O tema do "Desafio Literário" para o mês de março é "mortes em série", eu tinha escolhido um outro livro para ler, mas, às vezes a gente não escolhe o livro, ele nos escolhe, vi "O Nome da Rosa" guardadinho entre os outros livros, como a trama tem tudo a ver com o tema, resolvi lê-lo. Por quê demorei tanto? É um livro tão gostoso! Embora seja um pouco difícil para quem não tem familiaridade com o latim, afinal a gente tem que reservar um tempo para as traduções, recorri ao Google tradutor (que é bem ruinzinho ainda!) e ao dicionário. O livro é muito bacana para quem gosta de latim, de mortes inexplicáveis, de idade média, de teologia, vida monástica, de investigação, de biblioteca e de livros (afinal, os que frequentam a biblioteca ou são interessados por livros são os principais suspeitos).
Coleção Biblioteca da Folha - 479 págs |
O livro apresenta fatos históricos da Europa Medieval. O narrador, Adso, um jovem bem motivado, curioso e cheio de boas intenções, como um estagiário hoje em dia, tem vontade e capacidade de aprender, mas tem a ingenuidade que o impede de entender os processos burocráticos, a política do lugar, o lado obscuro e até corrupto da organização. No desenrolar da trama, é nítido como Adso vai perdendo a ingenuidade e adquirindo a malícia e percebendo o ambiente sombrio ao seu redor, a corrupção, as mentiras. Ele começa a ter vontades anti-celibatárias e a refletir sobre o amor, a mulher, se isso é realmente prejudicial ao homem que escolhe servir a Deus.
Outro personagem que me encantou foi o Salvatore, parecia mais bicho do que gente e falava todas as línguas ao mesmo tempo, criando seu próprio idioma.
Durante a leitura deste livro, fiz uma viagem ao Peru, visitei em 12 dias tantas igrejas, talvez mais do que tenha visitado a minha vida inteira, essa experiência religiosa me enojou muito, a história da colonização foi tão cruel quanto na Idade Média descrita no livro, visitei o Museo de la Inquisición, a Inquisição Peruana é parecida com a espanhola que é um pouco diferente da medieval, mas tinha o mesmo intuito, torturar e matar quem não estava de acordo com a igreja. As próprias igrejas foram construídas com pouca iluminação, órgãos com aqueles sons assustadores, uns santos com caras de sofrimento para meter terror mesmo, usaram a psicologia do medo para conquistar os nativos, uma espécie de evangelização terrorista. O mais estúpido foi a forma que destruíram a civilização inca, tão rica, cheia de conhecimentos arquitetônicos, de astronomia e de respeito pela natureza. Os que deveriam trazer a paz em nome da religião, trazem guerras, intolerância e discórdia entre os povos, isso até os dias de hoje, infelizmente.
Uma das bibliotecas mais antigas da América dentro de uma igreja do Peru |
"A biblioteca é testemunho da verdade e do erro". (Jorge de Burgos)
"A conquista do saber passa pelo conhecimento das línguas". (Guilherme citando Bacon)
"Como assim? Para saber o que diz um livro deveis ler outros"? "Às vezes pode-se proceder assim. Frequentemente os livros falam de outros livros. Frequentemente um livro inócuo é como uma semente que florescerá em um livro perigoso, ou, ao contrário, é o fruto doce de uma raiz amarga". (conversa entre Guilherme e Adso)
O medo que a igreja tinha de quem lia ou buscava adquirir conhecimento (clique nas imagens para ler melhor) |
"A fêmea é a embarcação do demônio". (Ubertino conversando com Adso)
"É através da mulher que o diabo penetra no coração dos homens!" (Ubertino conversando com Adso)
"Da mulher, diz o Eclesiastes que sua conversa é como fogo ardente, e os Provérbios dizem que ela se apodera da alma preciosa do homem e que os mais fortes foram arruinados por ela. E disse mais o Eclesiastes: descobre que mais amarga que a morte é a mulher, e que é como um laço dos caçadores, o seu coração é como uma rede, as suas mãos como cordas. E outros disseram que ela é a barca do demônio. Visto isso, caro Adso, eu não consigo convencer-me que Deus tenha querido introduzir na criação um ser tão imundo sem dotá-lo de alguma virtude". (Guilherme)
mais de meia página em latim (clique na imagem para aumentar) |
Vou colocar aqui algumas traduções do latim que achei interessante. Queria colocar todas, mas já estou atrasada com esta postagem, também estou sem tempo, mas quem for ler o livro e tiver alguma dúvida, coloque nos comentários a frase que eu posso ajudar.
[pág 19] videmus nunc per speculum et in aenigmate: Porque agora vemos por espelho em enigma. (Baseado no versículo bíblico de 1 Coríntios 13:12: Agora, pois, vemos apenas um reflexo obscuro, como em espelho; mas, então, veremos face a face. Agora conheço em parte; então, conhecerei plenamente, da mesma forma como sou plenamente conhecido).
Agora, pois, vemos apenas um reflexo obscuro, como em espelho; mas, então, veremos face a face.
1 Coríntios 13:12
1 Coríntios 13:12
Agora, pois, vemos apenas um reflexo obscuro, como em espelho; mas, então, veremos face a face.
1 Coríntios 13:12
1 Coríntios 13:12
Agora, pois, vemos apenas um reflexo obscuro, como em espelho; mas, então, veremos face a face.
1 Coríntios 13:12
1 Coríntios 13:12
[pág. 31] Alan das Ilhas dizia que:
omnis mundi creaturaToda criação do mundo, como um livro ou uma pintura, é como um espelho para nós.
quasi liber et pictura
nobis est in speculum
[pág. 42] Monasterium sine libres est sicut civitas sine opibus, castrum sine numeris, coquina sine supellectili, mensa sinecibis, hortus sine herbis, pratum sine floribus, arbor sine foliis. Um monastério sem livros é como uma cidade sem riquezas, um castelo sem soldados, uma cozinha sem utensílios, uma mesa sem manjares, uma horta sem ervas, prados sem flores, árvores sem folhas.
[pág. 70] mors est quies viatoris - finis est omnis laboris: A morte é o descanso da vida - o fim de todo o trabalho.
[pág. 83] verba vana aut risui apta non loqui: não pronuncieis palavras vãs, aptas a provocar o riso. (baseado no livro de Efésios, capítulo 5)
[pág. 272] Actus appetiti sensitivi in quantum habent transmutationem corporalem annexam, passiones dicuntur, non autem actus voluntatis. Os atos do apetite sensitivo causam transmutações corpóreas, isso é paixão, não um ato voluntário. (Suma Teológica de São Tomás de Aquino)
facit quod ipsae res quae amantur, amanti aliquo modo uniantur et amor est magis congnitivus quam congnitio. O amor nos faz amar as mesmas coisas, os amantes estão unidos de alguma forma, o amor é mais cognitivo que o conhecimento.
esse livro foi uma grata surpresa, gostei muito :-)
ResponderExcluiro filme é bacaninha, eu fiz o inverso, filme primeiro e livro em segundo e como sempre, o veredito foi unanime (eu e todos meus neuronios) = o livro é muuuuuuuuito melhor rs