"As mulheres que leem sao perigosas", de Laurie Adler e Stefan Bollmann, 153 págs, ediçao Flammarion (versao em francês), nao sei se vende no Brasil. É um livro de história e também um livro de arte, mostra as principais pinturas e fotos que retratam mulheres lendo desde o séc XIII até o séc XXI.
Vou começar pelo lado estético do livro: Esta versao é de capa dura, as folhas têm uma gramatura mais firme, deve ser um papel couché com brilho, de no mínimo 120g. Gostei muito da utilizaçao dos tons pastéis, parece com os filmes da Sofia Coppola.
páginas em tons pastéis |
O livro começa passando algumas informaçoes e curiosidades sobre a mulher leitora e a sociedade na qual ela está inserida. Cara colega, se você tem a liberdade de pegar um livro hoje e lê-lo, aproveite esse privilégio, isso já foi considerado uma heresia, uma afronta, motivos de discórdias nas famílias, tema de pesquisa médica, causou revolta nos religiosos, etc. Prestem atençao nos fragmentos:
"Coletânea de tratamentos e medicamentos publicada em 1836 e reeditada 9 vezes até 1877:De fato, a leitura tornou-se uma ocupaçao permanente. As leitoras se multiplicam e a histeria aumenta. Mulheres-livros-histeria: trio infernal. As histéricas estao deixando os médicos cada vez mais obcecados, eles escrevem tratados nao para compreendê-las, mas para tentar domesticá-las, como as bestas-feras, elas estao presas às paixoes mais obscenas. A histeria perturba, a histeria está exagerada. A histeria desconstrói a ordem da família, mas também da sociedade". (pág 17)
A histeria é um diagnóstico criado por médicos homens para rotular a mulher que se impunha, que lia, que lutava pelos seus direitos. Até nos dias de hoje, uma mulher que fala mais alto é chamada de histérica.
As mulheres histéricas eram também chamadas de bovaristas, termo baseado na personagem Madame Bovary, de Flaubert. Emma Bovary lia muito, portanto os médicos afirmavam que toda a perturbaçao e desejo sexual que ela tinha era por causa do excesso de leitura e tentavam convencer as mulheres a nao se igualarem a ela.
"Demoníacas as mulheres que leem? Sim, certamente, cada vez mais perigosas e por muito tempo ainda. Pois ao longo do tempo nao distinguimos mais o sexo feminino do masculino. O texto feminino e o texto feminista permitiram a construçao de uma nova esperança vital e libertária: as mulheres nao se escondem mais atrás de identidades secretas, sob pseudônimos, elas nao se contentam em parecer com as heroínas inventadas, elas fazem uso da palavra, elas dizem "eu", elas escrevem "eu", elas produzem textos, textos téoricos e ficcional, texto sobre incestos, sobre homossexualismo, sobre sexo. As leitoras sao hoje autoras, elas escrevem, escrevem e leem ao mesmo tempo. As mulheres que leem acham em seus textos fontes secretas do desejo".
"Senhores conhecedores dos movimentos da alma e da psiquê, ler dá às mulheres idéias. Sacrilégio! É necessário higienizar, colocar ordem, canalizar e limpar. Leiam leituras de piedade (bíblia), poemas de cavalaria, leiam pouco, mas leiam bem, leiam e releiam, disse um médico e teórico da leitura como arte da tentaçao, Parent-Duchatelet".
Outras curiosidades: A leitura era, na maior parte da história, privilégio da nobreza e depois também da burguesia. Com a reforma protestante, os países que aderiram a essa religiao ensinaram às mulheres de todas as classes sociais a lerem para que elas tivessem acesso à biblia, só que a populaçao nao se contentou apenas com leituras religiosas e passaram a se interessar também por leituras profanas. Saber ler ajudou as mulheres a se informarem sobre cuidados sanitários, como evitar doenças, houve uma diminuiçao considerável da mortalidade infantil na Suécia e até hoje este país é um dos mais avançados na área da educaçao e de conquistas femininas.
Ler era um ato de anarquia (pág. 30), a mulher desobedecia as ordens dos homens e da sociedade.
Ler na cama (pág.33): O hábito de ler na cama é tipicamente feminino, elas "furtavam" os livros da biblioteca dos pais ou dos maridos, escondiam debaixo do travesseiro e liam quando eles nao estavam presentes.
Nos quadros, as mulheres aparecem lendo enquanto os homens aparecem escrevendo.
