sábado, 27 de maio de 2017

Lendo mulher japonesa: Fumiko Enchi

Este é o meu primeiro contato com um livro escrito por uma mulher japonesa. Já li alguns homens: Murakami, KawabataTakuboku e Soseki.
Gosto bastante do cinema japonês, ja assisti à vários filmes do Akira Kurosawa, Hirokazu Kore-eda, Kenji Misoguchi, Yasujiro Ozu, Takeshi Kitano, Hayao Miyazaki, entre outros.
Assisti a filmes dirigidos por mulheres japonesas também, mas ainda nao coloquei aqui no "Mulheres na Direçao". No inverno volto a postar sobre filmes, agora que é primavera-verao e eu preciso sair um pouco.
Titulo: Masque de Femme (Máscara de Mulher)
Autora: Fumiko Enchi
Ano de lançamento: 1958
145 paginas.

O titulo "Máscara de mulher" refere-se às máscaras femininas do Teatro . Como meu conhecimento é bem pobre em cultura japonesa e oriental, tive que pesquisar um pouco sobre esse tipo de teatro, pois o que tinha visto até entao, foi uma cena no filme "Dolls", do Takeshi Kitano (filme lindo!). Vamos ao resumo do básico:
  • significa talento/ habilidade
  • O teatro tradicional japonês foi reconhecido pela UNESCO como patrimônio cultural imaterial.
  • Envolve musica, dança e dramatizaçao.
  • Todos atores sao homens. O que diferencia os personagens masculinos dos femininos sao as mascaras. Elas sao divididas em 5 categorias: homens, mulheres, idosos (dos dois sexos), demônios e espiritos. Dentre estas categorias ha as subcategorias, por exemplo: homem jovem, mulher madura, mulher louca, etc. Somando aproximadamente 250 máscaras.
  • A máscara de espirito vingador feminino tem chifre, o masculino nao.
Par Vassil — Travail personnel, Domaine public


A Profa de Artes Cênicas da USP, Darci Kusano, escreveu este artigo sobre o Teatro tradicional japonês e ela cita um escritor que definiu o teatro Nô da seguinte forma:

"O escritor Yukio Mishima radicaliza e considera o nô uma arte necrófila, um teatro ímpar no mundo, pois começa quando tudo já terminou. Na primeira parte da peça, disfarçado de pessoa comum, o espírito retorna à terra e aparece diante de um ser humano. Já na segunda parte, revela sua verdadeira identidade, geralmente através de uma dança, reencenando o sentimento que mais o marcou em vida: a derrota na batalha, o ódio, o ciúme, o amor não correspondido, a dor de um filho morto e assim, purgar as suas emoções mundanas e alcançar a iluminação."
Esta definição me chamou a atenção, pois o livro segue a mesma lógica do teatro. Começa com este assunto de possessão de espiritos e em seguida todos os outros assuntos que sublinhei.

O livro é dividido em três capítulos, cada um deles representa um nome de uma máscara feminina, sao elas: 

  • Ryō no Onna (A possuida), é  o rosto de uma mulher angustiada e que espera em vao o marido que nunca retornará.
  • Masugami (A dos cabelos longos), representa a princesa louca, errante, no qual seu irmão é vitima do destino. Ter o cabelo longo e bangunçado na poesia japonesa, significa ter o espirito perturbado.
  • Fukai (A poço profundo), é a mascara para o papel de mãe. Seus olhos sao profundos dando a impressao de uma mulher perdida em seus pensamentos.

As principais personagens femininas do livro que fazem um paralelo com as três máscaras citadas sao:

  • Mieko Toganoo, viúva, poeta renomada, diretora de uma revista literária, tem interesse em possessao e espiritismo na literatura classica japonesa, em particular no romance de Genji. Seu filho Akio morreu numa avalanche, ao tentar escalar o Monte Fuji.
  • Yasuko é nora de Mieko e viúva de Akio, ela tem um relacionamento ambíguo com a sogra (tanto intelectual quanto sexual).
  • Harume é irma gêmea de Akio, logo é filha de Mieko. É linda, mas tem problemas mentais.
Os dois personagens masculinos, Mikame e Ibuki, estao apaixonados por Yasuko e ela vai aproveitar disso para um proposito bem inusitado (para nao dizer assustador, horripilante).

Outro fato que me chamou a atençao, foi a forma que a autora descreve a misoginia presente no Budismo, isso é bem claro nas religiões monoteistas, mas nunca tinha prestado atenção a este detalhe nas religiões orientais.
Por exemplo, tem uma parte que fala de um personagem feminino, a Dama da Sexta Avenida, do romance de Genji. Ela é ciumenta e obsessiva, mas as pessoas a viam pelo ponto de vista budista, o "arquétipo do karma feminino nefasto".
Tem outra parte que fala de possessão e poderes xamânicos femininos que foram reprimidos e quase extintos por afrontarem os homens. Entao é citado um termo budista "o karma feminino é uma distraçao, uma loucura passageira, portanto o mal".
Tem uma outra passagem interessante e bem feminista sobre isso:
"Pela questão da paternidade, por exemplo: para ter certeza que o filho  é seu, o homem, durante séculos, acumulou esforços admiraveis, instituindo o crime passional, inventando o cinto de castidade... Mas eles nunca conseguiram desmantelar um segredo de uma mulher. Se Jesus e Buda odiavam as mulheres a ponto de sadismo, era para obrigar a rendição de um adversário contra quem o combate ja estava perdido antecipadamente."
Além do teatro , tem também comparações com a maior obra literária japonesa do século XI, considerada também como o primeiro romance psicológico, Genji monogatari. A autora que traduziu esta obra para o japonês moderno.

Gostei bastante da leitura, super indico. É meio perturbador, porque máscaras ao mesmo tempo que atrai a atenção, também causa um certo desconforto. Tive que fazer pesquisas antes de avançar na leitura, mas valeu a pena. Aprendi um pouco mais sobre uma cultura.

Vou deixar alguns links sobre o teatro , caso alguém tenha interesse (em inglês e francês).

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