quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

être ou avoir (ser ou ter)

Quando alguém pergunta: você tem tal coisa? A resposta sai automaticamente, tenho ou não tenho, ainda posso enumerá-las e engrandecê-las. Mas quando pergunta: Quem você é? Ai, que difícil, tenho que pensar qual a melhor resposta que irá agradar ao locutor, pois nem um mesma sei quem sou.
Estou encucada, a tradição cultural, a religião e até mesmo a propaganda de bens de consumo tentam nos convecer de como devemos ser: temos que ser bons, amar o próximo, respeitar as leis, trabalhar, estudar, formar família, ter casa, ter carro, ter dinheiro, tudo de forma honesta. Entretanto, não temos base para simplesmente "ser", ser feliz não é ter, ser feliz é ser. Pior que sermos nós mesmos é querer ser de alguém, achar que alguém vai nos fazer feliz e jogamos uma responsabilidade daquilo que somos em cima de outro ser que também não sabe quem é. Aí a infelicidade é dobrada, não resolvemos nossos problemas e o outro também não tem essa competência. Em seguida, passamos a responsabilidade para Deus, aí ouvimos aquelas frases: Deus me ama. Deixei nas mãos de Deus. Vou apelar aos santos. Transferimos mais uma vez a responsabilidade para um ser que não temos nem como comprovar sua existência.
Escondemos atrás dos nossos carros, das nossas casas, é mais fácil explicar a existência deles que a nossa própria existência. Apresentar-nos nus, como Adão e Eva perante Deus, até ele ficou constrangido e pediu para que eles se vestissem. Quanto mais acessórios, maquilagens, máscaras temos, menos somos. Ser de corpo e alma somente, sem ter que esconder atrás de uma outra pessoa, de uma entidade ou de um bem de consumo é tão difícil, eu também não aprendi essa lição, estou escondida atrás de muitas coisas e pessoas, prefiro falar de como meu filho está lindo, falar de viagens, de outras pessoas, de coisas, mas  a conversa é desviada rapidinho quando o assunto é: eu mesma. Não gosto de falar de mim, do que sou, do que gosto, do que espero, prefiro falar dos meus esmaltes, livros, filmes. Assim a gente vai se anulando e colocando coisas fúteis em nosso lugar. Para mim, é mais fácil dizer: Que sapato lindo! Adorei sua bolsa! a dizer: Você é tão legal, gosto tanto da sua companhia, sua risada é fascinante...Até porque quando você elogia a pessoa pelo o que ela é, ela já desconfia, acha que você quer alguma coisa.
Quando eu tento ser eu, fazer o que gosto, ter um tempo só para mim, eu tenho uma sensação que estou sendo egoísta, é estranho. Por quê a gente tem que viver só para agradar os outros? Eu quero me descobrir, saber quem eu sou, definir meus rumos, mas talvez eu tenha medo, embora eu saiba que a minha felicidade depende de mim e não dos outros.

Um comentário:

  1. pois é Ana, não é fácil, sei bem do que vc está falando, aliás, depois de algumas sessões de análise estou quase enlouquecendo, terminando relacionamentos, querendo mudar de emprego, virar sindicalista ou coisa que o valha, entre outras coisas extremas... hj minha analista comentou sobre uma brincadeira no meio da psicanálise, "em início de terapia não se corta nem o cabelo!", e eu já estou querendo mudar minha vida inteira!! rsrs
    Sagiatarianas são fogo!!! O que acontece é que não nos deixam ter o direito de questionar, de pensar nossas vidas e nossas escolhas, como vamos ficar bem se não conseguimos garantir nem o básico, saúde, educação, moradia, qqr coisa que temos é com muita abdicação e sacrificio... está tudo errado e não temos que engolir coisas que não queremos mais.... que tal?! rsrs

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