Terminei a leitura do livro "A insustentavel leveza do ser", do escritor tcheco, naturalizado francês, Milan Kundera, é meu primeiro contato com a obra dele.
Narra a historia do ponto de vista da burguesa tcheca, sobre a vida artistas e intelectuais na época da invasao do exército russo na entao Tchecoslovaquia (hoje sao dois paises: Republica Tcheca e Eslovaquia), época conhecida também como Primavera de Praga, em 1968.
A ideia de leveza e a dureza (ou fardo), vêm do poema intitulado "Sobre a Natureza e sua permanência", do filosofo grego Parmênides.
Foi a questão com que se debateu Parmênides, no século VI antes de Cristo. Para ele, o universo estava dividido em pares de contrários: luz-sombra; espesso-fino; quente-frio; ser-não ser. Considerava que um dos pólos da contradição era positivo (o claro, o quente, o fino, o ser) e o outro, negativo. Esta divisão em pólos positivos e negativos pode parecer de uma facilidade pueril. Exceto num caso: o que é positivo: o peso ou a leveza?
Parmênides respondia que o leve é positivo e o pesado, negativo. Tinha razão ou não? O problema é esse. Mas uma coisa é certa: a contradição pesado-leve é a mais misteriosa e ambígua de todas as contradições.
Portanto, o fardo mais pesado é também, ao mesmo tempo, a imagem do momento mais intenso de realização de uma vida. Quanto mais pesado for o fardo, mais próxima da terra se encontra a nossa vida e mais real e verdadeira é.
Em contrapartida, a ausência total de fardo faz com que o ser humano se torne mais leve do que o ar, fá-lo voar, afastar-se da terra, do ser terrestre, torna-o semi-real e os seus movimentos tão livres quanto insignificantes. Que escolher, então? O peso ou a leveza?
Sabina representa a leveza, é uma pintora, nao é apegada a nada e a ninguém, prefere ser amante de homens casados a ter uma relacionamento sério, nao esconde o que é, dança conforme a musica, pensa no seu proprio bem estar e nao nos problemas politicos, sociais ou nas esposas de seus amantes, ela foge dos problemas. Se fosse hoje, ela teria varios followers nas redes sociais:
Para Sabina, viver na verdade, não mentir nem a si próprio nem aos outros, só é possível se não houver público nenhum. A partir do momento em que os nossos atos têm uma testemunha, quer queiramos quer não, adaptamo-nos aos olhos que nos observam; e, a partir de então, nada do que fazemos é verdadeiro. Ter um público, pensar num público, é viver na mentira. Sabina despreza aquele tipo de literatura em que o autor revela não só toda a sua intimidade, como também a dos amigos. Quem perde a sua intimidade, perde tudo, pensa Sabina. E quem renuncia voluntariamente a ela é um monstro. Por isso, Sabina não se importa de ter uma relação clandestina. Bem pelo contrário, para ela, é a única maneira de viver na verdade.
Até aqui, os momentos de traição exaltavam-na e ficava sempre cheia de alegria só à idéia do novo caminho que se abria e da aventura sempre nova da traição que a esperava no fim da viagem. Mas que aconteceria se a viagem acabasse? Pais, maridos, amores, pátrias podem trair-se, mas o que resta para trair quando já não houver pais, nem marido, nem amor, nem pátria?
A pobre da Tereza é a representaçao da dureza mesmo, era servente em um bar quando conheceu o médico Tomas, casa com ele e é conivente com suas traiçoes. Tinha vida simples, mas nao era burra, o que chamou atençao de Tomas ao vê-la, foi o fato de ela estar com o livro de Tostoi, Ana Karenina e depois de aprender com ela a gostar de Beethoven. Torna-se fotografa durante a revoluçao e passa suas fotos para a imprensa internacional. So que ela é fragil, insegura e carente, tenta ser verdadeira e fiel na maior parte do tempo e quando comete um deslize, se ferra.
Tomas é o personagem que menos me cativou, era um mulherengo incuravel, nao resistia a um rabo de saia, ha longas e cansativas descriçoes sobre cada um dos seus casos no livro. So que as mulheres significavam o medo dele, ou seja, estar com uma mulher, era vencer seus proprios temores.
"Só lhe ficara o medo das mulheres. Desejava-as, mas elas atemorizavam-no".
