sexta-feira, 2 de maio de 2025

Retrospectiva de abril

O mês começou ainda com neve. Agora na primavera, para cada um dia bonito, temos três ou quatro dias de chuva. Uma das desvantagens de morar por essas bandas, dá pra contar nos dedos os dias bonitos.

Atualidades

O Laranja Mecânica conseguiu o impossível, unir os inimigos, China, Japão e Coreia se uniram para lutar contras as tarifas impostas. Daqui a pouco ele consegue unir a Rússia e a Ucrânia e as duas Coreias. Se for destruir os Estragos Unidos para salvar o resto do mundo, ele está fazendo um excelente trabalho.

O clown aparece publicamente com um tabelão de boteco, tarifando o mundo e ainda achava que seria levado a sério. Por onde andam os homens inteligentes e de respeito? Agora o povo elege esses palhaços que fazem piadinhas de tio do pavê, levam tudo no deboche, estúpidos, arrogantes, só sabem fazer bullying e têm cabelos esquisitos.

El papa Francisco se fue, agora começa o conclave, espero que seja tão emocionante como no filme. Acho esses rituais tão démodé, tenho a impressão de estar na Idade Média.

Eu assisti porque um amigo meu falou que parecia votação do Big Brother, tenho pavor de filme religioso, mas esse não é bem sobre isso, a fotografia é linda, o Ralph Fiennes sempre foi um ator brilhante. Recomendo para quem gosta de ver o cabaré pegando fogo nas instituições conservadoras.

Eleições no Canada: O ex-Primeiro Ministro bonitão pediu pra sair, voltou a ser uma pessoa normal, foi visto numa loja de quinquilharias com um bonezinho. Teve eleições e eu, ansiosa que sou, voto por antecipação logo cedo. Aqui é assim, uma semana antes do dia oficial da eleição, são disponibilizados 3 dias para votar por antecipação. 

Estamos entre a cruz e a espada, se vota no menos pior, pois o conservadorismo é só ódio gratuito contra minorias, nenhum projeto concreto para o país. Já o outro partido é pautado na doutrina neoliberal, ou você vota conservador ou vota liberal, aqui os partidos de esquerda não tem representatividade. Os conservadores estavam tendo um grande crescimento nos últimos tempos, mas graças ao senhor laranja, aqui é mais difícil levar os tipos clowns a sério, o povo ficou com medo de ser o 51° estado. 

O vencedor, liberal, economista, com experiência em bancos aqui e na Inglaterra (o Canadá faz parte do Commonwealth e o rei Charles é rei aqui também, pois é uma monarquia parlamentar), apareceu do nada, pois nunca foi político, mas tem contatos fortes no Reino Unido e na Europa, vai se aliar com eles para fazer negócios e desvincular mais da dependência com os EUA.

O voto é no papel e a lapis. Não se vota diretamente no Primeiro-Ministro, vota no representante do partido na sua circunscrição.

Para terminar o mês, teve um apagão geral na Espanha, Portugal e em alguns outros países que dividem a conta de luz e internet com eles. Foi logo surgindo teorias da conspiração, mas no fim, parece que foi apenas falha humana em não detectar com rapidez que havia algo errado em um fio que em efeito cascata foi desligando os outros fios, ainda não temos a conclusão oficial do caso.

Leituras

Terminei 9 livros este mês, parece que sem redes sociais estou lendo o dobro de livros, antes lia de 3 a 4 por mês e agora estou lendo de  8 a 9 por mês. Antes participava de clube de leituras ou era influenciada pelo bookstagram e nem sempre lia o que me apetecia, agora estou descobrindo escritores dos países BRICS, selecionando com cuidado, sem interferências externas de alguém tentando me convencer que certo livro é bom, eu estou fazendo minhas pesquisas e minhas próprias escolhas, por isso está sendo mais prazeroso. Lembrando sempre, não é sobre quantidade, é sobre qualidade, tudo no seu tempo. Como estou priorizando a leitura, consequentemente aumenta a quantidade de livros lidos. São eles:

  1. Eu sou a minha poesia: antologia pessoal, de Maria Teresa Horta
  2. No exílio, da Elisa Lispector (comentei no post anterior)
  3. Sobre Exilio, de Joseph Brodsky (comentei no post anterior)
  4. Um sopro de vida, Clarice Lispector (comentei no post anterior)
  5. Passaporte para China: crônicas de viagem, de Lygia Fagundes Telles (próximo post)
  6. Macau, de Paulo Henriques Britto (próximo post)
  7. Iniciação à Literatura brasileira, de Antonio Candido
  8. Anti-tech Revolution: Why and How, de Theodore John Kaczynski
  9. Jardim de inverno, de Zélia Gattai (próximo post)

Cinema

Para o projeto BRICS, assisti a um filme brasileiro e a um filme soviético. Mr. Nobody assisti para a discussão no grupo de cinema que participo, cujo tema foi vidas paralelas.