Pieter Janssens Elinga (1623-1682) - Reading woman |
Neste quadro do Pieter, mostra uma empregada que aproveita a ausência da patroa para ler, ela aproveita a claridade dos raios de sol na janela, enquanto isso tem sapatos espalhados no recinto, bacias de frutas em cima de uma cadeira.
Anselm Feuerbach - Paolo e Francesca |
No quadro de Anselm, encontra-se dois personagens do livro A divina comédia, de Dante. Eles foram culpados por adultério, pego em flagrante pelo marido de Francesca. Ela está atenta à história do livro, ignorando a presença do amante.
Esta foto representa duas mulheres muito importantes: a fotógrafa e a fotografada. A fotógrafa foi uma das pessoas que revolucionou o mundo da fotografia, Julia Margaret Cameron começou sua carreira bem tardiamente, ela tinha 45 anos quando ganhou a máquina de presente e já era mae de seis filhos, ela fotografava as celebridades de sua época. A fotografada é a Alice Liddell, com 18 anos e lendo, mais conhecida como Alice no País das Maravilhas, a menina que motivou Lewis Carroll a escrever alguns livros.
Duncan Grant (1885-1978) - Le poêle |
A história é complicada: Duncan Grant foi o terceiro marido da irma da Virginia Woolf, a Vanessa Bell, eles tiveram uma filha chamada Angélica que é a moça representada nesse quadro. A Angélica casou-se com um amante do pai dela, o David Garnett e tiveram quatro filhas.
Vanessa Bell (1952), Amaryllis et Henrietta |
A Vanessa Bell, irma da Virginia, esposa do Duncan, mae da Angélica, sogra do David, o ex-amante do seu marido, era também pintora, neste quadro ela pintou duas de suas netas, filhas da Angélica, lendo.
Alexander Alexandrowitsch Deineka (1934) Jeune femme au livre |
Este quadro mostra uma mulher lendo na Rússia, após a Revoluçao de outubro de 1917, em que as mulheres conquistaram os mesmos direitos dos homens para trabalhar, estudar, praticar esportes, música e artes em geral.
Tem muito mais, isso foi só um tira gosto, nem coloquei as pinturas mais lindas para nao estragar a surpresa do livro, sugiro que vocês leiam e se apaixonem, é muito interessante, às vezes revoltante por causa do machismo, mas é lindo. E agora tem o volume 2, "As mulheres que leem muito sao mais perigosas ainda", só que nao chegou aqui no Canada, deve ter só na Europa por enquanto, tudo que depende da traduçao do alemao para um outro idioma demora...Aguardo ansiosa. O que vocês acharam desta amostrinha que vocês viram?
Ana:
ResponderExcluirGostei tanto que já copiei um trecho e vou publicar na minha sinopse semanal no domingo (dando os créditos ao seu blog, claro).
Me visita pra conferir e se quiser participe da Sinopse, ok.
Também gostei de ver a Alice Liddell, com 18 anos e lendo.
Não sabia que ela era a Alice no País das Maravilhas.
Pena que o livro é em francês.
Mas vou espiar em alguma livraria daqui, rsrsrsrs.
Bjs.:
Sil
pode copiar sim, passo lá no domingo para comentar. Estou meio atarefada com os trabalhos da facul, por isso está dificil comentar com mais frequencia nos blogs que sigo. bjo
ResponderExcluirAdorei sua resenha do livro, fiquei com vontade de ler! Vou procurar por aqui pra ver se acho.
ResponderExcluirBeijos
Sempre tem o que ler de conteúdo neste blog. Ótima indicação Ana. O título do livro é no mínimo instigante. abraços.
ResponderExcluiradorei! adorei! adorei! quer muuuuuuuuuito esse livro hehehehe
ResponderExcluirbjos :)
Acompanhei a sua leitura desse livro pelo IG e estava esperando você escrever sobre ele aqui! As autoras são muheres? De que país? Talvez eu possa encaixá-lo no meu projeto "198 livras"... :)
ResponderExcluir(E se não der para encaixar vou ler assim mesmo porque adorei sua "propaganda"!)
Beijos,
Lidia.
Oi Lídia, sao dois autores, um homem e uma mulher, da Alemanha.
ResponderExcluirOI Ana, adorei a dica do livro e a descrição que você fez desde a parte estética até o conteúdo. Você aguçou a minha curiosidade.
ResponderExcluirUma ótima semana pra você
beijos
Chris
Inventando com a Mamãe