segunda-feira, 11 de maio de 2009

Momento literário: Diário de um sedutor - Kierkegaard


É curioso ler um diário amoroso de um homem e esse personagem é muito interessante, pensa friamente nos mínimos detalhes para chegar à arte da sedução. Ele não é qualquer sedutor barato, ele é poético, filósofo, usa da mitologia, frases em latim e em alemão, milimetramente calculista. É tão cafajeste quanto os outros, porém muito intelectualizado.


O que eu gostei de ler:

  • As cartas passionais da jovem Cordélia
  • As cartas sedutoras de Johannes
  • A classificação dos beijos

Fragmento

“É revoltante que um homem indique mal a estrada a um viajante que ignora o caminho a percorrer, e o abandone em seguida, sozinho no engano. Mas não será mais revoltante ainda levar alguém a perder em si próprio? O viajante tem, apesar de tudo, a consolação da paisagem, cujo o aspecto se vai modificando aos seus olhos, e o fato de que, em cada uma dessas modificações, pode ter uma esperança de encontrar uma saída; mas aquele que perde em si próprio não tem um vasto terreno por onde caminhar os seus passos; em breve se dá conta de estar fechado num círculo, de onde lhe é impossível escapar”.

Impressões do livro pelo Professor dinamarquês Lars Olsen


O diário do sedutor é o melhor tratado que conheço sobre a arte de seduzir. Johannes faz do artifício para seduzir Cordélia uma forma de aperfeiçoamento estético e de exercício intelectual. Ele avalia, passo por passo, as estratégias (valoriza os estudos prévios, os ensaios), sustenta-se o tempo todo na elegância das palavras, não se deixa deslizar emocionalmente. Busca no que chama de "reflexão poética" o substrato do jogo de sedução. Mas nem por isso deixa de assumir a sua condição de seduzido. Ele inclusive admite (no outro livro) que a mulher é a sedução mais poderosa do céu e da terra e que aprendeu com ela a arte de seduzir. O que ele fez foi intelectualizar essa arte, dar-lhe uma forma elaborada, calculada. É aí que entra a complexidade e a riqueza do livro. Johannes se feminiza, de certa maneira, para o exercício bem sucedido da sedução. Esse é o seu maior artifício e o seu maior segredo. Por isso nenhuma de suas manobras fracassa. Ao contrário de Don Juan, ele vê a mulher como um sujeito e não se preocupa com a quantidade de suas conquistas, mas com a qualidade da sedução. O que importa para ele não é o fim, mas o processo e a reflexão crítica sobre esse processo. Ele tinha consciência de que um sedutor devia possuir uma força que Don Juan, apesar de seus muitos dotes, não possuía: a força da palavra. O poder de jogar com a potencialidade enganadora da linguagem. O que, sabemos, Borges soube fazer com muita destreza e competência. Penso que Baudrillard poderia ter ido mais longe em suas reflees, a partir de Kierkegaard e do próprio Borges. Se ele tivesse feito uma leitura em contraponto do Diário do Sedutor, do Erotismo Musical (texto de Kierkegaard sobre a ópera Don Giovanni, de Mozart) e do discurso iluminador que Johannes, o Sedutor, profere no livro In vino veritas, ele teria se dado conta de que o autor dinamarquês já tinha antecipado muitas das idéias que ele, Baudrillard, tomou como sendo suas próprias.

Extraído daqui: http://www.revista.agulha.nom.br/ag20olsen.htm

3 comentários:

  1. Estou lendo esse livro, ironicamente destaquei o mesmo fragmento que vc e penso praticamente a mesma coisa que esse professor... o que tem me encantando nesse livro é a forma como Johannes problematiza e reflete sobre o passo-a-passo de sua sedução... enquanto ele caumamente costura a teia onde vai prender a jovem e onde ele mesmo se ver preso ele vai refletindo, problematizando... refletindo sobre o mundo e os sujeitos que o cercam, ele é assustador... cauculista... Meu Deus, quem poderia resistir a tal processo de consquista... Pobre Cordelia!

    ResponderExcluir
  2. Senhorita Pandora!
    Também marquei o tal fragmento dado a sua profundidade. Sim, Johannes nos ensina o processo de sedução nos mais minuciosos detalhes e mostra que o que lhe importa na verdade é este processo de construção da "arte" de seduzir, jamais a finalidade.
    Desde o início da minha graduação fui simpático à Kierkegaard. Esta simpatia culminou com o trabalho de conclusão de curso que construí: "Subjetividade e Verdade em Sören Kierkegaard".

    Até mais!

    ResponderExcluir
  3. Também grifei o mesmo trecho, e bem interessante é, que com toda consciência do que relatava, Johannes expressou nestas palavras, neste contexo, algo que nos desperta sentimentos bem reais, do tipo que nos leva a lembrar de momentos em que nos sentimos ou até mesmo, nos sentiríamos assim, fosse o caso. Como alguém que perdeu-se em si mesmo! O autor, mesmo no século XIX, troxe-nos uma problemática tb evidenciada na obra: a do machismo! Dentre outras, o livro é fascinante!

    ResponderExcluir