A grande cidade (1966), de Cacá Diegues. Sobre pessoas que saiam do nordeste em busca de uma vida melhor no Rio de Janeiro, mas só encontraram decepção. Luzia vai atrás de seu namorado Jasão, mas descobre que ele tinha entrado para o crime. Este filme me lembra um pouco "O Acossado", de Godard.

Vá e veja,1985, de Elem Klimov. Falei sobre no post anterior.

Mr. Nobody, 2009, de Jaco Van Dormael. É um filme de ficção-cientifica, O filme é estrelado por Jared Leto como Nemo Nobody, o último mortal na Terra depois que a humanidade atinge quase a imortalidade. Aos 118 anos, Nemo relembra sua vida e conta diferentes versões de seu passado, explorando o impacto de decisões importantes por meio de uma narrativa não linear que leva em conta a hipótese do multiverso.

Video

Como o capitalismo gera doenças mentais sociopáticas


quinta-feira, 1 de maio de 2025

Cultura BRICS: Escritores no exílio, as irmãs Lispector, Brodsky e o filme de guerra mais triste do mundo

Li três livros de pessoas que foram exiladas e viveram como apátridas por um tempo, Elisa e Clarice Lispector que chegaram com a família no Brasil, em 1922. Joseph Brodsky, também russo que se exilou nos EUA em 1972 e ganhou o prêmio Nobel de Literatura em 1987.

Jornal A Noite, 21 de junho de 1948. Clique na imagem para ampliar

No exílio é um romance autobiográfico da Elisa Lispector, narra a saga de sua família, judeus russos que estavam na Ucrânia, buscando exílio na América. Eles eram perseguidos pelo pogrom e pelos exércitos branco e vermelho que chegavam destruindo tudo e massacrando todos.

Lizza, a irmã mais velha, vivenciou os horrores que as irmãs mais novas não chegaram a compreender.

"maior que o mundo é a maldade dos homens".

Ao chegar no Brasil, a mãe estava muito doente e precisava de cuidados constantes, sobrou para ela ser a cuidadora da mãe, ser responsável pelas irmãs e pela casa quando ainda era uma criança, com 9 anos de idade.

“Porque ela compreende a extensão do sacrifício da sua infância, do desperdício de sua vida, do seu destino, pois tem a intuição de que as vidas tem um curso e não encontra o próprio caminho. Não sabe para que nasceu, nem espera nada para melhor”.

Após a morte da mãe, o pai viúvo tornou-se depressivo e solitário. Com a ascensão do nazismo na Alemanha, ele lia as notícias e ficava inconsolável, Lizza ouvia suas lamentações calada. Ele queria arrumar um marido para ela, mas ela não aceitou e nunca se casou.Que quer você vir a ser? — 

"perguntara-lhe o pai. — Para que reserva sua vida? — E ela não soubera responder. Não ousara. Agora sentia o terreno fugir-lhe de sob os pés, como se estivesse brincando com fantasmas, meros fantasmas, seus sonhos loucos".

"Não adiantava fugir, se não podia libertar-se de si mesma e dos fantasmas que continuariam a rondar em torno dela".

Os pais só viveram horrores, a filha mais velha teve responsabilidade de adulta muito cedo, mas precisou superar os traumas, conseguiu estudar, passou em primeiro lugar em um concurso público e virou escritora. Tania Lispector Kaufmann também virou funcionária pública e a Clarice virou Clarice Lispector que dispensa apresentações.

“Em todas as suas manifestações, a vida se renova constantemente, milagrosamente. E tudo isso ocorre à margem das leis dos homens. Apesar da maldade dos homens.”

Espero que uma editora brasileira relance novas edições das obras da Elisa, é difícil encontrar os livros dela.

Passaporte russo da familia Lispector, clique na imagem para ampliar





Aproveitei para ler um livro da Clarice Lispector que ainda não tinha lido, Um Sopro de Vida, publicado em 1978. É dividido em 4 capitulos:

  1. Um Sopro de Vida
  2. O Sonho acordado é que é a realidade
  3. Como tornar tudo um sonho acordado?
  4. Livro de Ângela

Este é um livro sobre escrita, o autor conversando com a personagem que ele criou:

"Eu sou o autor de uma mulher que inventei e a quem dei o nome de Ângela Pralini".

"Eu vivo em carne viva, por isso procuro tanto dar pele grossa a meus personagens. Só que não aguento e faço-os chorar à toa". 
"Cada novo livro é uma viagem. Só que é uma viagem de olhos vendados em mares nunca dantes revelados"

"ISTO NÃO É UM LAMENTO, é um grito de ave de rapina. Irisada e intranquila. O beijo no rosto morto".

