segunda-feira, 25 de maio de 2009

Momento literário: Terra sonâmbula de Mia Couto



Tive acesso à Literatura Africana, graças ao Yari que me apresentou com tanto entusiasmo que resolvi ler alguma coisa. Esse é o primeiro livro que leio de um escritor africano, eu realmente “devorei” o Mia em poucos dias é uma leitura deliciosa e triste.
Narra a história de um menino e de um velho e suas andanças por uma terra totalmente desolada pela guerra em que corpos são encontrados pelo caminho e vilas devastadas fazem parte do cenário.
O velho, um tanto reacionário no começo, talvez pela ignorância, ele não sabe ler, é muito místico e fala coisas como:
- Não pensa, rapaz. A vida é tão curta, você quer encher ela de tristezas? Não, tio.
Estou a pensar... Não, é melhor não dizer.
- É melhor, mesmo. Fica calado.
Ou seja, ignorava qualquer tipo de pensamento e no começo não gostava de conversar. Já o menino sabia ler, tinha muitas curiosidades e no fim, fez com que o velho também se interessasse pela história do diário;

Outros fragmentos:
Não diga você recebeu doença de seu pai de morar no sonho.
Pai, a terra não envelhece. É por quê?
É porque trabalha deitada. Quando cansa ela já está em sua esteira, quieta no sono dela. Aprendi muito da terra. É o que você devia fazer.

Tu vives num tempo em que o amor é uma coisa estúpida.
E o velho desenrola seu pensamento. Nosso mundo de então era feito de miséria e fome. O que valia o amor, a amizade? O único valor, nos atuais dias, é sobreviver.
Muidinga, aliás Kindzu, queria saber da felicidade; os outros queriam saber de comida. Ele procurava bondade; os outros só queriam saber quanta vantagem podiam tirar.

Mas pai, o que passa com esta nossa terra?
Você não sabe, filho. Mas enquanto os homens dormem, a terra anda procurar.
- A procurar o quê, pai?
É que a vida não gosta sofrer. A terra anda procurar dentro de cada pessoa, anda juntar os sonhos. Sim, faz conta ela é uma costureira dos sonhos.

Chorais pelos dias de hoje? Pois saibam que os dias que virão serão ainda piores.
Foi por isso que fizeram esta guerra, para envenenar o ventre do tempo, para que o presente parisse monstros no lugar da esperança. Não mais procureis vossos familiares que saíram para outras terras em busca da paz. Mesmo que os reencontreis eles não vos reconhecerão. Vós vos convertêsseis em bichos, sem família, sem nação. Porque esta guerra não foi feita para vos tirar do país mas para tirar o país de dentro de vós. Agora, a arma é a vossa única alma. Roubaram-vos tanto que nem sequer os sonhos são vossos, nada de vossa terra vos pertence, e até o céu e o mar serão propriedade de estranhos.

quarta-feira, 20 de maio de 2009

Momento Literário: Desespero humano - Kierkegaard

Terminei de ler mais um livro do Kierkegaard, esse é mais teológico e filosófico, bem diferente do "Diário de um sedutor".
A parte sobre o desespero entendi bem, mas a parte sobre o pecado ficou confusa na minha cabeça porque é estranho ver o pecado diferente da forma religiosa.
Segue abaixo os melhores momentos:

Não queremos ser nós próprios, queremos nos desembaraçar do nosso eu, e não poderia existir essa outra: a vontade desesperada de sermos nós próprios.

Desesperar de si próprio, querer, desesperado, livrar-se de si próprio, tal é a fórmula de todo desespero.

O homem deseja sempre libertar-se do seu eu, do eu que é, para se tornar um eu de sua própria invenção. Mas o constrangimento de ser este eu que não quer ser é o seu suplício, não pode libertar-se de si próprio.

Assim como talvez não haja, dizem os médicos, ninguém completamente são, também se poderia dizer, conhecendo bem o homem, que nem um só existe que esteja isento de desespero, que não tenha lá no fundo uma inquietação, uma perturbação, uma desarmonia, um receio de não se sabe o quê de desconhecido ou que ele nem ousa conhecer, receio de uma eventualidade exterior ou receio de si próprio.

Mas a espontaneidade não conhece outro modo de lutar, uma coisa só sabe: desesperar e ficar em êxtase... e contudo, se há alguma coisa que ela ignora, é o que seja o desespero. Desespera e fica em delíquio, e depois, como morta, fica imóvel, habilidade semelhante à de “se fazer de morto” porque assemelha-se àqueles animais inferiores cuja a única arma de defesa é a imobilidade e a simulação da morte.

A inveja é uma admiração que se dissimula. O admirador que sente a impossibilidade de ser feliz cedendo à sua admiração toma o partido de invejar.
A admiração é um abandono de nós próprios penetrado de felicidade, a inveja é uma reivindicação infeliz do eu.

segunda-feira, 11 de maio de 2009

Momento literário: Diário de um sedutor - Kierkegaard


É curioso ler um diário amoroso de um homem e esse personagem é muito interessante, pensa friamente nos mínimos detalhes para chegar à arte da sedução. Ele não é qualquer sedutor barato, ele é poético, filósofo, usa da mitologia, frases em latim e em alemão, milimetramente calculista. É tão cafajeste quanto os outros, porém muito intelectualizado.


