas também de livros didáticos, através do teatro e do cinema, quero muito rever o cinema soviético, o cinema chinês sempre foi muito bom, já comecei a rever alguns filmes brasileiros também, já vi filmes de Bollywood, o país que menos vi filmes foi os da África do Sul.

O Brasil tem uma cultura teatral riquíssima, assim como a Rússia, mas sei pouco sobre o teatro da Índia, da África do Sul e da China. Descobri uma peça chinesa contemporânea que estou traduzindo do inglês, logo disponibilizarei o link aqui para quem tiver interesse em baixar.

A culinária também muito interessa, gosto de cozinhar e de colecionar receitas. À medida que eu fizer um prato de algum desses países, farei uma resenha e disponibilizarei a receita aqui para quem tiver interesse.

Achei muitos arquivos interessantes e como arquivista irei publicar algumas coisas aqui. Lembrando que os arquivos são, na maioria das vezes, do ponto de vista do invasor, eles documentaram os horrores que eles cometeram como se fosse uma conquista. Porém, do ponto de vista cultural, também temos muitos tesouros escondidos, muita arte, muita vestimenta, etc.

Esses cinco países passaram por muitos desafios na história da humanidade: invasões, guerras, revoluções, golpes de estado, perda de território, imposição religiosa, massacres, extermínios, corrupção, sanções internacionais, crises econômica e política, escravidão, racismo, xenofobia, classismo, misoginia, homofobia, etc. Porém, se até no concreto sai flor, das atrocidades saem a esperança, a manifestação artística, a dança, o canto, a poesia e tudo o que nos torna criativos e sobretudo humanos.

Quero explorar essas culturas, mesmo sabendo da dificuldade de ter acesso, a maioria dos autores que tem as obras disponiveis ou que foram traduzidos, sao autores que imigraram para um outro pais na Europa ou na América que é o caso de muitos russos e chineses. É mais facil achar um livro do Cotzee do que um de uma autora sul-africana negra que escreve na lingua Xossa, o mercado editoral não tem interesse na tradução com receio de nao gerar lucro.

Para terminar, deixo uma musica de cada país: 

Representando o Brasil, escolhi Getulio Abelha que mistura ritmos nordestinos com musica eletrônica


Representando a Russia, escolhi Группа Альянс, acho que a mistura de post-punk e a lingua russa combina perfeitamente.



Na India, até em filme de terror tem um espaço no roteiro para colocar uma dança, é sempre em um cenario maximalista e colorido nos videoclipes


 

O maior representante da China é o Jackson Wang e ele esta cantando em inglês neste clipe, pelo menos a chance de entender é maior do que se estivesse em mandarim

   

Representando a Africa do Sul, escolhi a dupla Mafizikolo, cantando na lingua Zulu