"Eu escrevo como se fosse para salvar a vida de alguém. Provavelmente a minha própria vida. Viver é uma espécie de loucura que a morte faz. Vivam os mortos porque neles vivemos".

"Quero esquecer que existem leitores — e também leitores exigentes que esperam de mim não sei o quê".

"Este é um livro silencioso. E fala, fala baixo.

Este é um livro fresco - recém-saído do nada. Ele é tocado ao piano delicada e firmemente ao piano e todas as notas são límpidas e perfeitas, umas separadas das outras. Este livro é um pombo-correio. Eu escrevo para nada e para ninguém. Se alguém me ler será por conta própria e alto risco. Eu não faço literatura: eu apenas vivo ao correr do tempo".

"Refugiei-me na doideira, porque a razão não me bastava."

"Sou feliz na hora errada. Infeliz quando todos dançam".

"Será que, depois que a gente morre, de vez em quando acorda espantado?"

"Nunca vi uma coisa mais solitária do que ter uma ideia original e nova. Não se é apoiado por ninguém e mal se acredita em si mesmo. Quanto mais nova a sensação-idéia, mais perto se parece estar da solidão da loucura".

"Quando acabardes este livro chorai por mim um aleluia. Quando fechardes as últimas páginas deste malogrado e afoito e brincalhão livro de vida então esquecei-me. Que Deus vos abençoe então e este livro acaba bem. Para enfim eu ter repouso. Que a paz esteja entre nós, entre vós.e entre mim. Estou caindo no discurso? que me perdoem os fiéis do templo: eu escrevo e assim me livro de mim e posso então descansar"

"Eu ponhei cada coisa em seu lugar. É isso mesmo: ponhei. Porque “pus” parece de ferida feia e marrom na perna de mendigo e a gente se sente tão culpada por causa da ferida com pus do mendigo e o mendigo somos nós, os degredados".

"Cada livro é sangue, é pus, é excremento, é coração retalhado, é nervos fragmentados, é choque elétrico, é sangue coagulado escorrendo como lava fervendo pela montanha abaixo".


 Sobre o Exílio, de Joseph Brodsky, contém dois discursos: "A condição chamada exílio" e "Uma face incomum".

"Se tivéssemos de atribuir um gênero à vida do escritor exilado, haveria de ser a tragicomédia. Devido à sua encarnação anterior, ele é capaz de apreciar as vantagens sociais e materiais da democracia com uma intensidade muito maior do que os que nasceram nela. Mas, precisamente pela mesma razão (cujo principal efeito colateral é a barreira linguística), ele se vê totalmente incapaz de desempenhar qualquer papel significativo em sua nova sociedade. A democracia à qual ele chegou lhe oferece segurança física, mas torna-o socialmente insignificante. E a falta de significância é aquilo que nenhum escritor, exilado ou não, pode aceitar".

"se há algo de bom no exílio, é o fato de ensinar a humildade".

"O lugar-comum deste século são o desenraizamento e a inadequação".

"Como não há muita coisa que possa servir de base para nossas esperanças de um mundo melhor, como tudo o mais parece falhar de um modo ou de outro, precisamos sustentar de alguma maneira que a literatura é a única forma de segurança moral de uma sociedade, que ela é o antídoto permanente ao princípio do “homem como lobo do homem”, que ela oferece o melhor argumento contra qualquer tipo de solução coletiva que opere feito um trator – quando menos porque a diversidade humana é o que compõe a literatura e é sua raison d’être".

"é melhor fracassar na democracia que ser um mártir ou a cereja do bolo em uma tirania".

"Em um sentido antropológico, permita-me reiterar, o ser humano é uma criatura estética antes de ética. Sendo assim, não é que a arte, em específico a literatura, seja um subproduto da evolução da espécie, mas justamente o contrário. O que nos distingue de outros membros do reino animal é a fala, portanto a literatura – e a poesia em específico, como a mais alta forma de locução – é, colocando de forma direta, o objetivo de nossa espécie".

"Mas não tenho dúvida de que, se houvéssemos escolhido nossos líderes tomando como base suas experiências de leitura, e não seus programas políticos, haveria bem menos sofrimento no mundo".

Cinema

 Assisti ao filme "Vá e Veja", 1985, 142 min, do diretor soviético, Elem Klimov. É sobre a invasão do exército nazista na Bielorussia, durante a Segunda Guerra, onde mais de 600 vilarejos foram queimados.

O título do filme no original foi extraído da bíblia, Apocalipse capitulo 6, versículos 7 e 8:

⁷ E, havendo aberto o quarto selo, ouvi a voz do quarto animal, que dizia: Vem, e vê.

⁸ E olhei, e eis um cavalo amarelo, e o que estava assentado sobre ele tinha por nome Morte; e o inferno o seguia; e foi-lhes dado poder para matar a quarta parte da terra, com espada, e com fome, e com mortandade, e com as feras da terra. 

