Fragmentos do livro
"As moças sonham muitas vezes com uns seres nobres encantadores, criaturas perfeitamente ideais, e assim forjam quimeras acerca dos homens, dos sentimentos e do mundo; depois atribuem inocentemente a um caráter as perfeições com que sonham e nele confiam; amam no homem da sua escolha esse ente imaginário; porém, mais tarde, quando já não podem fugir à desgraça, a aparência enganadora que embelezaram, o seu primeiro ídolo, enfim, transforma-se num esqueleto odioso".
"Mas, como nem todas as mulheres se encontram sentadas num trono, sofrem quase todas as desgraças domésticas, que, por serem obscuras, não são menos terríveis. Aquelas que procuram neste mundo consolações imediatas aos seus males conseguem, apenas substituí-los por outros, quando querem conservar-se fiéis aos seus deveres, ou cometem faltas, se violam as leis em proveito dos seus prazeres".
"As mulheres possuem um talento inimitável para exprimir seus sentimentos sem empregar palavras demasiado vivas; sua eloqüência está principalmente na entonação, no gesto, na atitude e no olhar".
"Para que lhe tinham servido o pudor da sua mocidade, os prazeres reprimidos e os sacrifícios feitos ao mundo? Apesar de tudo nela exprimir e esperar o amor, perguntava a si mesma de que serviria agora a harmonia dos seus movimentos, o seu sorriso, a sua graça? Ela gostava de sentir-se bela e voluptuosa, tanto quanto apreciamos ouvir um som repetido sem escopo. A sua própria beleza era-lhe insuportável como uma coisa inútil. Via com horror que não poderia tornar a ser uma criatura completa. Seu eu interior não perdera a faculdade de gozar as impressões novas que dão tanta alegria à vida? De futuro, a maior parte das suas sensações passaria num momento, e muitas das que outrora a como viam ser-lhe-iam indiferentes".
"Achava-se descontente como uma atriz que não interpretou bem o seu papel, porque essa dor atacava-lhe todas as fibras, o coração e a cabeça. Se a natureza se achava contrariada nos seus mais íntimos desejos, também a vaidade estava ferida, bem como a bondade que leva a mulher a sacrificar-se".
"Deus não fez nenhuma só lei para a nossa desgraça; porém, os homens, reunindo se, falsearam sua obra. Nós, as mulheres, somos mais maltratadas pela civilização do que fomos pela natureza. Esta impõe-nos penas físicas que os homens não suavizaram, e a civilização desenvolveu sentimentos que eles enganam incessantemente. A natureza sufoca os seres fracos, os homens condenam-nos a viver para lhes oferecer uma constante desgraça. O casamento, instituição em que hoje se funda a sociedade, faz-nos sentir todo o seu peso; para o homem, a liberdade; para as mulheres, os deveres. Nós lhes devemos toda a nossa vida, eles devem-nos apenas raros instantes. Enfim, o homem escolhe, e nós nos submetemos cegamente. Pois bem, o casamento, tal como hoje se efetua, afigura-se-me uma prostituição legal".
"De fato, uma jovem tem demasiadas ilusões, demasiada inexperiência, e o sexo é bastante cúmplice do amor, para que um homem possa sentir-se lisonjeado, enquanto uma mulher conhece toda a extensão dos sacrifícios que tem que fazer. Uma é arrastada pela curiosidade, por seduções estranhas às do amor; a outra obedece a um sentimento consciencioso. Uma cede, a outra escolhe. Essa escolha já não é por si uma imensa lisonja? Dotada de um saber quase sempre caramente pago por desgosto, dando-se, a mulher experiente parece dar mais que a si própria; enquanto a jovem, ignorante e crédula, nada sabendo, nada pode comparar nem apreciar, ela aceita o amor e estuda-o. Uma instrui-nos, aconselha-nos numa idade em que se gosta de ser guiado, em que a obediência é um prazer; a outra tudo quer saber, e, onde esta se mostra apenas ingênua, mostra-se a outra profundamente terna. Aquela apresenta-nos um só triunfo, esta obriga-nos a combates perpétuos. A primeira só tem lágrimas e prazeres; a segunda, voluptuosidades e remorsos. Para que uma jovem seja a amante, deve estar demasiado corrompida, e então a abandonamos com horror; enquanto uma mulher possui mil meios de conservar ao mesmo tempo o poder e a dignidade. Uma, extremamente submissa, oferece-nos tristes garantias de repouso; a outra perde demasiado para não pedir ao amor as suas mil metamorfoses. Uma desonra-se apenas a si; a outra mata em proveito do amante uma família inteira. A jovem tem apenas uma vaidade e crê ter dito tudo, despindo o vestido; porém a mulher tem-nas em grande número e oculta-se sob mil véus; enfim, ela acaricia todas as vaidades, e a noviça apenas lisonjeia uma. Há, além disso, no amor da mulher de trinta anos, certas indecisões, terrores, receios, perturbações e tempestades o amor de uma jovem nunca pode oferecer. Chegando a essa idade, a mulher pede ao jovem que lhe restitua a estima que lhe sacrificou; só vive para ele, ocupa-se do seu futuro, deseja-lhe uma linda existência, torna-a até gloriosa; obedece, pede e ordena, abaixa-se e eleva-se e sabe consolar em mil ocasiões em que à jovem apenas é da do gemer. Enfim, além de todas as vantagens da sua posição, a mulher de trinta anos pode tornar-se jovem, representar todos os papéis, ser pudica e embelezar-se até com a própria desgraça. Entre ambas, encontra-se a diferença incomensurável do previsto ao imprevisto, da força à fraqueza. A mulher de trinta anos satisfaz tudo, e a jovem, sob pena de deixar de sê-lo, nada deve satisfazer. Essas idéias desenvolvem-se no coração de um rapaz e dão origem à mais forte das paixões, porque reúne os sentimentos factícios criados pelos costumes aos sentimentos reais da natureza.
O passo mais importante e decisivo na vida das mulheres é precisamente aquele que consideram sempre o mais insignificante. Casada, não pode dispor de si, é a rainha e a escrava do lar. A santidade das mulheres é irreconciliável com os deveres e as liberdades do mundo. Emancipar as mulheres é corrompê-las".
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