sábado, 17 de setembro de 2011

Um pouco de Augusto dos Anjos

Minha sombra
Monólogo de uma sombra

Sou uma Sombra! Venho de outras eras,
Do cosmopolitismo das moneras...
Pólipo de recônditas reentrâncias,
Larva de caos telúrico, procedo
Da escuridão do cósmico segredo,
Da substância de todas as substâncias!
[...]

Idealismo

Falas de amor, e eu ouço tudo e calo!
O amor da Humanidade é uma mentira.
É. E por isto que na minha lira
De amores fúteis poucas vezes falo.

Eterna mágoa

O homem por sobre quem caiu a praga
Da tristeza do Mundo, o homem que é triste
Para todos os séculos existe
E nunca mais o seu pesar se apaga!
Não crê em nada, pois, nada há que traga
Consolo à Mágoa, a que só ele assiste.
Quer resistir, e quanto mais resiste
Mais se lhe aumenta e se lhe afunda a chaga.
Sabe que sofre, mas o que não sabe
É que essa mágoa infinda assim, não cabe
Na sua vida, é que essa mágoa infinda
Transpõe a vida do seu corpo inerme;
E quando esse homem se transforma em verme
É essa mágoa que o acompanha ainda!

Queixas noturnas

[...]
Bati nas pedras dum tormento rude
E a minha mágoa de hoje é tão intensa
Que eu penso que a Alegria é uma doença
E a Tristeza é minha única saúde.
[...]
O amor tem favos e tem caldos quentes
E ao mesmo tempo que faz bem, faz mal;
O coração do Poeta é um hospital
Onde morreram todos os doentes.
[...]
Melancolia! Estende-me a tu’asa!
És a árvore em que devo reclinar-me...
Se algum dia o Prazer vier procurar-me
Dize a este monstro que eu fugi de casa!

Suprême convulsion

[...]
Sonho, - libertação do homem cativo -
Ruptura do equilíbrio subjetivo,
Ah! foi teu beijo convulsionador
Que produziu este contraste fundo
Entre a abundância do que eu sou, no Mundo,
E a nada do meu homem interior!

Homo Infimus

Homem, carne sem luz, criatura cega,
Realidade geográfica infeliz,
O Universo calado te renega
E a tua própria boca te maldiz!
[...]
Deixa a tua alegria aos seres brutos,
Porque, na superfície do planeta,
Tu só tens um direito: - o de chorar!

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