Os atores não são profissionais, são camponeses bielorussos. A atuação do Aleksei Kravchenko que fez  o personagem Flyor está impecável, ele tinha apenas 14 anos e não tem como não se emocionar.

É um filme muito triste, mas precisamos estar atentos. Sera que conseguimos evitar isso no futuro?

Vou deixar uns fragmentos sobre guerra, do livro da Doris Lessing, Prisons We Choose to Live Inside:

Vivemos em uma época assustadora, onde é difícil considerar os seres humanos dotados de razão. Para onde quer que olhemos, vemos violência e estupidez em ação, a tal ponto que nada mais parece existir além desse retorno à barbárie.

Nossa sensibilidade ficou blindada – ficamos insensíveis. Ao assistir aos horrores acontecendo em todos os cantos do globo, todos os dias, todas as noites, ano após ano, nos tornamos como aqueles soldados que foram deliberadamente transformados em brutos. Ninguém decidiu explicitamente nos endurecer, mas estamos cada vez mais indiferentes.

Em tempos de guerra, como sabe qualquer um que tenha vivido uma, ou conversado com soldados, quando estes se permitem lembrar da verdade, e não dos sentimentalismos com os quais todos nos protegemos dos horrores dos quais somos capazes... em tempos de guerra, revertemos, como espécie, ao passado e nos é permitido sermos brutais e cruéis.

É por esta razão, e claro por outras, que muitas pessoas gostam da guerra. Mas este é um dos fatos sobre a guerra que não é frequentemente discutido.

Acho sentimental discutir o tema da guerra, ou da paz, sem reconhecer que muitas pessoas gostam da guerra — não apenas da ideia dela, mas da luta em si. Na minha vida, passei muitas e muitas horas ouvindo pessoas falando sobre a guerra, a prevenção da guerra, o horror da guerra, sem nunca mencionar que, para um grande número de pessoas, a ideia da guerra é emocionante e que, quando uma guerra termina, elas podem dizer que foi o melhor momento de suas vidas. Isso pode ser verdade até mesmo para pessoas cujas experiências de guerra foram terríveis e que arruinaram suas vidas. Quem já viveu uma guerra sabe que, à medida que ela se aproxima, uma euforia inicialmente secreta e não reconhecida se instala, como se um tambor quase inaudível estivesse batendo... uma excitação terrível, ilícita e violenta se espalha. Então, a euforia se torna forte demais para ser ignorada ou negligenciada: todos são possuídos por ela.

sexta-feira, 25 de abril de 2025

Literatura BRICS: I Ching, o livro das mutações

Como mencionei no post anterior, a partir deste ano, vou ler mais livros provenientes dos países que fazem parte do BRICS. Li o I Ching ano passado, mas como tinha meu resumo nos arquivos, resolvi transferir para cá.

I Ching é um texto clássico, considerado um dos mais antigos e importantes livros de filosofia chinesa. Mostra natureza em constante mudança, enfatizando a interação entre yin e yang, duas forças complementares que sustentam todas as coisas. 

O livro é frequentemente referido como um dos Cinco Clássicos, juntamente com o Livro dos Documentos (Shujing), os Anais da Primavera e do Outono (Chunqiu), o Livro dos Ritos (Liji) e o Livro das Odes (Shijing). Acredita-se que esses Clássicos tenham sido compilados por Kong Fuzi, mais conhecido no Ocidente como Confúcio (datas tradicionais de 551 a 479 a.C.). A filosofia moral e política de Kong Fuzi foi adotada como ideologia oficial da China durante o século III a.C.

Muito mais tarde, por volta do século XII, escritos mais curtos, atribuídos a Confúcio ou supostamente inspirados por seus ensinamentos – foram agrupados nos Quatro Livros do Confucionismo.

 

Um hexagrama, neste contexto, é uma figura composta por seis linhas horizontais empilhadas (爻 yáo). Tem a linha Yang=9 (uma linha contínua ou sólida) e a linha Yin=6 (uma linha quebrada, uma linha aberta com uma lacuna no centro). 
Yin refere-se literalmente ao lado escuro da encosta da montanha, e yang, ao lado sul e ensolarado da encosta. Disto, os termos passam a significar "escuro" e "brilhante", respectivamente.
No I Ching, Yang está aliado ao Céu, sendo visto como catalisador e progenitor; gerador e frequentemente assustador, nunca é autodestrutivo. O Yin, que está aliado à Terra e é igualmente sagrado, é caracterizado como fecundo (como campos férteis ou água vivificante), repleto de potencial latente, sustentador e autodestrutivo. De acordo com a teoria yin/yang, toda mudança na existência fenomenal é produzida pelas operações dessas duas fases chamadas yin e yang, que são modos relacionais e não entidades fixas.