O que eu gostei de ler:

  • As cartas passionais da jovem Cordélia
  • As cartas sedutoras de Johannes
  • A classificação dos beijos

Fragmento

“É revoltante que um homem indique mal a estrada a um viajante que ignora o caminho a percorrer, e o abandone em seguida, sozinho no engano. Mas não será mais revoltante ainda levar alguém a perder em si próprio? O viajante tem, apesar de tudo, a consolação da paisagem, cujo o aspecto se vai modificando aos seus olhos, e o fato de que, em cada uma dessas modificações, pode ter uma esperança de encontrar uma saída; mas aquele que perde em si próprio não tem um vasto terreno por onde caminhar os seus passos; em breve se dá conta de estar fechado num círculo, de onde lhe é impossível escapar”.

Impressões do livro pelo Professor dinamarquês Lars Olsen


O diário do sedutor é o melhor tratado que conheço sobre a arte de seduzir. Johannes faz do artifício para seduzir Cordélia uma forma de aperfeiçoamento estético e de exercício intelectual. Ele avalia, passo por passo, as estratégias (valoriza os estudos prévios, os ensaios), sustenta-se o tempo todo na elegância das palavras, não se deixa deslizar emocionalmente. Busca no que chama de "reflexão poética" o substrato do jogo de sedução. Mas nem por isso deixa de assumir a sua condição de seduzido. Ele inclusive admite (no outro livro) que a mulher é a sedução mais poderosa do céu e da terra e que aprendeu com ela a arte de seduzir. O que ele fez foi intelectualizar essa arte, dar-lhe uma forma elaborada, calculada. É aí que entra a complexidade e a riqueza do livro. Johannes se feminiza, de certa maneira, para o exercício bem sucedido da sedução. Esse é o seu maior artifício e o seu maior segredo. Por isso nenhuma de suas manobras fracassa. Ao contrário de Don Juan, ele vê a mulher como um sujeito e não se preocupa com a quantidade de suas conquistas, mas com a qualidade da sedução. O que importa para ele não é o fim, mas o processo e a reflexão crítica sobre esse processo. Ele tinha consciência de que um sedutor devia possuir uma força que Don Juan, apesar de seus muitos dotes, não possuía: a força da palavra. O poder de jogar com a potencialidade enganadora da linguagem. O que, sabemos, Borges soube fazer com muita destreza e competência. Penso que Baudrillard poderia ter ido mais longe em suas reflees, a partir de Kierkegaard e do próprio Borges. Se ele tivesse feito uma leitura em contraponto do Diário do Sedutor, do Erotismo Musical (texto de Kierkegaard sobre a ópera Don Giovanni, de Mozart) e do discurso iluminador que Johannes, o Sedutor, profere no livro In vino veritas, ele teria se dado conta de que o autor dinamarquês já tinha antecipado muitas das idéias que ele, Baudrillard, tomou como sendo suas próprias.

Extraído daqui: http://www.revista.agulha.nom.br/ag20olsen.htm

terça-feira, 5 de maio de 2009

Mulher de 30 anos - Balzac

Terminei a leitura de Honoré de Balzac. Desconfio do tamanho entendimento sobre o sentimento feminino, aposto que tudo o que ele sabe sobre mulheres foi a polaca que contou, durante os 15 anos que eles trocaram cartas. No fim da vida acabou casando com ela.


Fragmentos do livro


"As moças sonham muitas vezes com uns seres nobres encantadores, criaturas perfeitamente ideais, e assim forjam quimeras acerca dos homens, dos sentimentos e do mundo; depois atribuem inocentemente a um caráter as perfeições com que sonham e nele confiam; amam no homem da sua escolha esse ente imaginário; porém, mais tarde, quando já não podem fugir à desgraça, a aparência enganadora que embelezaram, o seu primeiro ídolo, enfim, transforma-se num esqueleto odioso".
"Mas, como nem todas as mulheres se encontram sentadas num trono, sofrem quase todas as desgraças domésticas, que, por serem obscuras, não são menos terríveis. Aquelas que procuram neste mundo consolações imediatas aos seus males conseguem, apenas substituí-los por outros, quando querem conservar-se fiéis aos seus deveres, ou cometem faltas, se violam as leis em proveito dos seus prazeres".




"As mulheres possuem um talento inimitável para exprimir seus sentimentos sem empregar palavras demasiado vivas; sua eloqüência está principalmente na entonação, no gesto, na atitude e no olhar".