Apesar da minha descriçao rasa e rapida sobre os personagens, o livro nao é so sobre casos amorosos, é muito além, é sobre politica, filosofia, sobre exilio, sobre escolhas e suas consequencias, sobre a condiçao humana em situaçoes adversas, a vida deles serao mudadas e nada sera como foi anteriormente. Mostra que nao existe situaçao preta ou branca, ha todas as nuances de cinzas no meio e o que esta no meio é mais comum do que o que esta nas extremidades, nao ha uma verdade absoluta, um certo ou um errado, o bonito e o feio, tudo isso depende de um ponto de vista, o fardo pesado pode vir a ser leve, e a leveza por virar um fardo.
"Não há forma nenhuma de se verificar qual das decisões é melhor porque não há comparação possível. Tudo se vive imediatamente pela primeira vez sem preparação. Como se um ator entrasse em cena sem nunca ter ensaiado. Mas o que vale a vida se o primeiro ensaio da vida já é a própria vida? É o que faz com que a vida pareça sempre um esquisso. Mas nem mesmo ''esquisso'' é a palavra certa, porque um esquisso é sempre o esboço de alguma coisa, a preparação de um quadro, enquanto o esquisso que a nossa vida é, não é esquisso de nada, é um esboço sem quadro".
Outros fragmentos do livro:
Sobre viver fora
"Quem vive no estrangeiro deixa de ter por debaixo de si a rede de segurança que é; para todo o ser humano, o país natal, o país onde se tem a família, os colegas, os amigos e onde é fácil fazermo-nos entender na língua que conhecemos desde crianças".
Sobre o excesso de informaçao e o abandono dos arquivos
"Numa sociedade rica, as pessoas não têm necessidade de trabalhar com as mãos e podem consagrar-se a uma atividade intelectual. Há cada vez mais universidades e cada vez mais estudantes. Estes, para obterem os seus canudos, primeiro têm que fazer uma tese sobre um dado tema. E não é difícil arranjar um tema, porque basta glosar o que já foi dito. E como tudo pode ser glosado, há um número infinito de temas. E assim, cada vez há mais e mais resmas de papel enegrecido amontoadas em arquivos ainda mais tristes do que cemitérios, porque ninguém lá entra, nem mesmo no dia de Todos os Santos. A cultura está a desaparecer numa infinidade de produtos, numa avalanche de letras, na demência da quantidade. Acredita em mim: um único livro proibido no teu antigo país tem um significado infinitamente maior do que os milhões de palavras escarrados pelas nossas universidades".
Gente que inventa uma classificaçao de livros bem peculiar:
"Marie-Claude prosseguiu: Foi no hospital que comecei a classificar os livros em duas categorias: os diurnos e os noturnos. E é mesmo verdade! Há livros para ler de dia, e outros que só se podem ler à noite".
Fragmentos diversos:
"A maior parte das vezes, para escapar ao sofrimento refugiamo-nos no futuro. Julgamos que a pista do tempo tem uma linha marcada para lá da qual o sofrimento presente há-de cessar".
"As idéias também podem salvar a vida".
"Es muss sein"? (tem de ser?)
"Antes de nos esquecerem, hão-de transformar-nos em kitsch. O kitsch é a estação de correspondência entre o ser e o esquecimento".
"Sempre admirei as pessoas que acreditam em Deus. Achava que tinham o dom estranho de uma percepção para-sensorial que a mim me é negada".
O filme
O filme homônimo, foi dirigido pelo americano Philip Kaufman, com belissimas atuaçoes de Daniel Day-Lewis (Tomas), Juliette Binoche (Tereza) e Lena Olin (Sabina). O filme tem quase 3h de duraçao, mesmo assim nao conta toda a historia do livro, é focado mais na historia da Tereza e do Tomas, alguns personagens importantes como o Simao por exemplo, nem é citado no filme e nao é mostrada a historia do Franz até o final, ele simplesmente desaparece. Um filme nunca substitui o livro, é apenas uma adaptaçao. Porém o filme é muito bom! Vale a pena assisti-lo. Assisti nos anos 90 e agora novamente para comparar com o livro e ele nao deixou de me surpreender.
Sabina e Tereza |
O livro e o filme fazem parte do meu projeto "Literatura na sétima arte" 11/100
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