As linhas do hexagrama são tradicionalmente contadas de baixo para cima, de modo que a linha mais baixa é considerada a linha um, enquanto a linha superior é a linha seis. Os hexagramas são formados pela combinação dos oito trigramas originais em diferentes combinações.
Os 8 trigramas representam o céu, o trovão, a água, a montanha, a terra, o vento, o fogo e o lago.

Cada hexagrama é acompanhado por uma descrição, muitas vezes enigmática, semelhante a parábolas. Cada linha em cada hexagrama também recebe uma descrição semelhante.

Como ler este hexagrama: de baixo para cima, o primeiro trigrama é formado pela primeira linha (yang) = linha contínua e pelas segunda e terceira linhas (yin) = linhas quebradas, formando o trigrama trovão. O segundo trigrama é formado por duas linhas yin e uma yang, formando o trigrama lago. Dois trigramas formam um hexagrama. Os trigramas trovão + lago formam o hexagrama 17, chamado de 隨 (suí), "Seguidor", "Perseguidor", "Caçador". Representando a imagem do trovão dentro do lago. O som do trovão ressoa dentro do lago, fazendo com que o lago trema e siga o som. Isso simboliza o ato de seguir. Uma pessoa nobre deve agir de acordo com o tempo adequado, seguir o conselho de um sábio, seguir uma liderança forte.
Cada linha, cada trigrama e cada hexagrama tem um significado.

A palavra chinesa para trigrama e hexagrama é 卦 "guà". Abaixo vemos que a combinação dos trigramas: céu + céu = força, lago + céu = deslocamento e assim por diante.

Os 64 hexagramas, combinação dos trigramas 8x8, são:

Imagem Wikipedia

• Os 384, chamados textos em linha (6x64), cada 6 linhas dos 64 hexagramas. Tipicamente, um texto em linha consiste em uma única imagem acoplada à sua própria fórmula de predição (por exemplo, "benéfico usar para ter uma audiência com o rei").

O hexagrama 1 (trigrama céu + trigrama céu) é chamado de 乾 (qián) tchian, "Força". Outras variações incluem "o criativo", "ação forte", "a chave" e "deus". Seu trigrama interno (inferior) é ☰ (乾 qián) força = (天) céu, e seu trigrama externo (superior) é idêntico.

Significados de cada linha do primeiro hexagrama qián, todas as seis linhas são yang, mas a posição de cada uma no hexagrama muda a interpretação:

A Imagem (hexagrama) afirma: O caminho do céu é girar infinitamente sem cessar, e ninguém pode pará-lo. Uma pessoa nobre deve imitar o caminho do céu, ser autossuficiente e esforçar-se continuamente para avançar. 

Primeira linha: O dragão ainda está escondido na água, preservando sua energia e potencial, temporariamente incapaz de exercer sua influência. A imagem afirma: O dragão simboliza o yang. "O dragão ainda está escondido na água, preservando sua energia e potencial, temporariamente incapaz de exercer sua influência" é porque esta linha está na posição mais baixa, e a energia yang não pode ser manifestada. 

Segunda linha: O dragão apareceu no chão, favorável para o surgimento de uma pessoa com alta virtude e uma posição próspera. A imagem afirma: "O dragão apareceu no chão" é como o sol brilhando, trazendo bênçãos para todas as pessoas. 

Terceira linha: A pessoa nobre esforça-se incansavelmente durante todo o dia e não se atreve a afrouxar mesmo à noite. Deste modo, mesmo diante do perigo, transformarão a calamidade em bênção. A imagem afirma: "Esforçar-se incansavelmente ao longo do dia" é evitar flutuações e não ser descuidado. 

Quarta linha: O dragão pode voar e subir, ou pode retirar-se para o abismo, mas não causará danos. A Imagem afirma: "O dragão pode voar e subir, ou pode retirar-se para o abismo, mas não causará dano" porque pode discernir o momento e a situação, podendo assim avançar ou recuar livremente sem causar dano. 

Quinta linha: O dragão voa alto no céu, favorável para o surgimento de uma pessoa com alta virtude e uma posição próspera. A imagem afirma: "O dragão voa alto no céu" simboliza que uma pessoa com alta virtude e uma posição próspera definitivamente realizará algo. 

Sexta linha: O dragão voa para um lugar excessivamente alto e certamente vai se arrepender. A imagem afirma: "O dragão voa para um lugar excessivamente alto e certamente vai se arrepender" porque os extremos levarão a uma reação negativa. Quando as coisas se desenvolvem até aos seus limites, irão inevitavelmente caminhar para o seu oposto. Quando há muitos dragões, nenhum deles quer ser o líder. Este fenómeno é muito auspicioso. A Imagem afirma: O simbolismo da sexta linha em "use os nove" indica que, embora o céu dê origem a todas as coisas, ele não reivindica o primeiro lugar ou toma crédito por isso.