"Para que lhe tinham servido o pudor da sua mocidade, os prazeres reprimidos e os sacrifícios feitos ao mundo? Apesar de tudo nela exprimir e esperar o amor, perguntava a si mesma de que serviria agora a harmonia dos seus movimentos, o seu sorriso, a sua graça? Ela gostava de sentir-se bela e voluptuosa, tanto quanto apreciamos ouvir um som repetido sem escopo. A sua própria beleza era-lhe insuportável como uma coisa inútil. Via com horror que não poderia tornar a ser uma criatura completa. Seu eu interior não perdera a faculdade de gozar as impressões novas que dão tanta alegria à vida? De futuro, a maior parte das suas sensações passaria num momento, e muitas das que outrora a como viam ser-lhe-iam indiferentes".




"Achava-se descontente como uma atriz que não interpretou bem o seu papel, porque essa dor atacava-lhe todas as fibras, o coração e a cabeça. Se a natureza se achava contrariada nos seus mais íntimos desejos, também a vaidade estava ferida, bem como a bondade que leva a mulher a sacrificar-se".




"Deus não fez nenhuma só lei para a nossa desgraça; porém, os homens, reunindo se, falsearam sua obra. Nós, as mulheres, somos mais maltratadas pela civilização do que fomos pela natureza. Esta impõe-nos penas físicas que os homens não suavizaram, e a civilização desenvolveu sentimentos que eles enganam incessantemente. A natureza sufoca os seres fracos, os homens condenam-nos a viver para lhes oferecer uma constante desgraça. O casamento, instituição em que hoje se funda a sociedade, faz-nos sentir todo o seu peso; para o homem, a liberdade; para as mulheres, os deveres. Nós lhes devemos toda a nossa vida, eles devem-nos apenas raros instantes. Enfim, o homem escolhe, e nós nos submetemos cegamente. Pois bem, o casamento, tal como hoje se efetua, afigura-se-me uma prostituição legal".




"De fato, uma jovem tem demasiadas ilusões, demasiada inexperiência, e o sexo é bastante cúmplice do amor, para que um homem possa sentir-se lisonjeado, enquanto uma mulher conhece toda a extensão dos sacrifícios que tem que fazer. Uma é arrastada pela curiosidade, por seduções estranhas às do amor; a outra obedece a um sentimento consciencioso. Uma cede, a outra escolhe. Essa escolha já não é por si uma imensa lisonja? Dotada de um saber quase sempre caramente pago por desgosto, dando-se, a mulher experiente parece dar mais que a si própria; enquanto a jovem, ignorante e crédula, nada sabendo, nada pode comparar nem apreciar, ela aceita o amor e estuda-o. Uma instrui-nos, aconselha-nos numa idade em que se gosta de ser guiado, em que a obediência é um prazer; a outra tudo quer saber, e, onde esta se mostra apenas ingênua, mostra-se a outra profundamente terna. Aquela apresenta-nos um só triunfo, esta obriga-nos a combates perpétuos. A primeira só tem lágrimas e prazeres; a segunda, voluptuosidades e remorsos. Para que uma jovem seja a amante, deve estar demasiado corrompida, e então a abandonamos com horror; enquanto uma mulher possui mil meios de conservar ao mesmo tempo o poder e a dignidade. Uma, extremamente submissa, oferece-nos tristes garantias de repouso; a outra perde demasiado para não pedir ao amor as suas mil metamorfoses. Uma desonra-se apenas a si; a outra mata em proveito do amante uma família inteira. A jovem tem apenas uma vaidade e crê ter dito tudo, despindo o vestido; porém a mulher tem-nas em grande número e oculta-se sob mil véus; enfim, ela acaricia todas as vaidades, e a noviça apenas lisonjeia uma. Há, além disso, no amor da mulher de trinta anos, certas indecisões, terrores, receios, perturbações e tempestades o amor de uma jovem nunca pode oferecer. Chegando a essa idade, a mulher pede ao jovem que lhe restitua a estima que lhe sacrificou; só vive para ele, ocupa-se do seu futuro, deseja-lhe uma linda existência, torna-a até gloriosa; obedece, pede e ordena, abaixa-se e eleva-se e sabe consolar em mil ocasiões em que à jovem apenas é da do gemer. Enfim, além de todas as vantagens da sua posição, a mulher de trinta anos pode tornar-se jovem, representar todos os papéis, ser pudica e embelezar-se até com a própria desgraça. Entre ambas, encontra-se a diferença incomensurável do previsto ao imprevisto, da força à fraqueza. A mulher de trinta anos satisfaz tudo, e a jovem, sob pena de deixar de sê-lo, nada deve satisfazer. Essas idéias desenvolvem-se no coração de um rapaz e dão origem à mais forte das paixões, porque reúne os sentimentos factícios criados pelos costumes aos sentimentos reais da natureza.
O passo mais importante e decisivo na vida das mulheres é precisamente aquele que consideram sempre o mais insignificante. Casada, não pode dispor de si, é a rainha e a escrava do lar. A santidade das mulheres é irreconciliável com os deveres e as liberdades do mundo. Emancipar as mulheres é corrompê-las".