Esses significados foram extraídos do "Livro das mutações, clássico chinês do pensamento", em português, disponível na loja do Kindle (já tinha comprado antes de pegar ranço do dono). É um livro bem simplificado, tradução bem questionável, sem imagens, apenas os significados de cada linha do hexagrama. Para quem nao teve nenhum contato preliminar com o I Ching, vai ficar perdido, pois não saberá do que se trata as linhas e as imagens retratadas no texto. Porém, se você entendeu minha explicação até aqui, vai ficar mais fácil.

Que fique claro que em hipotése alguma recomendo este livro, usei-o como exemplo apenas para demonstrar como se lê as linhas dos hexagramas com um texto em português e este foi o unico que encontrei.

O livro mais completo que encontrei e recomendo, com imagens, explicações e comentários de Confucio e do rei Wen foi o "The complete I ching : the definitive translation from the Taoist Master Alfred Huang", publicado em 1998, pela editora Inner Traditions International. Foi o melhor que encontrei, mas não posso afimar que é o melhor que existe. Tenho certeza que a melhor edição está em mandarim, idioma que infelizmente não sei nada.

Quem quiser aprofundar mais e saber como funciona o método de oráculo ou adivinhação I Ching, os cálculos matemáticos utilizados para tirar a sorte, leia este livro: The I Ching Handbook: A Practical Guide to Personal and Logical Perspectives, de Edward A. Hacker (em inglês). 

Além de não capire niente de mandarim, muito menos ainda entendo de matemática, logo não sou capaz de tirar a minha sorte. Há coisas que prefiro não saber. Porém, a filosofia por trás é bem interessante e guia os chineses até hoje.


sexta-feira, 11 de abril de 2025

Cultura Brics: literatura, teatro, musica, culinaria, cinema, artes e arquivos

 Em 2025, decidi ler livros de autores dos primeiros cinco países que formam o BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul). Hoje há nove países e vários outros mostraram interesse em fazer parte, mas vou me concentrar nos cinco primeiros.

Índia e China têm culturas milenares, com os livros mais antigos do mundo, como os épicos sânscritos Mahabharata e Ramayana, compostos na Índia, entre os séculos IX-IV a.C. Na China, entre XII-VII séculos a.C., poemas líricos baseados em antigas canções populares, orações e hinos são compilados no “Clássico da Poesia” ou “Livro de Odes” e tem também o Livro das Mutações (I Ching).

Em 1185, as forças armadas de Igor Sviatoslavich, príncipe de Novgorod-Seversk e filho do príncipe Sviatoslav de Chernigov, foram completamente derrotadas pelos nômades polovtsianos (kumans). Este evento histórico levou um autor anônimo a escrever uma das primeiras obras-primas literárias da cultura russa chamada “O Conto de Igor” ou Slovo o polku Igoreve, é o único conto épico do gênero que chegou até nós do período de Kiev. Igor foi derrotado e capturado, mas mais tarde conseguiu escapar e retornar para casa. O conto sobreviveu em um único manuscrito que evidentemente datava do século XVI. Foi publicado pela primeira vez em 1800, cerca de uma década após sua descoberta, o manuscrito original foi destruído durante a ocupação napoleônica de Moscou, em 1812.

O Prof. Antonio Candido, no livro “Iniciação à Literatura Brasileira” diz:

 “como toda a cultura dominante no Brasil, a literatura culta foi aqui um produto da colonização, um transplante da literatura portuguesa, da qual saiu a nossa como prolongamento.

A história da literatura brasileira é em grande parte a história de uma imposição cultural que foi aos poucos gerando expressão literária diferente, embora em correlação estreita com os centros civilizadores da Europa.

Esta imposição atuou também no sentido mais forte da palavra, isto é, como instrumento colonizador, destinado a impor e manter a ordem política e social estabelecida pela Metrópole, através inclusive das classes dominantes locais”.

Você sabia que houve invasão portuguesa em 3 países do BRICS? Além do Brasil, invadiram Macau, na China e criaram o Estado Portugues da Índia nos territórios de Goa, Damão e Diu. 

Em 1494, o rei D. Manuel I, de Portugal, começou uma campanha de expulsão dos judeus que não quiseram se converter ao catolicismo e muitos foram parar na Russia.

Os portugueses foram os primeiros europeus a pisar na África do Sul, em 1487, liderados por Bartolomeu Dias, foi ele que chamou o Cabo de Cabo das Tormentas, depois o rei João II o rebatizou de Cabo da Boa Esperança. Essa “aventura" na África do Sul e na Índia ficou registrada no mais famoso poema épico português, "Os Lusíadas”, de Luís Camões.

A literatura sul-africana é como a brasileira, começou como um produto da colonização. O país tem 12 idiomas oficiais, foi colonizado pelos holandeses, ingleses, alemães, franceses, etc. As obras literárias mais conhecidas foram escritas em inglês e em afrikaans, ou seja, por brancos. 

Ironicamente o lema do país é Verskillende mense verenig (em africâner), em português significa: "Diversos povos se unem". Se unem a que preço, não é mesmo? Todos se unem, mas só uma raça teve privilégios saqueando as minas de ouro e diamantes, como fez o pai daquele bufão que é o mais rico do mundo hoje.

Dos 5 países do BRICS, o Brasil é o único que não ganhou o prêmio Nobel de Literatura ainda. A África do Sul foi laureada duas vezes, Nadine Gordimer, em 1991 e John Maxwell Coetzee, em 2003. A Índia foi laureada uma vez, com Rabindranath Tagore, em 1913. Mo Yan, da China, recebeu o prêmio em 2012 e Gao Xingjian no ano 2000. A Rússia foi a mais laureada, Boris Pasternak em 1958, Mikhail Sholokhov em 1965,  Aleksandr Solzhenitsyn em 1970 e Joseph Brodsky em 1987.

Eu vou estudar essas culturas, não só através da literatura, mas também de livros didáticos, através do teatro e do cinema, quero muito rever o cinema soviético, o cinema chinês sempre foi muito bom, já comecei a rever alguns filmes brasileiros também, já vi filmes de Bollywood, o país que menos vi filmes foi os da África do Sul.

O Brasil tem uma cultura teatral riquíssima, assim como a Rússia, mas sei pouco sobre o teatro da Índia, da África do Sul e da China. Descobri uma peça chinesa contemporânea que estou traduzindo do inglês, logo disponibilizarei o link aqui para quem tiver interesse em baixar.

A culinária também muito interessa, gosto de cozinhar e de colecionar receitas. À medida que eu fizer um prato de algum desses países, farei uma resenha e disponibilizarei a receita aqui para quem tiver interesse.

Achei muitos arquivos interessantes e como arquivista irei publicar algumas coisas aqui. Lembrando que os arquivos são, na maioria das vezes, do ponto de vista do invasor, eles documentaram os horrores que eles cometeram como se fosse uma conquista. Porém, do ponto de vista cultural, também temos muitos tesouros escondidos, muita arte, muita vestimenta, etc.

Esses cinco países passaram por muitos desafios na história da humanidade: invasões, guerras, revoluções, golpes de estado, perda de território, imposição religiosa, massacres, extermínios, corrupção, sanções internacionais, crises econômica e política, escravidão, racismo, xenofobia, classismo, misoginia, homofobia, etc. Porém, se até no concreto sai flor, das atrocidades saem a esperança, a manifestação artística, a dança, o canto, a poesia e tudo o que nos torna criativos e sobretudo humanos.

Quero explorar essas culturas, mesmo sabendo da dificuldade de ter acesso, a maioria dos autores que tem as obras disponiveis ou que foram traduzidos, sao autores que imigraram para um outro pais na Europa ou na América que é o caso de muitos russos e chineses. É mais facil achar um livro do Cotzee do que um de uma autora sul-africana negra que escreve na lingua Xossa, o mercado editoral não tem interesse na tradução com receio de nao gerar lucro.

Para terminar, deixo uma musica de cada país: 

Representando o Brasil, escolhi Getulio Abelha que mistura ritmos nordestinos com musica eletrônica


Representando a Russia, escolhi Группа Альянс, acho que a mistura de post-punk e a lingua russa combina perfeitamente.



Na India, até em filme de terror tem um espaço no roteiro para colocar uma dança, é sempre em um cenario maximalista e colorido nos videoclipes


 

O maior representante da China é o Jackson Wang e ele esta cantando em inglês neste clipe, pelo menos a chance de entender é maior do que se estivesse em mandarim

   

Representando a Africa do Sul, escolhi a dupla Mafizikolo, cantando na lingua Zulu

 

segunda-feira, 31 de março de 2025

Resumo de março: 8M, inverno, imposto, leituras e filmes

No mês de março, na teoria, começa a primavera aqui, mas na prática, continua nevando. Este inverno invernou muito, é neve que não acaba mais.

Eu sofro muito com depressão sazonal, mesmo tomando vitamina D pelo resto da vida, receitada pela médica, eu fico muito borocoxô, com zero vontade de viver.

Atualidades

O Primeiro Ministro bonitão pediu para sair, agora temos um outro temporário que vai segurar a bucha até as novas eleições no final de abril. 

No dia 28 de março, houve um terremoto de magnitude 7.7 em Mianmar, com 1700 mortos até o momento. É um país que já vive na miséria, sofreu um golpe militar em 2021 e está em guerra civil, é famoso também pelo tráfico humano, so desgraça. O tremor foi sentido em outros 5 países: Laos, Bangladesh, Índia, China e Tailândia.

Como desgraça pouca é bobagem, houve também o pior incêndio florestal na Coreia do Sul, com 30 mortos até o momento e 4 mil imóveis foram destruídos, incluindo templos milenares. O fogo foi causado por um humano e potencializado pelas mudanças climáticas.

Nos Estragos Fudidos está liberada a segregação racial. Quem quiser, pode impedir a entrada de negros, latinos, asiaticos e LGBTQIA+ nos estabalecimentos e até nos banheiros. Quem governa esse país decadente é o filho de um grande nome vindo do Apartheid sul-africano.

Não tem mais ministério da educação, muitas pesquisas foram proibidas, estudantes e pesquisadores estão sendo deportados ou estão indo embora para outras universidades que os aceitam pelo mundo afora. A sorte de ser inteligente ou ter uma boa formação acadêmica é poder trabalhar em qualquer lugar do planeta. O anti-intelectualismo que já era um projeto antigo, agora foi colocado em vigor.

Março: fim do ano financeiro

É o mês de declarar imposto, o bom de ser pobre é que eu não pago, pelo contrário, o governo até me reembolsa.

Nos últimos 9 anos estava pagando meu empréstimo escolar de $14 mil dólares, era $140 por mês durante 10 anos. Aproveitei e quitei o resto que faltava, mais de $1500. Estou livre de dívidas. Agora preciso pensar em abrir uma poupança para aposentadoria.

Um dia desses entrei no mercado, tinha uma idosa sozinha, com dois carrinhos, comprando garrafas de água e papel higiênico. Eu tive que olhar as notícias no celular para ver se tinha acontecido alguma coisa. Não sei se ela ainda está no modo pandemia ou se ela está prevendo uma inflação ou recessão econômica das bravas. Estou até pensando em estocar uns pacotes de arroz, de grãos, de coisas não perecíveis e de produtos de limpeza.

Mês internacional da mulher

Temos algo para comemorar ou só lamentar? Se alguém tiver uma notícia boa sobre alguma conquista das mulheres, conte-me nos comentários, estou por fora.

A minha única forma de comemorar é lendo livros escritos por mulheres, foram 8 no total, não farei resenha por falta de tempo, mas posso recomendá-los todos, 3 autoras ganharam o prêmio Nobel de Literatura. 


  • Prólogo, ato, epílogo: memórias da Fernanda Montenegro, 344 p., Cia das Letras.
  • A escrita como faca e outros textos, Annie Ernaux, 272 p., editora Fosforo.
  • Journal du dehors, Annie Ernaux, 107 p., Folio.
  • Ces prisons où nous choisissons de vivre, Doris Lessing, 121 p., Flammarion (releitura)
  • As Guerrilheiras, Monique Wittig, 144 p., Ubu Editora
  • A Vegetariana, Han Kang, 176 p., Todavia
  • A Corneta, Leonora Carrington, 216 p., Alfaguara.
  • El museo de los esfuerzos inútiles, Cristina Peri Rossi, 181 p., Seix Barral.

Filmes 


Além de ler a biografia da Fernanda Montenegro, assisti a dois filmes com a Fernanda Torres, pois ainda estou obcecada por essa família. Também estou vendo ou revendo a filmografia do David Lynch, mas consegui assistir a apenas um filme, pois também queria ver outras coisas, eis aqui a lista: 

  • A Marvada carne, dirigido por André Klotzel, 1985
  • Gêmeas, Andrucha Waddington, 1999
  • Lost Highway, David Lynch, 1997
  • How to make millions before grandma dies, filme tailandês, dirigido por Pat Boonnitipat, 2024.
  • Bob Marley: One Love, dirigido por Reinaldo Marcus Green, 2024
  • A Complete Unknown, dirigido por James Mangold, 2024

Séries

Como cancelei as streamings estadunidenses, só me restou a chinesa IQIYI onde posso assistir a filmes, séries e programas de variedades asiáticos, terminei duas séries:

  • Secret Relationships, 2025, Coreia do Sul, 8 episodios.
  • Gelboys, 2025, Tailandia, 7 episodios.

Videos:

Marilena Chauí: Mundo digital criou uma nova subjetividade que é narcisista, depressiva e dependente 

Homem velho que arruma mulher bem mais jovem para ser cuidadora dele e ela ainda morre primeiro. O caso Gene Hackman & Betsy Arakawa 

 

O boicote como forma de resistência

Musicas

Tracy Chapman -  Woman's work

Early in the morning she rises
The woman's work is never done
And it's not because she doesn't try
She's fighting a battle
With no one on her side

Marina - Free Woman

They can touch your body
But they'll never touch your soul
They can try discredit every song you ever wrote
Those with bad intentions, they can't get the best of me
I don't pay them no attention
'Cause they, they just don't get it
I'm a free, I'm a free woman, woman